Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado n. 88.420/09

Suscitante: Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital

Suscitada: 1ª Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital

 

 

Ementa:

1) Conflito negativo de atribuições envolvendo a Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, como suscitante, e a Promotoria de Justiça do Meio Ambiente da Capital, como suscitada.

2) Procedimento instaurado em face de representação que relata eventual falta ou deficiência de EIA-RIMA, bem como impugna a audiência pública realizada pela Companhia do Metropolitano de São Paulo – Metrô, em relação ao Projeto da Linha 2 (Verde) do Metrô, que trata da mudança do projeto original de expansão.

3) Elemento central da investigação afeto, até o momento, à Promotoria do Meio Ambiente da Capital.

4) Ainda que houvesse equivalência dos interesses tutelados a solução seria o encaminhamento à Promotoria do Meio Ambiente, primeira destinatária da representação.

5) Conflito conhecido e dirimido. Determinação para que os autos sejam encaminhados à Promotoria de Justiça do Meio Ambiente da Capital.

 

 

Vistos.

 

1) Relatório

Trata-se de conflito negativo de atribuições em que figura como suscitante a Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital e como suscitada a Promotoria de Justiça do Meio Ambiente da Capital.

O conflito teve origem nos autos do procedimento investigatório ainda não instaurado formalmente, mas cuja tramitação teve início após representação formulada por (...) dirigida à Promotoria de Justiça do Meio Ambiente da Capital.

Relata o autor da representação que membros da Companhia do Metropolitano de São Paulo – Metrô, em audiência pública realizada em 3 de junho de 2009, na Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente, em relação ao Projeto da Linha 2 (Verde) do Metrô, não apresentaram o EIA-RIMA referente à mudança do projeto original de expansão.

Acrescenta que “a não realização dos estudos, ou a não publicidade dos mesmos, apresenta riscos relevantes para a sociedade, haja vista que as obras encontram-se em estado acelerado de realização, podendo perpetuar uma condição desfavorável à população da cidade de São Paulo.

O risco ambiental não foi devidamente apurado, sendo que o impacto da obra, sem a sua mensuração prévia, representa grave ilegalidade da autoridade municipal, haja vista o convênio firmado para a obra” (fls. 14).

Como se vê, a questão central da representação se refere à eventual falta ou deficiência do necessário EIA-RIMA ou, então, à eventual nulidade do procedimento de licenciamento ambiental, decorrente de ofensa aos princípios ambientais da publicidade e da participação popular.

O nobre Promotor de Justiça do Meio Ambiente que recebeu a representação, porém, entendeu que as questões narradas são predominantemente urbanísticas, de tal sorte que devem ser apreciadas pela Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo.

Todavia, o digno Promotor de Justiça em exercício perante a Promotoria de Habitação e Urbanismo entendeu que o interesse difuso lesado é ambiental por excelência, havendo de forma reflexa e não preponderante contato com questões urbanísticas.

Por esses e outros fundamentos, a Promotoria de Habitação e Urbanismo suscitou o presente conflito de atribuições, exaltando que deve ser fixada a atribuição da Promotoria do Meio Ambiente.

É o relato do essencial.

 

2) Fundamentação

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, e deve ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (Emerson Garcia, Ministério Público, 2ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p.196).

Portanto, conhecido do conflito, é o caso de se passar à definição do órgão de execução com atribuições para atuar no presente feito.

Como se sabe, no processo jurisdicional, a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23ªed., São Paulo, Malheiros, 2007, p.250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11ª ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p.56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p.140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p.55 e ss.

Essa idéia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t.I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p.621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p.153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p.95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certa investigação também não parta de elementos do caso concreto, ou seja, seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

Na hipótese em análise, o elemento central da investigação, até o momento, refere-se à eventual falta ou deficiência do necessário EIA-RIMA ou, então, à eventual nulidade do procedimento de licenciamento ambiental, decorrente de ofensa aos princípios ambientais da publicidade e da participação popular.

A Resolução 237/97 do CONAMA, em seu art. 1º, I, conceitua o Licenciamento Ambiental nos seguintes termos: procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais , consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso.

Como se vê, a ampliação é atividade sujeita ao licenciamento ambiental, sendo certo que a Licença Ambiental irá estabelecer as condições, restrições e medidas de controle ambiental que deverão ser obedecidas pelo empreendedor para ampliar e operar empreendimentos ou atividades utilizadoras dos recursos ambientais.

O art. 10, inciso V, da mesma Resolução, define a audiência pública como uma etapa obrigatória do procedimento de licenciamento ambiental.

Posto isso, é importante observar que a questão referente à falta de licenciamento ambiental, bem como à eventual irregularidade da audiência pública são questões de Direito Ambiental, de tal forma que a investigação deve se dar perante a Promotoria de Meio Ambiente.

Enfim, a questão principal apurada no presente procedimento está afeta às atribuições da Promotoria de Justiça do Meio Ambiente.

De outro lado, é oportuno anotar que se afigura extremamente comum que, em determinada investigação, verifique-se a existência de mais de um interesse, afeto a mais de uma área de atuação do Ministério Público. Isso decorre da própria complexidade dos interesses coletivos, cujo dinamismo faz com que nem sempre se acomodem, de forma singela, aos critérios normativos, previamente estabelecidos, de repartição das atribuições dos órgãos ministeriais.

Em outras palavras, é corriqueiro que haja, em certo caso, sobreposição de matérias atinentes a diferentes áreas de atuação.

A Lei Orgânica Estadual do Ministério Público (Lei Complementar Estadual nº734/93), ao tratar de conflitos de atribuições, estabeleceu os seguintes critérios para sua solução: (a) se houver mais de uma causa bastante para a intervenção, oficiará o órgão incumbido do zelo pelo interesse público mais abrangente (art.114 §2º); (b) tratando-se de interesses de abrangência equivalente, oficiará o órgão investido da atribuição mais especializada (art.114 §3º); e (c) sendo todas as atribuições igualmente especializadas, incumbirá ao órgão que primeiro oficiar no processo ou procedimento exercer as funções do Ministério Público (art.114 §3º).

Diante dos três critérios indicados em lei, acima referidos, cumpre examinar qual deles serviria ao caso versado nestes autos.

Tratando do tema, Hugo Nigro Mazzilli anota que “se houver mais de uma causa bastante para a intervenção do Ministério Público no feito, nele funcionará o membro da instituição incumbido do zelo do interesse público mais abrangente”, esclarecendo que para tais fins, a análise da abrangência deve ser feita no sentido do individual para o supra-individual (Regime Jurídico do Ministério Público, 6ªed., São Paulo, Saraiva, 2007, p.421/422).

No caso concreto, a questão central noticiada na representação, como se disse, está afeta às atribuições da Promotoria do Meio Ambiente.

Pondere-se, ainda, a título de complementação, que em casos envolvendo conflitos entre Promotorias especializadas na tutela de interesses metaindividuais, em que desde logo fique demonstrada, de forma concreta, a presença de fundamentos para a atuação de ambas, razoável solução se apresenta com a regra da prevenção (art.114 §3º da Lei Complementar Estadual nº734/93).

Aliás, como reforço a tal raciocínio, valeria trazer à colação também a observação de que no processo coletivo, a competência para julgamento da ação civil pública é do juízo de direito do foro do local do dano, nos termos do art.2º da Lei nº7347/85. Mas quando o dano coletivo se produz em mais de um foro, o parágrafo único do mencionado art.2º da Lei da Ação Civil Pública indica o critério de solução de eventual dúvida a respeito da competência: a prevenção.

Nesse sentido, anotam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional, São Paulo, RT, 2006, p.483/484, nota n.6 ao art.2º da Lei da Ação civil Pública) que “Quando o dano ocorrer ou puder potencialmente ocorrer no território de mais de uma comarca, qualquer delas é competente para o processo e julgamento da ACP, resolvendo-se a questão do conflito da competência pela prevenção”.

Anote-se, ademais, que o critério da prevenção, quando o conflito se apresenta entre órgãos do Ministério Público com atribuições para a tutela de interesses metaindividuais, é aquele que melhor atende ao interesse geral, à continuidade, à eficiência, e à eficácia da atividade ministerial.

Deste modo, ainda que se conclua que no caso concreto há interesses relacionados a mais de uma área de atuação em defesa de interesses supra-individuais, ostentando abrangência equivalente, o órgão ministerial que primeiro tomou contato com o caso, isto é, que recebeu originariamente a representação, foi a Promotoria de Justiça de Meio Ambiente da Capital, de tal forma que também nesse caso a atribuição seria da mencionada Promotoria de Justiça.

Posto isso, a atribuição para prosseguir nas investigações é da Promotoria de Justiça do Meio Ambiente da Capital.

 

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, 1º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital a atribuição para oficiar no procedimento investigatório.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 29 de julho de 2009.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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