Conflito de Atribuições - Cível

Autos n. 9104173-78.2007.8.26.0000

Suscitante: Procuradoria de Justiça Cível

Suscitada: Procuradoria de Justiça de Interesses Difusos

 

Ementa:

1) Conflito negativo de atribuições. Procuradoria de Justiça Cível (suscitante) e Procuradoria de Justiça de Interesses Difusos (suscitada).

2) Apelação Cível. Ação de despejo por falta de pagamento cumulada com cobrança de alugueres julgada procedente em Primeira Instância. Possível relação com ação civil pública que versava sobre a regularização do empreendimento.

3) Hipótese de ação individual. Inexistência, em função do objeto, de ação coletiva. Conclusão do Procurador de Justiça Cível que primeiro se manifestou no feito (fls. 138/142), lançando parecer sobre o mérito.

4) Ato normativo n. 412-CPJ, de 24 de novembro de 2005, alterado pelo Ato Normativo n. 467-CPJ, de 20 de junho de 2006, que dispõe sobre a organização, funcionamento e atribuições das Procuradorias de Justiça.

5) Atribuições da Procuradoria de Justiça de Interesses Difusos e Coletivos definidas de forma taxativa, ao contrário das atribuições da Procuradoria de Justiça Cível, que possui atribuições de caráter residual.

6) Enunciado n. 235 da Súmula do Colendo Superior Tribunal de Justiça no sentido de que “a conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado”.

7) Conflito conhecido e dirimido. Determinação para que os autos sejam distribuídos à Procuradoria de Justiça Cível.

 

 

Vistos.

1) Relatório

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante a Procuradoria de Justiça Cível e como suscitada a Procuradoria de Justiça de Interesses Difusos.

O conflito teve origem nos autos da Apelação Cível n. 992.07.026351-4, interposta em face da R. Sentença de fls. 92/95, que julgou procedente a ação de despejo cumulada com cobrança de alugueres proposta pela Imobiliária e Construtora Continental Ltda. em face de Wagner Ribeiro.

A Procuradoria de Justiça Cível ofertou o parecer de fls. 138/142, opinando pelo não provimento da apelação.

Sobreveio, então, o R. Despacho de fls. 173, do Excelentíssimo Desembargador Relator, para que seja examinada a conveniência de sobrestar o feito até a solução de ação coletiva ajuizada para apuração de responsabilidades acerca do loteamento clandestino.

Os autos foram remetidos à Procuradoria de Justiça de Interesses Difusos e Coletivos, sobrevindo a manifestação de fls. 351, de encaminhamento dos autos à Procuradoria Cível.

A Procuradoria de Justiça Cível, todavia, suscitou o conflito de atribuições, sob o argumento de que se trata de “incidente relacionado com a Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público de Arujá, estando a atribuição afeta à Procuradoria de Interesses Difusos e Coletivos”.

É o relato do essencial.

2) Fundamentação

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, e deve ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p.196).

Como se sabe, no processo jurisdicional, a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23ªed., São Paulo, Malheiros, 2007, p.250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11ª ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p.56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p.140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p.55 e ss.

Essa ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t.I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p.621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p.153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p.95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certa investigação também não parta de elementos do caso concreto, ou seja, seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do Procurador de Justiça, órgão de execução do Ministério Público na Segunda Instância a quem incumbe a atribuição para oficiar, conclusivamente, nos autos do processo judicial que lhe for distribuído, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

Na hipótese em análise, o conflito envolve a Procuradoria de Justiça Cível e a Procuradoria de Justiça de Interesses Difusos e Coletivos, acerca da atribuição para emitir manifestação em ação individual de despejo por falta de pagamento.

O nobre Procurador de Justiça com atribuições na área cível, a fls. 359 dos autos, entendeu que cabe a intervenção da Procuadoria de Justiça de Interesses Difusos e Coletivos, pois “a presente ação de despejo gravita em torno de lote inserto em loteamento do bairro do Parque Rodrigo Barreto, na cidade de Arujá, guardando sintonia com a ação civil pública que objetiva, dentre outros pleitos, a regularização do mencionado loteamento (cf. fls. 188/289), de molde que ‘a relação jurídica antecedente, qual seja, a locatícia, poderá ser afetada ante a decisão a ser proferida na mencionada ação civil pública’, na visão do douto colega oficiante (cf. fls. 87)”.

Por sua vez, o DD. Procurador de Justiça Secretário da Procuradoria Cível destaca que, “com a diligência do ilustre Relator Júlio Vidigal às fls. 173, sobrestando o recurso, restou cristalino que o objeto desta ação está inserido na discussão de maior abrangência na Ação Civil Pública promovida pelo Ministério Publico de Arujá” (fls. 355).

Em que pesem as respeitáveis ponderações, a atribuição para atuar no presente feito é mesmo da Procuradoria de Justiça Cível.

De início, é importante consignar que a Procuradoria de Justiça Cível, em momento anterior, já se manifestou nos autos, lançando parecer sobre o mérito, sem vislumbrar possível atribuição da Procuradoria de Interesses Difusos e Coletivos (fls. 138/142).

Em seguida, importante frisar que a presente ação não é coletiva, isto é, não se trata de ação civil pública, ação popular ou mandado de segurança coletivo. Também não se trata de processo envolvendo inquérito civil ou questões consumeristas.

Como se sabe, o Ato normativo n. 412-CPJ, de 24 de novembro de 2005, dispõe sobre a organização, funcionamento e atribuições das Procuradorias de Justiça.

Por força da alteração promovida pelo Ato Normativo n. 467-CPJ, de 20 de junho de 2006, o art. 2º, incisos III e IV, define a atribuição das Procuradorias de Justiça envolvidas no presente conflito negativo:

“III - Procuradoria de Justiça Cível: 52 (cinqüenta e dois) procuradores de Justiça, com atribuições de oficiar junto às Seções de Direito Público e de Direito Privado do Tribunal de Justiça, ressalvadas as atribuições dos procuradores de Justiça integrantes da Procuradoria de Justiça de Interesses Difusos e Coletivos e dos que atuam perante a Câmara Especial;

IV - Procuradoria de Justiça de Interesses Difusos e Coletivos: 24 (vinte e quatro) procuradores de Justiça, com atribuições de oficiar nas ações civis públicas e ações populares e respectivos incidentes e mandados de segurança, ações cautelares e incidentes, mandados de segurança coletivos e mandados de injunção coletivos, processos envolvendo inquérito civil e questões ambientais cíveis e ações cautelares e incidentes, em trâmite no Tribunal de Justiça”.

Pode-se concluir, então, que as atribuições da Procuradoria de Justiça de Interesses Difusos e Coletivos são definidas de forma taxativa, ao contrário das atribuições da Procuradoria de Justiça Cível.

Ocorre que a Procuradoria de Justiça Cível atua em feitos que não são criminais e que não sejam de atribuição da Procuradoria de Justiça de Interesses Difusos e Coletivos, ou seja, possui atribuições de caráter residual.

Sendo assim, e considerando que a hipótese tratada nos autos não está elencada entre as atribuições da Procuradoria de Justiça de Interesses Difusos e Coletivos, o feito deve ser distribuído à Procuradoria de Justiça Cível.

Por fim, para afastar qualquer dúvida, é relevante destacar que a Ação Civil Pública foi julgada extinta, com fundamento no art. 269, III, do CPC, em função da conciliação (fls. 339/340).

E como proclama o Enunciado n. 235 da Súmula do Colendo Superior Tribunal de Justiça, “a conexão não determina a reunião dos processos, se um deles já foi julgado”.

Sendo assim, a partir do que se decidiu na ação coletiva, já extinta, podem ser analisadas as questões debatidas na presente ação individual.

Ademais, como já advertiu a Colenda Segunda Seção do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Conflito de Competência 113.130/SP, em acórdão relatado pela eminente Ministra NANCY ANDRIGHI, “a mera possibilidade de juízos divergentes sobre uma mesma questão jurídica não configura, por si só, conexão entre as demandas em que foi suscitada. A prolação de decisões conflitantes, embora indesejável, é evento previsível, cujos efeitos o sistema procura minimizar com os instrumentos da uniformização de jurisprudência (CPC, art. 476), dos embargos de divergência (CPC, art. 546) e da afetação do julgamento a órgão colegiado uniformizador (CPC, art. 555, § 1º), dando ensejo, inclusive, à edição de súmulas (CPC, art. 479) e à fixação de precedente destinado a dar tratamento jurídico uniforme aos casos semelhantes”.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber à suscitante, DD. Procuradoria de Justiça Cível, a atribuição para oficiar nos autos do processo judicial.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 16 de junho de 2011.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

/md