Conflito de Atribuições – Cível

Protocolado nº 0092209/11

Suscitante: 3º Promotor de Justiça de Itapecerica da Serra

Suscitado: 2º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital (acumulando o cargo de 8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital)

 

 

Ementa:

1.      Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 3º Promotor de Justiça de Itapecerica da Serra. Suscitado: 2º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital (acumulando o cargo de 8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital)

2.      Eventual descumprimento de contratos entabulados entre a FDE (Fundação para o Desenvolvimento da Educação e Escola Estadual Comendador Benevides Beraldo) e consórcios de empresas privadas.

3.      A Lei de Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/92) não tem disposição específica sobre competência, ao contrário do que ocorre com a Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85) e com o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90), os quais, em seus arts. 2º e 93, respectivamente, disciplinam a matéria. De toda forma, ao se considerar que a ação de improbidade administrativa pertence ao minissistema processual coletivo, de rigor aplicar-se a regra do art. 2º da Lei n. 7.347/85 também às ações ajuizadas com suporte na Lei n. 8.429/92, à medida que a ação de improbidade pode ser considerada uma ação coletiva.

4.      No caso dos direitos transindividuais (e a probidade constitui direito difuso), pela sua dimensão social, política e jurídica, resta claro o interesse público no sentido que a competência territorial se exprima como absoluta. Justifica-se essa opção pelas seguintes razões: a) facilitar a instrução probatória; b) permitir que a demanda seja julgada pelo juiz que de alguma forma teve contato com o dano ou ameaça de dano a direito transindividual.

5.      Colhe-se com segurança que em sede de improbidade administrativa a competência a ser considerada é aquela onde foi perpetrada a conduta que ofendeu a higidez pública e, em regra, o local do dano é a sede da pessoa jurídica ofendida pelo ato de improbidade. Mesmo que houvesse também atribuição do suscitante, a solução seria adotar o critério da prevenção, uma vez que nos casos de situações limítrofes em que é manifesta a dificuldade de identificar de modo claro o órgão revestido de atribuição para investigar determinados fatos, por estarem estes naquela zona de transição entre uma e outra área especializada, ou mesmo por afetarem, concomitantemente, mais de um segmento de especialização, melhor se afigura o critério objetivo da prevenção.

6.      Conflito conhecido e dirimido, cabendo ao suscitado (2º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital, acumulando o cargo de 8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital) prosseguir na investigação.

 

1)  Relatório.

 

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o 3º Promotor de Justiça de Itapecerica da Serra e como suscitado o 2º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital (acumulando o cargo de 8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital).

  Segundo consta, o 8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital,  instaurou em 03 de dezembro de 2009, inquérito civil com o objetivo de apurar irregularidades em reformas realizadas pela FDE (Fundação para o Desenvolvimento da Educação e Escola Estadual Comendador Benevides Beraldo) na Escola Estadual Comendador Benevides Beraldo, consistentes na baixa qualidade do material e do serviço, bem como de problemas no controle da execução da obra (cfr. Portaria PJPP-CAP n. 1258/09 – fls. 02/03).

Registre-se, porém, que o 2º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital (acumulando o cargo de 8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital), declinou de sua atribuição, por entender que “eventual dano por lesão ao patrimônio público ocorreu na cidade de Itapecerica da Serra, Estado de São Paulo, por eventual omissão administrativa na fiscalização e controle de execução da obra em razão da baixa qualidade do material e do serviço em reforma de unidade escolar lá instalada, local competente para análise de eventual ação (art. 2º da Lei n. 7.347/85 fls. 237)”. Nesses termos, aos 14 de abril de 2011, determinou-se o encaminhamento do expediente ao 3º Promotor de Justiça de Itapecerica da Serra, o qual, por sua vez, suscitou conflito negativo de atribuições.

É o relato.

2) Fundamentação.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

Com efeito, no caso dos autos, percebe-se que o cerne da investigação consiste em eventual descumprimento de contratos entabulados entre a FDE (Fundação para o Desenvolvimento da Educação e Escola Estadual Comendador Benevides Beraldo) e consórcios de empresas privadas. Bem observou o suscitante que “os contratos em questão foram celebrados no Município e Comarca de São Paulo, onde está localizada a Fundação para o Desenvolvimento da Educação de São Paulo e também as empresas  “JZ Engenharia e Comércio LTD”(fls. 17) e “Trajeto – Construções e Serviços LTDA”  (cf. pesquisa no site da JUCESP na internet).

É fato que a Lei de Improbidade Administrativa (Lei n. 8.429/92) não tem disposição específica sobre competência, ao contrário do que ocorre com a Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85) e com o Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90), os quais, em seus arts. 2º e 93, respectivamente, disciplinam a matéria. De toda forma, ao se considerar que a ação de improbidade administrativa pertence ao minissistema processual coletivo, de rigor aplicar-se a regra do art. 2º da Lei n. 7.347/85 também às ações ajuizadas com suporte na Lei n. 8.429/92, à medida que a ação de improbidade pode ser considerada uma ação coletiva.

 Nesse sentido, assentou o STJ que “não há na Lei 8.429/92 regramento específico acerca da competência territorial para processar e julgar as ações de improbidade. Diante de tal omissão, tem-se aplicado, por analogia, o art. 2º da Lei 7.347/85, ante a relação de mútua complementariedade entre os feitos exercitáveis em âmbito coletivo, autorizando-se que a norma de integração seja obtida no âmbito do microssistema processual da tutela coletiva” (CC 97351/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 27/05/2009, DJe 10/06/2009).

No caso dos direitos transindividuais (e a probidade constitui direito difuso), pela sua dimensão social, política e jurídica, resta claro o interesse público no sentido que a competência territorial se exprima como absoluta. Nas palavras de Proto Pisani: “È chiaro che quando il legislatore prevede criteri di competenza per territorio inderogabili, manifesta l’esistenza di un interesse pubblicistico al rispetto di tali criteri.” (PISANI, Andrea Proto. Lezioni di Diritto Processuale Civile. Quinta edizione. Napoli: Jovene, 2006, p. 272).

Justifica-se a opção pela competência absoluta pelas seguintes razões: a) facilitar a instrução probatória; b) permitir que a demanda seja julgada pelo juiz que de alguma forma teve contato com o dano ou ameaça de dano a direito transindividual.

O local do resultado coincide, muitas vezes, “com o domicílio das vítimas e da sede dos entes e pessoas legitimadas, facilitando o acesso à justiça e a produção da prova” (GRINOVER, Ada Pellegrini. Da defesa do consumidor em juízo. In: Benjamin, A H V; Fink, D R; Filomeno, J G; Grinover, Ada Pellegrini; Nery Júnior, N; Denari, Z. Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 8ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004 , p. 877).

Hugo Nigro Mazzilli, no mesmo rumo, ensina que o escopo de fixar o local do dano “é facilitar o ajuizamento da ação e a coleta da prova, bem como assegurar que a instrução e o julgamento sejam realizados pelo juízo que maior contato tenha tido ou possa vir a ter com o dano efetivo ou potencial aos interesses transindividuais” (MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 15ª  ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 207).

Colhe-se com segurança que em sede de improbidade administrativa a competência a ser considerada é aquela onde foi perpetrada a conduta que ofendeu a higidez pública e, em regra, o local do dano é a sede da pessoa jurídica ofendida pelo ato de improbidade. Veja-se o que ensina a doutrina:

“A questão da competência territorial para a ação de improbidade, à falta de regra específica na Lei n. 8.429/92 e tendo em conta o regime da mútua complementariedade entre as ações exercitáveis no âmbito da jurisdição coletiva, demanda a incidência do art. 2º da Lei n. 7.347/85, podendo considerar-se como local do dano, numa primeira aproximação interpretativa, a sede da pessoa jurídica de direito público lesada pela improbidade” (Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves. Improbidade Administrativa. 5ª ed. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2010, p. 870).

Mesmo que, de fato, houvesse também atribuição do suscitante, o certo é que a solução seria adotar o critério da prevenção, uma vez que nos casos de situações limítrofes em que é manifesta a dificuldade de identificar de modo claro o órgão revestido de atribuição para investigar determinados fatos, por estarem estes naquela zona de transição entre uma e outra área especializada, ou mesmo por afetarem, concomitantemente, mais de um segmento de especialização, melhor se afigura o critério objetivo da prevenção.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, DD. 2º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital (acumulando o cargo de 8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital), a atribuição para oficiar no procedimento investigatório.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 03 de agosto de 2011.

 

Fernando Grella Vieira

Procurador-Geral de Justiça

 

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