Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolo nº 27.460/13 (Protocolo PJ de Ubatuba nº 214/13)

Suscitante: 3º Promotor de Justiça de Ubatuba (Consumidor)

Suscitado: 1º Promotor de Justiça de Ubatuba (Idoso)

 

Ementa:

1)   Conflito negativo de atribuições. 3º Promotor de Justiça de Ubatuba (suscitante), com atribuições para a defesa dos idosos, e 1º Promotor de Justiça de Ubatuba (suscitado), com atribuições para a defesa do consumidor. Idoso que pede autorização para a realização de exame médico. Negativa da empresa que opera o plano de saúde.

2)   Apuração de fatos que repercutem nas atribuições tanto da Promotoria do Idoso (art. 74, I, do Estatuto do Idoso), quanto da Promotoria do Consumidor. Aplicação do critério da prevenção para solução do conflito (Art. 2º, parágrafo único, da Lei nº. 7.347/85).

3)   Conflito conhecido e dirimido, com determinação de prosseguimento da intervenção ministerial por parte do suscitado.

Vistos.

1) Relatório

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 3º Promotor de Justiça de Ubatuba (Idoso) e como suscitado o DD. 1º Promotor de Justiça de Ubatuba (Consumidor).

O procedimento noticia que M. G. S., nascida em 16/10/1935, dirigiu representação ao Promotor de Justiça do Idoso, noticiando que a Unimed não autorizou a realização de exame médico importante. Solicitou providências.

Ao receber os autos, o DD. 1º Promotor de Justiça de Ubatuba (suscitado) afirmou que a atribuição é da Promotoria do Consumidor, determinando a remessa dos autos (fl. 11).

O DD. 3º Promotor de Justiça de Ubatuba (suscitante), por sua vez, suscitou o conflito de atribuições, afirmando que “a relação tratada é de natureza individual, falecendo atribuição para intervenção do Ministério Público na área do consumidor” (fl. 13).

É o relato do essencial.

2) Fundamentação

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se, reciprocamente, um ao outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional, a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço.

Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda, a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a ser desenvolvido para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do Parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação, ou ação na esfera cível, deve levar em consideração os dados do caso concreto.

Insta colocar, inicialmente, que a atuação do membro do Ministério Público com atribuição na área do idoso em questões individuais ocorrerá quando o caso concreto apresentar alguma conotação diferenciada, além das hipóteses comuns ou corriqueiras que são verificáveis em conflitos de interesses envolvendo quaisquer pessoas.

É o que se dá, por exemplo, quando estão em discussão os direitos fundamentais indicados no próprio Estatuto do Idoso, como o direito à vida, à liberdade, à dignidade, à saúde, etc., ou por peculiaridades do caso que revelem situação incomum, que evidencie a fragilidade da parte em razão de sua condição de pessoa idosa. Assim, não é necessária a intervenção ministerial em caso de ação de cobrança, só pelo fato de ser uma das partes pessoa idosa. Mas quando estão em jogo direitos fundamentais apontados no Estatuto do Idoso, fica fora de dúvida a necessidade da atuação ministerial.

Afinal, o Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741, de 2003) prevê a atuação do Ministério Público para a defesa de direitos individuais indisponíveis do idoso.

Nesse sentido o disposto no art. 74, I, do Estatuto do Idoso, transcrito a seguir:

“Art. 74. Compete ao Ministério Público:

I – instaurar o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos direitos e interesses difusos ou coletivos, individuais indisponíveis e individuais homogêneos do idoso”.

No caso presente está em discussão direito fundamental e indisponível do idoso, relacionada à proteção de sua saúde.

De outro lado, a questão tratada no presente procedimento também diz respeito à área de consumidor, pois evidente a existência de relação de consumo entre a autora da representação e a empresa operadora do plano de saúde.

A situação é daquelas, portanto, em que estão presentes, de forma concomitante, fundamentos para a atuação das duas Promotorias especializadas.

Nesse passo, é oportuno lembrar que no processo coletivo a competência para julgamento da ação civil pública é do juízo de direito do foro do local do dano, nos termos do art. 2º da Lei nº 7347/85.

Mas quando o dano coletivo se produz em mais de um foro, o parágrafo único do art. 2º da Lei da Ação Civil Pública indica a prevenção como critério de solução de dúvidas a respeito da competência.

Nesse sentido, anotam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional, São Paulo, RT, 2006, p. 483/484, nota nº 6 ao art. 2º da Lei da Ação civil Pública) que “Quando o dano ocorrer ou puder potencialmente ocorrer no território de mais de uma comarca, qualquer delas é competente para o processo e julgamento da ACP, resolvendo-se a questão do conflito da competência pela prevenção”.

Esse raciocínio é aplicável, analogicamente, para a solução de conflitos de atribuição entre órgãos administrativos encarregados da investigação.

Como a representação foi endereçada ao Promotor do Idoso, caberá ao suscitado prosseguir na apuração.

De observar, ainda, que a eventual falta de legitimidade do Ministério Público para atuar no caso concreto é motivo de indeferimento da representação ou, então, de arquivamento do procedimento administrativo ou do inquérito civil instaurado.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115, da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, DD. 1º Promotor de Justiça de Ubatuba, a atribuição para oficiar no feito.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

 São Paulo, 11 de março de 2013.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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