Conflito de
Atribuições – Cível
Protocolado
nº 95.222/168
Suscitante:
15º
Promotor de Justiça da Infância e Juventude da capital
Suscitado: 5º Promotor de
Justiça Cível de São Miguel Paulista
Assunto: Processo
nº1011517-14.2016.8.26.0000
1. Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 15º Promotor de Justiça da infância e juventude da Capital (com atribuições na área de Interesses Difusos e Coletivos). Suscitado: 5º Promotor de Justiça Cível de São Miguel Paulista (com atribuição na área da Infância e Juventude - Direitos Individuais).
2. Intervenção em processo judicial com pedido de Alvará para
autorização do ingresso de menores em
eventos;
3. Inexistência de
hipótese concreta de conflito positivo ou negativo de atribuições.
Impossibilidade de deliberação, do Procurador-Geral de Justiça, que ultrapasse
os limites da independência funcional do membro do Ministério Público.
4. Conflito não
conhecido.
Vistos,
1)Relatório.
Por
meio do ofício nº2824/2016 o DD. 15º Promotor de Justiça da Infância e
Juventude da Capital, suscita o
conflito negativo de atribuições, informando que se manifestou em pedido de
alvará formulado no juízo da infância e juventude do Foro Regional de São
Miguel Paulista, no qual se pretendia autorização para a permanência de menores
desacompanhados de seus responsáveis em evento festivo. Todavia, ressalta que a
atribuição para tanto seria do suscitado.
No processo mencionado, incialmente foi aberta vista ao DD. 5º
Promotor de Justiça Cível de São Miguel Paulista (com atribuição na área da
infância- diretos individuais e que atua junto a Vara especializada que
processou o pedido), o qual alegando
tratar-se de “matéria de natureza difusa” declinou de sua atuação indicando ser
matéria de atribuição da Promotoria de Direitos Difusos da Infância e Juventude
da Capital (fls. 75).
Ao receber o processo, o DD 15º Promotor de Justiça da Infância e
Juventude da Capital, informou por telefone e por e-mail que a atribuição seria
do suscitado fls. 76/87. E, em complemento, oficiou noticiando que o processo
fora extinto e que interpôs embargos de declaração contra a sentença (fls.
89/98).
Daí porque “formula consulta” à
Procuradoria-Geral de Justiça a respeito da atribuição para atuar em autos
dessa natureza.
2) Fundamentação
De
antemão, verifica-se que não está, no caso, configurado o conflito de
atribuições.
Como se sabe, é extremamente tênue a
linha divisória que distingue a legítima apreciação, pelo Procurador-Geral de
Justiça, de um conflito de atribuição concretamente considerado, e eventual
manifestação emitida em situação de inexistência de caso concreto a analisar,
que poderia configurar violação da independência funcional do membro do
Ministério Público, estipulada expressamente como princípio constitucional no
art.127 §1º da CR/88.
O
respeito à independência funcional, dentro do entendimento que tem prevalecido
e que acabou sendo acolhido pelo legislador, é que impede, por exemplo, que
recomendações do Procurador-Geral de Justiça aos demais órgãos de execução
tenham caráter vinculativo, quanto aos estritos limites relacionados ao
específico desempenho de suas funções de execução (cf. art.19 I d da Lei Complementar Estadual
nº734/93).
Deste modo, pode-se concluir que a
solução de problemas atinentes a atribuições depende de sua concreta
configuração, bem como da iniciativa dos envolvidos, no sentido de suscitar
o conflito. Em outros termos, o exame de situações consideradas apenas em
caráter hipotético significaria, potencialmente, violação à independência
funcional de membros do Ministério Público.
Essa
é a razão pela qual a doutrina anota que se configura o conflito negativo de
atribuições quando “dois ou mais órgãos
de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a
prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e
outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2ªed., Rio de
Janeiro, Lumen Juris, 2005, p.196. g.n.).
Em outros termos, conflitos de
atribuições configuram-se in concreto,
jamais in abstracto, quando,
considerado o posicionamento de membros do Ministério Público “(a) dois ou mais deles manifestam,
simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em
exclusões às de outro membro (conflito positivo); (b) ao menos um membro negue
a própria atribuição funcional e a atribua a outro membro, que já a tenha
recusado (conflito negativo)” (cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime Jurídico do Ministério Público,
6ªed., São Paulo, Saraiva, 2007, p.486/487).
Com posicionamentos conflitantes dos
membros do Ministério público quanto à identificação daquele que ostenta
atribuições para atuar em determinado caso concreto é que surge, aí sim de
forma legítima, a atribuição do Procurador-Geral de Justiça para dirimir o
conflito.
Bom exemplo da aplicação de tal
raciocínio, evidenciando o respeito à independência funcional, verifica-se nos
casos em que há negativa do membro do Ministério Público para oficiar em
determinado feito, de natureza cível.
O
fundamento que tem sido adotado para solução de casos desta natureza é a
analogia com o art.28 do Código de Processo Penal (Nesse sentido: Hugo Nigro
Mazzilli, Manual do Promotor de Justiça, 2ªed.,
São Paulo, Saraiva, 1991, p.537; Emerson Garcia, Ministério Público, cit., p.73).
Mas
nem seria necessário chegar a tanto: embora os membros do Ministério Público
tenham a garantia da independência funcional, o que lhes isenta de qualquer
injunção de órgãos da administração superior quanto ao conteúdo de suas
manifestações, são administrativamente vinculados aos órgãos superiores. E
estes, no plano estritamente administrativo, possuem, com relação àqueles,
poderes que caracterizam a administração pública: poder hierárquico,
disciplinar, regulamentar, etc.
Como anota Hely Lopes Meirelles, o
poder hierárquico é aquele de que dispõe a autoridade administrativa superior
para “distribuir e escalonar as funções
de seus órgãos, ordenar e rever a atuação de seus agentes, estabelecendo a
relação de subordinação entre os servidores do seu quadro de pessoal (...) tem
por objetivo ordenar, coordenar, controlar e corrigir as atividades
administrativas, no âmbito interno da Administração Pública” (Direito Administrativo Brasileiro,
33ªed., São Paulo, Malheiros, 2007, p.121). Confira-se ainda, a respeito desse
tema: Edmir Netto de Araújo, Curso de
Direito Administrativo, São Paulo, Atlas, 2005, p.421/423; Maria Sylvia
Zanella Di Pietro, Direito Administrativo,
19ª ed., São Paulo, Atlas, 2006, p.106/109.
O reconhecimento do vínculo entre órgão
subordinado e órgão superior, no plano estritamente administrativo, é assente
inclusive no direito comparado, anotando, por exemplo, Giovanni Marongiu, em
conhecida enciclopédia estrangeira, que esta é a nota característica da
hierarquia administrativa, na medida em que “questo vincolo, fondandosi su un’autentica supremazia della volontà
superiore, ordina l’agire amministrativo e contribuisce a costituire la prima e
basilare unità operativa che l’ordinamento riveste della dignità e della forza
di strumento espressivo dell’autorità pubblica”(Verbete “Gerarchia
amministrativa”, Enciclopedia del diritto,
vol. XVIII, Milano, Giuffrê, 1969,p.626).
Do
mesmo modo, outra não é a razão pela qual Massimo Severo Giannini reconhece a
existência implícita, em decorrência da subordinação hierárquica entre órgãos,
de um “potere di risoluzione di conflitti
tra uffici subordinati, e quindi anche potere di coordinamento dell’attività
degli stessi” (Diritto Amministrativo,
v. I, 3ªed., Milano, Giuffrè, 1993, p.312).
O reconhecimento da hierarquia na
organização administrativa ministerial de modo algum conflita com o princípio
da independência funcional: os Promotores e Procuradores de Justiça são
independentes no que tange ao conteúdo de suas manifestações
processuais; mas pelo princípio hierárquico, que inspira a administração de
qualquer entidade pública, são passíveis de revisão alguns aspectos dessa
atuação.
Em outras palavras, o Procurador-Geral
de Justiça não pode dizer como deve o
membro do Ministério Público atuar, mas pode e deve dizer se deve ou não atuar, e qual o
membro que o fará, diante de discrepância concretamente
configurada quanto às atribuições dos órgãos ministeriais de execução
envolvidos.
Tornemos
ao caso em exame.
Não se configurou, na hipótese
analisada, conflito concreto de atribuições, exatamente porque o suscitante
aceitou se manifestar nos autos, interpondo, inclusive, embargos de declaração
contra a decisão. Assim, qualquer consideração por parte do Procurador-Geral de
Justiça a respeito do processo no qual foi expedido o ofício que rendeu ensejo
a este expediente, em especial quanto à identificação do membro do Ministério
Público com atribuições para nele atuar, tangenciaria a independência funcional
dos membros do Ministério Público envolvidos.
3)Decisão.
Diante
do exposto, ausentes os pressupostos de admissibilidade, não conheço do
conflito.
Oficie-se aos interessados, com cópia
desta decisão.
Publique-se a ementa. Comunique-se.
Registre-se. Posteriormente, arquivem-se os autos.
Providencie-se
a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de
Tutela Coletiva.
São
Paulo, 21 de julho de 2016.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
efsj