Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 0022729/13

(Procedimento Preparatório de Inquérito Civil nº 20/12)

Suscitante: 1º Promotor de Justiça de Campos do Jordão

Suscitado: 2º Promotor de Justiça de Campos do Jordão

 

 

Ementa:

1.   Conflito negativo de atribuições. 1º Promotor de Justiça de Campos do Jordão (suscitante) e 2º Promotor de Justiça de Campos do Jordão (suscitado).

2.   Procedimento preparatório de inquérito civil instaurado com a finalidade de apurar irregularidades em obras de acessibilidade em escola situada no Município de Campos de Jordão. Fato sob investigação que produz repercussão tanto nas atribuições da Promotoria de Justiça de proteção aos Direitos Constitucionais do Cidadão (suscitante) como nas atribuições da Promotoria de Justiça de proteção à Pessoa com Deficiência (suscitado).

3.   Aplicação do critério da prevenção para solução do conflito (Art. 2º, parágrafo único, da Lei nº. 7.347/85). Inquérito civil já instaurado pelo suscitado para apurar irregularidades nas obras executadas para acessibilidade de pessoas portadoras de deficiência na Escola Theodoro Corrêa Cintra (IC n. 161/2011).

4.   Conflito conhecido e dirimido, reconhecendo-se a atribuição do suscitado para prosseguir na investigação.

 

Vistos,

1) Relatório.

Tratam estes autos de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 1º Promotor de Justiça de Campos do Jordão e como suscitado o DD. 2º Promotor de Justiça de Campos do Jordão.

O Grupo de Atuação Especial de Educação (GEDUC - Núcleo da Capital) encaminhou ao Promotor de Justiça Secretário da Comarca de Campos de Jordão cópias do Relatório de Auditoria realizado pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo onde se noticiam, em tese, irregularidades em obras de acessibilidade em escola situada no município de Campos de Jordão.

Segundo menciona o Ofício n. 956/2011, foram encontrados problemas no que diz respeito ao não atendimento integral à NBR-9050, bem como no que se refere ao planejamento, execução, fiscalização e emprego de verbas públicas (fl. 03).

Recebido o expediente, o Promotor de Justiça Secretário determinou seu encaminhamento ao 2º Promotor de Justiça de Campos do Jordão (fl. 02)

O DD. Promotor de Justiça de Campos do Jordão (suscitado) ofereceu manifestação encaminhando o feito ao DD. 1º Promotor de Justiça de Campos do Jordão (suscitante), salientando, nos termos da manifestação de fl. 78, que:

“1. Já tramita nesta Promotoria de Justiça o Inquérito Civil n. 161/2011 que investiga se satisfatórias ou não as obras executadas para acessibilidade de pessoas portadoras de deficiências na Escola TCC (Theodoro Corrêa Cintra).

2. Quanto às irregularidades que podem ter causado prejuízos as (sic) cofres públicos municipal e ou estadual, com eventual prática de ato de improbidade administrativa, a atribuição é do 1º Promotor de Justiça (PJ da Cidadania ou Patrimônio Público).

3. Assim, declaro que não tenho atribuição para atuar neste procedimento e determino encaminhamento ao 1º Promotor de Justiça” (fl. 78).

Ao receber os autos, o DD. 1º Promotor de Justiça de Campos do Jordão suscitou conflito negativo de atribuições, argumentando, em síntese: (a) conexão entre o presente procedimento e o inquérito civil n. 161/11, em trâmite na 2º Promotoria de Justiça de Campos do Jordão; (b) não há como investigar a regularidade dos gastos sem se apurar a necessidade das obras e de sua qualidade; (c) o seguimento de investigações distintas permitirá a tomada de decisões contraditórias; (d) o 2º Promotor de Justiça de Campos do Jordão  está prevento para a análise de toda a questão.

É, no essencial, o relatório.

2) Fundamentação.

Está configurado, no caso, o conflito de atribuições.

Isso decorre do posicionamento de diversos órgãos de execução do Ministério Público, quando “(a) dois ou mais deles manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusões às de outro membro (conflito positivo); (b) ao menos um membro negue a própria atribuição funcional e a atribua a outro membro, que já a tenha recusado (conflito negativo)” (cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime Jurídico do Ministério Público, 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 486/487). No mesmo sentido Emerson Garcia, Ministério Público, 2ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196/197.

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23ª ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11ª ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t.I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certa investigação também não parta de elementos do caso concreto, ou seja, seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

Na hipótese em exame, a investigação foi instaurada por conta do recebimento do Relatório de Auditoria realizada pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo onde se noticiam irregularidades em obras de acessibilidade em escola situada no município de Campos de Jordão. Foram encontrados problemas no que diz respeito ao não atendimento integral à NBR-9050, bem como no que se refere ao planejamento, execução, fiscalização e emprego de verbas públicas (fl. 03).

Dessa percepção, aqui realizada por hipótese e a partir das informações até então colhidas, é possível extrair a conclusão de que o fato sob investigação produz repercussões que se refletem tanto nas atribuições da Promotoria de Justiça de proteção aos Direitos Constitucionais do Cidadão (suscitante) como nas atribuições da Promotoria de Justiça de proteção à pessoa portadora de deficiência (suscitado).

A situação é daquelas, portanto, em que estão presentes, de forma concomitante, fundamentos para a atuação das duas Promotorias especializadas na tutela de interesses metaindividuais.

Nesse passo, é oportuno lembrar que no processo coletivo a competência para julgamento da ação civil pública é do juízo de direito do foro do local do dano, nos termos do art. 2º da Lei nº 7347/85.

Mas quando o dano coletivo se produz em mais de um foro, o parágrafo único do art. 2º da Lei da Ação Civil Pública indica a prevenção como critério de solução de dúvidas a respeito da competência.

Nesse sentido, anotam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional, São Paulo, RT, 2006, p. 483/484, nota nº 6 ao art. 2º da Lei da Ação civil Pública) que “Quando o dano ocorrer ou puder potencialmente ocorrer no território de mais de uma comarca, qualquer delas é competente para o processo e julgamento da ACP, resolvendo-se a questão do conflito da competência pela prevenção”.

Esse raciocínio é aplicável, analogicamente, para a solução de conflitos de atribuição entre órgãos administrativos encarregados da investigação.

Rememore-se ainda que o suscitado já conta com inquérito civil em curso instaurado para apurar as obras executadas para acessibilidade de pessoas portadoras de deficiência na Escola Theodoro Corrêa Cintra (inquérito civil n. 161/2011).

Veja-se que o objeto da auditoria do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo consistiu na análise das obras realizadas com recursos estaduais, aplicadas na construção, ampliação, reforma e adequação de escolas, com o objetivo de torná-las acessíveis às pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida; a saber:

“Com escopo delimitado no atendimento do público alvo, a auditoria foi orientada no sentido de se avaliar a compatibilidade e adequação do Plano de Acessibilidade traçado pelo Governo do Estado à legislação vigente, com um dos focos na verificação da operacionalização do plano no tocante a obras públicas, especificamente nos itens de acessibilidade”(fl. 04)

Com razão, pois, o suscitante, quando menciona ser inviável a apuração da regularidade dos gastos dissociada da avaliação da necessidade das obras e de sua qualidade.

Destarte, colhe-se com segurança que caberá ao suscitado prosseguir na apuração.

 Decisão.

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, DD. 2º Promotor de Justiça de Campos do Jordão prosseguir na investigação.

Publique-se a ementa. Comunique-se.

Cumpra-se, providenciando-se a restituição destes autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 05 de março de 2013.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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