Conflito de Atribuições – Cível

Protocolado nº 0088602/11

(Ref. Representação Civil n. 43.0265.0000122/2011-8

Suscitante: Promotora de Justiça de Ferraz de Vasconcelos

Suscitado: 6º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital

 

Ementa:

1.      Conflito negativo de atribuições. Suscitante: Promotora de Justiça de Ferraz de Vasconcelos. Suscitado: 6º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital

2.      Representação. Notícia de ocupação irregular no córrego São João, situado entre os Municípios de São Paulo e Ferraz de Vasconcelos. Margens ocupadas, quase na totalidade, pelo lado de São Paulo.

3.      Aplicação da prevenção. No processo coletivo, a competência para julgamento da ação civil pública é do juízo de direito do foro do local do dano, nos termos do art. 2º da Lei nº 7347/85. Mas, quando o dano coletivo se produz em mais de um foro, o parágrafo único do art. 2º da Lei da Ação Civil Pública indica a prevenção como critério de solução de dúvidas a respeito da competência. O critério da prevenção é aquele que melhor atende ao interesse geral relacionado à continuidade, à eficiência, e à eficácia da atividade ministerial, ao determinar o prosseguimento na investigação por parte do órgão que já diligenciou para a apuração dos fatos.

4.      Conflito conhecido e dirimido, cabendo ao suscitado (6º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital) prosseguir na investigação.

 

1)  Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante a Promotora de Justiça de Ferraz de Vasconcelos e como suscitado o 6º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital.

 Segundo consta, encaminhou-se à Promotoria de Justiça do Meio Ambiente da Capital representação em que se noticiava perigo de desmoronamento das margens do Córrego São João, localizado na divisa entre os Municípios de São Paulo e Ferraz de Vasconcelos (fls. 07/09). Por entender tratar-se de matéria relacionada à seara da habitação e urbanismo, o expediente foi remetido à Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo (fls. 04).

Recebidos os autos, a suscitada determinou que se oficiasse à Subprefeitura de Itaim Paulista, a fim de que esta fornecesse informações acerca da localidade e ocupação do Córrego São João (fls. 18).

De acordo com a vistoria realizada pela Subprefeitura de Itaim Paulista, constatou-se que o córrego São João situa-se entre os Municípios de São Paulo e Ferraz de Vasconcelos. Suas margens são ocupadas, quase na totalidade, pelo lado de São Paulo, com algumas casas e vias de circulação (ruas); em Ferraz de Vasconcelos, a ocupação se dá quase que apenas por casas. Por final, concluiu o laudo mencionado que a área pode receber risco baixo (R2) de classificação (fls.28/33).

As peças de informação foram encaminhadas à Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo de Ferraz de Vasconcelos (fls. 02), a qual, por sua vez, suscitou o conflito negativo de atribuições (fls. 42/45).

É o relato do essencial.

2) Fundamentação.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

Já se mencionou anteriormente que a vistoria realizada pela Subprefeitura de Itaim Paulista verificou que o córrego São João situa-se entre os Municípios de São Paulo e Ferraz de Vasconcelos. Diante desse quadro, o critério para a solução do conflito é a prevenção.

Até por analogia é possível chegar ao critério da prevenção.

Note-se que no processo coletivo a competência para julgamento da ação civil pública é do juízo de direito do foro do local do dano, nos termos do art. 2º da Lei nº 7347/85.

Mas quando o dano coletivo se produz em mais de um foro, o parágrafo único do art. 2º da Lei da Ação Civil Pública indica a prevenção como critério de solução de dúvidas a respeito da competência.

Nesse sentido, anotam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional, São Paulo, RT, 2006, p. 483/484, nota nº 6 ao art. 2º da Lei da Ação civil Pública) que “Quando o dano ocorrer ou puder potencialmente ocorrer no território de mais de uma comarca, qualquer delas é competente para o processo e julgamento da ACP, resolvendo-se a questão do conflito da competência pela prevenção”.

Esse raciocínio é aplicável, analogicamente, para a solução de conflitos de atribuição entre órgãos administrativos.

Ademais, o critério da prevenção é aquele que melhor atende ao interesse geral relacionado à continuidade, à eficiência, e à eficácia da atividade ministerial, ao determinar o prosseguimento na investigação por parte do órgão que já diligenciou para a apuração dos fatos.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, DD. 6º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital a atribuição para oficiar no procedimento investigatório.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 18 de julho de 2011.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

 

ef