Conflito de Atribuições - Cível
Protocolado
nº96.643/08
Suscitantes:
Promotores de Justiça de Tupã
Assunto:
Inquérito Civil nº014/06
Ementa: 1)Ofício de Promotores de Justiça, com consulta a
respeito da vigência do Ato Normativo nº302-PGJ-CSMP-CGMP. 2)Inexistência de
hipótese concreta de conflito positivo ou negativo de atribuições.
Impossibilidade de deliberação, do Procurador-Geral de Justiça, que
ultrapasse os limites da independência funcional do membro do Ministério
Público. 3)Conflito não conhecido. |
Vistos,
1)Relatório.
Por meio do ofício nº89/08, subscrito pelos DD.
Promotores de Justiça de Tupã, ou seja, Dr. (...), Dr. (...), Dra. (...),
Dr. (...), e Dr. (...), foi formulada consulta à
Procuradoria-Geral de Justiça a respeito da vigência do Ato Normativo nº 302-PGJ/CSMP/CGMP,
de 31 de janeiro de 2003.
Sustentam os ilustres subscritores do
ofício acima referido que, diante de hipóteses de substituição automática
envolvendo os Promotores de Justiça de Tupã e outros membros do Ministério Público
da 29ª Circunscrição Judiciária - na medida em que todos os membros da referida
Circunscrição invocaram sua suspeição com relação a dois inquéritos civis, nº 014/06
e 03/08 de Tupi Paulista -, têm surgido dificuldades e sobrecarga de trabalho para
alguns Promotores.
Cópias das manifestações nas quais foi
invocada a suspeição encontram-se às fls.7/8 e 9/10.
Daí a indagação dos ilustres membros
que oficiaram a esta Procuradoria-Geral de Justiça, a respeito da vigência ou
não do Ato Normativo nº302, para melhor orientarem seu posicionamento quanto à
compensação de autos em função da substituição automática.
2)Fundamentação.
De antemão, verifica-se que não está, no caso,
configurado o conflito de atribuições.
Como se sabe, é extremamente tênue a linha
divisória que distingue a legítima apreciação, pelo Procurador-Geral de
Justiça, de um conflito de atribuição concretamente considerado, e eventual
manifestação emitida em situação de inexistência de caso concreto a analisar,
que poderia configurar violação da independência funcional do membro do
Ministério Público, estipulada expressamente como princípio constitucional no
art.127 §1º da CR/88.
O
respeito à independência funcional, dentro do entendimento que tem prevalecido
e que acabou sendo acolhido pelo legislador, é que impede, por exemplo, que recomendações
do Procurador-Geral de Justiça aos demais órgãos de execução tenham caráter
vinculativo, quanto aos estritos limites relacionados ao específico desempenho
de suas funções de execução (cf. art.19 I d
da Lei Complementar Estadual nº734/93).
Deste modo, pode-se concluir que a
solução de problemas atinentes a atribuições depende de sua concreta
configuração, bem como da iniciativa dos envolvidos, no sentido de suscitar
o conflito. Em outros termos, o exame de situações consideradas apenas em
caráter hipotético significaria, potencialmente, violação à independência
funcional de membros do Ministério Público.
Essa
é a razão pela qual a doutrina anota que se configura o conflito negativo de
atribuições quando “dois ou mais órgãos
de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a
prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e
outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2ªed., Rio de
Janeiro, Lumen Juris, 2005, p.196. g.n.).
Em outros termos, conflitos de
atribuições configuram-se in concreto,
jamais in abstracto, quando,
considerado o posicionamento de membros do Ministério Público “(a) dois ou mais deles manifestam, simultaneamente,
atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusões às de
outro membro (conflito positivo); (b) ao menos um membro negue a própria
atribuição funcional e a atribua a outro membro, que já a tenha recusado
(conflito negativo)” (cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime Jurídico do Ministério Público, 6ªed., São Paulo, Saraiva,
2007, p.486/487).
Com posicionamentos conflitantes dos
membros do Ministério público quanto à identificação daquele que ostenta
atribuições para atuar em determinado caso concreto é que surge, aí sim de
forma legítima, a atribuição do Procurador-Geral de Justiça para dirimir o
conflito.
Bom exemplo da aplicação de tal
raciocínio, evidenciando o respeito à independência funcional, verifica-se nos
casos em que há negativa do membro do Ministério Público para oficiar em
determinado feito, de natureza cível.
O
fundamento que tem sido adotado para solução de casos desta natureza é a
analogia com o art.28 do Código de Processo Penal (Nesse sentido: Hugo Nigro
Mazzilli, Manual do Promotor de Justiça, 2ªed.,
São Paulo, Saraiva, 1991, p.537; Emerson Garcia, Ministério Público, cit., p.73).
Mas
nem seria necessário chegar a tanto: embora os membros do Ministério Público
tenham a garantia da independência funcional, o que lhes isenta de qualquer
injunção de órgãos da administração superior quanto ao conteúdo de suas
manifestações, são administrativamente vinculados aos órgãos superiores. E
estes, no plano estritamente administrativo, possuem, com relação àqueles,
poderes que caracterizam a administração pública: poder hierárquico,
disciplinar, regulamentar, etc.
Como anota Hely Lopes Meirelles, o
poder hierárquico é aquele de que dispõe a autoridade administrativa superior
para “distribuir e escalonar as funções
de seus órgãos, ordenar e rever a atuação de seus agentes, estabelecendo a
relação de subordinação entre os servidores do seu quadro de pessoal (...) tem
por objetivo ordenar, coordenar, controlar e corrigir as atividades
administrativas, no âmbito interno da Administração Pública” (Direito Administrativo Brasileiro,
33ªed., São Paulo, Malheiros, 2007, p.121). Confira-se ainda, a respeito desse
tema: Edmir Netto de Araújo, Curso de
Direito Administrativo, São Paulo, Atlas, 2005, p.421/423; Maria Sylvia
Zanella Di Pietro, Direito Administrativo,
19ª ed., São Paulo, Atlas, 2006, p.106/109.
O reconhecimento do vínculo entre órgão
subordinado e órgão superior, no plano estritamente administrativo, é assente
inclusive no direito comparado, anotando, por exemplo, Giovanni Marongiu, em
conhecida enciclopédia estrangeira, que esta é a nota característica da
hierarquia administrativa, na medida em que “questo vincolo, fondandosi su un’autentica supremazia della volontà
superiore, ordina l’agire amministrativo e contribuisce a costituire la prima e
basilare unità operativa che l’ordinamento riveste della dignità e della forza
di strumento espressivo dell’autorità pubblica”(Verbete “Gerarchia
amministrativa”, Enciclopedia del diritto,
vol. XVIII, Milano, Giuffrê, 1969,p.626).
Do
mesmo modo, outra não é a razão pela qual Massimo Severo Giannini reconhece a
existência implícita, em decorrência da subordinação hierárquica entre órgãos,
de um “potere di risoluzione di conflitti
tra uffici subordinati, e quindi anche potere di coordinamento dell’attività
degli stessi” (Diritto Amministrativo,
v. I, 3ªed., Milano, Giuffrè, 1993, p.312).
O reconhecimento da hierarquia na
organização administrativa ministerial de modo algum conflita com o princípio
da independência funcional: os Promotores e Procuradores de Justiça são
independentes no que tange ao conteúdo de suas manifestações
processuais; mas pelo princípio hierárquico, que inspira a administração de
qualquer entidade pública, são passíveis de revisão alguns aspectos dessa atuação.
Em outras palavras, o Procurador-Geral
de Justiça não pode dizer como deve o
membro do Ministério Público atuar, mas pode e deve dizer se deve ou não atuar, e qual o
membro que o fará, diante de discrepância concretamente
configurada quanto às atribuições dos órgãos ministeriais de execução
envolvidos.
Tornemos
ao caso em exame.
Não se configurou, na hipótese analisada,
conflito concreto de atribuições. Assim, qualquer consideração por parte do
Procurador-Geral de Justiça a respeito do inquérito civil no qual foi expedido
o ofício que rendeu ensejo a este expediente, em especial quanto à
identificação do membro do Ministério Público com atribuições para oficiar na
investigação, tangenciaria a independência funcional dos membros do Ministério
Público envolvidos.
Resta apenas ponderar, atendendo à
solicitação de informações formulada originariamente, que não houve revogação
expressa do Ato Normativo nº302-PGJ/CSMP/CGMP, de 31 de janeiro de 2003, que
sofreu parcial modificação pelo Ato Normativo nº488-PGJ-CSMP-CGMP, de 27 de
outubro de 2006, com acréscimo do art.4-A.
Cumpre anotar, ademais, que o acréscimo
do art.4-A ao Ato normativo nº302, por força do Ato Normativo nº488, foi
exclusivamente, como decorre da redação do novel dispositivo, para determinar a
aplicação daquele aos casos de: (a) rejeição, pelo Procurador-Geral de Justiça,
de proposta de arquivamento de inquérito policial; (b) rejeição, pelo Conselho
Superior do Ministério Público, de proposta de arquivamento de inquérito civil,
procedimento preparatório e peças de informação; (c) conflito de atribuições em
que, pela natureza da causa, haja necessidade de designação, pelo
Procurador-Geral de Justiça, de membro do Ministério Público diverso do
suscitante ou do suscitado.
3)Decisão.
Diante do exposto, ausentes os pressupostos de
admissibilidade, não conheço do conflito.
Oficie-se aos interessados, com cópia
desta decisão.
Publique-se a ementa. Comunique-se. Registre-se. Posteriormente,
arquivem-se os autos.
Providencie-se
a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de
Tutela Coletiva.
São Paulo, 12 de agosto de 2008.
Fernando Grella Vieira
Procurador-Geral de Justiça