Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 88.624/10

Representação n. 149/10

Suscitante: Promotora de Justiça em exercício no Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (GAEMA) – Núcleo Paraíba do Sul

Suscitado: 1º Promotor de Justiça de Tremembé

 

Ementa:

1) Conflito negativo de atribuições. Promotora de Justiça em exercício no Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (GAEMA) – Núcleo Paraíba do Sul (suscitante) e 1º Promotor de Justiça de Tremembé (suscitado).

2) Objeto da investigação: danos ambientais provocados por ocupações existentes em área de preservação permanente do Rio Paraíba do Sul, especificamente entre as cavas 3 e 4 do empreendimento denominado “Portomais Extração e Comércio de Areia LTDA”.

3) Atribuição da suscitante: inteligência do Art. 1º. I. 3. 3.2.1. do Ato Normativo nº 565/2009- PGJ, de 13 de janeiro de 2009(Pt. n° 5.070/2009), responsável por disciplinar as metas gerais e regionais para a atuação do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (GAEMA) e da Rede de Atuação Protetiva do Meio Ambiente.

4)Conflito conhecido e dirimido, determinando-se caber à suscitante prosseguir na investigação.

Vistos,

1)Relatório.

Tratam estes autos de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante a Promotora de Justiça em exercício no Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (GAEMA – Núcleo Paraíba do Sul), e como suscitado o DD. 1º Promotor de Justiça de Tremembé.

É dos autos que o 1º Promotor de Justiça de Tremembé, após receber peças de informações acerca de danos ao meio ambiente provocados em área de preservação permanente do Rio Paraíba do Sul, encaminhou o expediente ao Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (GAEMA – Núcleo Paraíba do Sul), por entender que a atribuição para funcionar na investigação seria do Grupo Especializado, à luz do que dispõe o art. 1º, I, 3.2.1. do Ato Normativo n. 565/09-PGJ.

Recebidos os autos, a Promotora de Justiça em exercício no Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (GAEMA - Núcleo Paraíba do Sul), suscitou conflito negativo de atribuições, porque, no seu entendimento, “a atribuição do GAEMA, como se vê, é voltada à solução de problemas de grande porte de cunho regional, não compreende a atuação limitada a residências isoladas, a matérias envolvendo a regularização fundiária, as quais possuem âmbito local e são afetas à área de atribuição da Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo de Tremembé”(fls. 19).

 

 

É o relato do essencial.

2)Fundamentação.

Está configurado, no caso, o conflito de atribuições.

Isso decorre do posicionamento de diversos órgãos de execução do Ministério Público, quando “(a) dois ou mais deles manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusões às de outro membro (conflito positivo); (b) ao menos um membro negue a própria atribuição funcional e a atribua a outro membro, que já a tenha recusado (conflito negativo)” (cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime Jurídico do Ministério Público, 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 486/487). No mesmo sentido Emerson Garcia, Ministério Público, 2ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196/197.

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23ª ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11ª ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta idéia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t.I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certa investigação também não parta de elementos do caso concreto, ou seja, seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

No caso em exame, é oportuno destacar com precisão qual é o objeto da investigação, para, a partir daí, definir-se o conflito.

Remarque-se que o objeto da investigação consiste em averiguar danos ambientais provocados por ocupações existentes em área de preservação permanente do Rio Paraíba do Sul, especificamente entre as cavas 3 e 4 do empreendimento denominado “Portomais Extração e Comércio de Areia LTDA”.

Embora esta Procuradoria-Geral de Justiça tenha, em outros conflitos de atribuição em que há mais de um interesse metaindividual presente, decido pelo critério da prevenção, nos termos do art. 114, § 3º da Lei Complementar Estadual nº 734/93 (Lei Orgânica Estadual do Ministério Público), no caso em análise a questão merece atenção peculiar, na medida em que a controvérsia envolve a atuação do GAEMA.

A razão disso é a premissa que justificou a própria criação do referido Grupo de Atuação Especial, ou seja, conferir tratamento prioritário para casos em que, na área do meio ambiente, seja perceptível a diversa dimensão, intensidade, e importância da questão sob investigação.

Nesse sentido é a conclusão que se pode extrair da interpretação sistemática de dispositivos do Ato Normativo nº 552/08-PGJ, visto que por força do ato regulamentar, caberá ao GAEMA: (a) oficiar em representações, inquéritos civis, procedimentos preparatórios de inquéritos civis para a defesa e proteção de bens ambientais eleitos como prioritários (art. 5º, a); (b) promover medidas judiciais necessárias à defesa e proteção dos bens ambientais eleitos como prioritários (art. 5º, c).

Mesmo antes da criação do GAEMA, esta Procuradoria-Geral de Justiça vinha decidindo que apenas casos de repercussão regional deveriam ficar a cargo da Promotoria com atuação regionalizada, e não todos aqueles relacionados à proteção ambiental (Protocolado nº 68.721/2008; Inquérito Civil nº100/06 – Ubatuba; Suscitante: Promotoria de Justiça do Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo de Ubatuba; Suscitada: Promotoria com atuação regionalizada no Meio Ambiente – Litoral Norte e Protocolado nº 69.472/08; Inquérito Civil nº. 76/06 – Ubatuba; Suscitante: Promotoria de Justiça do Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo de Ubatuba; Suscitada: Promotoria com atuação regionalizada no Meio Ambiente – Litoral Norte).

Ocorre que o Ato Normativo nº 565/2009- PGJ, de 13 de janeiro de 2009(Pt. n° 5.070/2009), responsável por disciplinar as metas gerais e regionais para a atuação do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (GAEMA) e da Rede de Atuação Protetiva do Meio Ambiente, assenta, em seu art. 1º:

Art. 1º. Ficam estabelecidas como metas gerais e regionais para os núcleos de atuação do GRUPO DE ATUAÇÃO ESPECIAL DE DEFESA DO MEIO AMBIENTE, as iniciativas e medidas concernentes às matérias a seguir descritas:

I - NÚCLEO I - PARAÍBA DO SUL

(...).

3- Espaços territoriais especialmente protegidos e seus atributos naturais - APP e Reserva Legal, nas seguintes hipóteses:

3.2.1: APP do Rio Paraíba do Sul no trecho compreendido entre os municípios de Jacareí a Tremembé (vegetação e extração de areia com reflexo nas margens do curso d´água);

Pelo que se nota, entre as metas gerais e regionais de atuação para o núcleo Paraíba do Sul estão a proteção de espaços territoriais especialmente protegidos e seus atributos naturais, nas hipóteses de APP do Rio Paraíba do Sul no trecho compreendido entre os municípios de Jacareí a Tremembé (vegetação e extração de areia com reflexo nas margens do curso d´água).

Trata-se da situação aventada nestes autos, conforme se verifica do Laudo de Constatação elaborado pela Coordenadoria Técnica de Agricultura e Meio Ambiente da Prefeitura Municipal da Estância Turística de Tremembé (fls. 05/08).

Embora a suscitante aduza que a atribuição do GAEMA volta-se à solução de problemas de grande porte de cunho regional, não se limitando à regularização de residências isoladas, mostra-se evidente que o objeto de investigação nestes autos não se circunscreve unicamente à problemática de mera ocupação irregular do solo por algumas famílias, mas sim ocupação relacionada à atividade de extração de areia, direta ou indiretamente.

Remarque-se, por relevante, que o Ato Normativo 565/2009- PGJ, de 13 de janeiro de 2009, expressamente elegeu como meta geral regional para o núcleo de atuação do qual a suscitante pertence a proteção da área de preservação permanente do Rio Paraíba do Sul no trecho compreendido entre os municípios de Jacareí a Tremembé.

Colhe-se com segurança que à luz do art. 1º, I, 3.2.1. do Ato Normativo n. 565/2009-PGJ, compete à suscitante prosseguir na investigação.

3)Decisão.

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber à suscitante, DD. Promotora de Justiça em exercício no Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (GAEMA) – Núcleo Paraíba do Sul, prosseguir na investigação, em seus ulteriores termos.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 02 de agosto de 2010.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

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