Conflito de Atribuições

– Cível –

 

Protocolado n. 49.742/13

(Ref. Representação nº 43.05555.0000110/2013-5)

Suscitante: 8º Promotor de Justiça de Osasco (Consumidor)

Suscitado: 3º Promotor de Justiça de Osasco (Habitação e Urbanismo)

 

 

 

Ementa:

1) Conflito negativo de atribuições. 8º Promotor de Justiça de Osasco (suscitante), com atribuições para a defesa do consumidor, e 3º Promotor de Justiça de Osasco (suscitado), com atribuições na área de habitação e urbanismo.

2) Representação que tem por tema/assunto a segurança em edificações, em decorrência de obras realizadas pela COMGÁS. Notícia de rompimento da rede de abastecimento.

3) Questão envolvendo segurança de edificações. Atribuição da Promotoria de Habitação e Urbanismo. A possível sobreposição de matérias atinentes a diferentes áreas de atuação não afastaria a atribuição da Promotoria de Habitação e Urbanismo, pela aplicação do critério da prevenção.

4) Conflito conhecido e dirimido, com determinação de prosseguimento do 3º Promotor de Justiça de Osasco (suscitado).

 

 

Vistos.

 

1) Relatório

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o 8º Promotor de Justiça de Osasco (Consumidor) e como suscitado o 3º Promotor de Justiça de Osasco (Habitação e Urbanismo).

O conflito teve origem nos autos da representação instaurada pela Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo, em função da notícia da interdição de residência do representante, em decorrência de obras realizadas pela COMGÁS, que teriam ocasionado o rompimento da rede de abastecimento e, em consequência, danos ao imóvel.

O 3º Promotor de Justiça de Osasco, com atribuições na área da habitação e urbanismo, realizou diligências (expedição de ofício ao Prefeito Municipal) e, após a juntada aos autos de relatório de vistoria técnica em imóveis, apontando a interdição e a necessidade de reparos, deliberou por remeter o procedimento ao 8º Promotor de Justiça, por entender que a questão está relacionada às atribuições da Promotoria do Consumidor, em função da “defeituosa prestação do serviço público” (fls. 40/41).

Ao receber os autos, o 8º Promotor de Justiça de Osasco concluiu que não tem atribuições para funcionar no procedimento investigatório, por se tratar de questão afeta à Promotoria de Justiça da Habitação e Urbanismo. Acrescentou que, “ainda que se pudesse dizer que a questão envolve interesses comuns das duas áreas de atuação do Ministério Público (habitação e urbanismo / consumidor), a atribuição para atuar nos autos seria da 3ª Promotora de Justiça de Osasco, em razão do critério da prevenção”. Por isso, suscitou o conflito.

É o relato do essencial.

2) Fundamentação

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, e deve ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (Emerson Garcia, Ministério Público, 2ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p.196).

Portanto, conhecido do conflito, é o caso de se passar à definição do órgão de execução com atribuições para atuar no presente feito.

Como se sabe, no processo jurisdicional, a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23ªed., São Paulo, Malheiros, 2007, p.250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11ª ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p.56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p.140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p.55 e ss.

Essa ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no Direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t.I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p.621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p.153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p.95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certa investigação também não parta de elementos do caso concreto, ou seja, seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

Na hipótese em análise, o elemento central da investigação é apurar as condições de segurança em edificação.

Está presente, portanto, interesse afeto às atribuições da Promotoria de Habitação e Urbanismo, de tal forma que é possível concluir assistir razão ao suscitante.

De outro lado, é relevante anotar que se afigura extremamente comum que, em determinada investigação, verifique-se a existência de mais de um interesse, afeto a mais de uma área de atuação do Ministério Público. Isso decorre da própria complexidade dos interesses coletivos, cujo dinamismo faz com que nem sempre se acomodem, de forma singela, aos critérios normativos, previamente estabelecidos, de repartição das atribuições dos órgãos ministeriais.

Em outras palavras, é corriqueiro que haja, em certo caso, sobreposição de matérias atinentes a diferentes áreas de atuação. Nesse caso, oportuna a aplicação do critério da prevenção.

Com efeito, em casos envolvendo conflitos entre Promotorias especializadas na tutela de interesses metaindividuais, em que desde logo fique demonstrada, de forma concreta, a presença de fundamentos para a atuação de ambas, razoável solução se apresenta com a regra da prevenção.

Aliás, como reforço a tal raciocínio, valeria trazer à colação também a observação de que no processo coletivo, a competência para julgamento da ação civil pública é do juízo de direito do foro do local do dano, nos termos do art. 2º da Lei nº 7347/85. Mas quando o dano coletivo se produz em mais de um foro, o parágrafo único do mencionado art. 2º da Lei da Ação Civil Pública indica o critério de solução de eventual dúvida a respeito da competência: a prevenção.

Nesse sentido, anotam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional, São Paulo, RT, 2006, p. 483/484, nota nº 6 ao art. 2º da Lei da Ação civil Pública) que “Quando o dano ocorrer ou puder potencialmente ocorrer no território de mais de uma comarca, qualquer delas é competente para o processo e julgamento da ACP, resolvendo-se a questão do conflito da competência pela prevenção”.

Anote-se, ademais, que o critério da prevenção, quando o conflito se apresenta entre órgãos do Ministério Público com atribuições para a tutela de interesses metaindividuais, é aquele que melhor atende ao interesse geral, à continuidade, à eficiência, e à eficácia da atividade ministerial.

Deste modo, ainda que se conclua que no caso concreto há interesses relacionados a mais de uma área de atuação em defesa de interesses supra-individuais, ostentando abrangência equivalente, o órgão ministerial que primeiro tomou contato com o caso (que já vinha conduzindo a apuração) deve prosseguir na investigação, adotando eventualmente as providências judiciais cabíveis. Sendo assim, por esse critério a atribuição também seria da Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo.

Deste modo, a atribuição é, de fato, da Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, 3º Promotor de Justiça de Osasco (Habitação e Urbanismo), a atribuição para oficiar no presente.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

 

São Paulo, 19 de abril de 2013.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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