Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 0055675/13

(Processo nº 405.01.2012.030852-4/000000-000; 1ª Vara da Fazenda Pública de Osasco)

Suscitante: 3º Promotor de Justiça de Osasco

Suscitado: 11º Promotor de Justiça de Osasco

 

 

Ementa:

1)   Conflito negativo de atribuições. 3º Promotor de Justiça de Osasco (suscitante) e 11º Promotor de Justiça de Osasco (suscitado).

2)   Atribuição para tutela de interesses metaindividuais de área específica. Regra geral consistente na ausência de previsão expressa, no ato de divisão de serviços, da atribuição para oficiar como fiscal da ordem jurídica em feitos individuais relacionados àquela área. Necessidade de interpretação contextual e finalista dos atos de divisão de serviços. Atribuição do órgão ministerial que atua em “feitos cíveis” para oficiar como fiscal da lei em ações individuais, ainda que relacionadas a determinado tema de especialização de interesses metaindividuais.

3)   Previsão específica no Ato Normativo de divisão de serviços, quanto às áreas especializadas de atuação em interesses metaindividuais, do advérbio de modo “inclusive”, relativamente às ações coletivas. Interpretação contextual e finalista indicativa de que a divisão, na hipótese em exame, tem o escopo extensivo. Contudo, a extensão ocorre apenas a demandas de cunho coletivo.

4)   Conflito conhecido e dirimido, com determinação de intervenção ministerial por parte do suscitado.

 

Vistos.

 

1) Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 3º Promotor de Justiça de Osasco e como suscitado o DD. 11º Promotor de Justiça de Osasco.

O feito judicial no qual se verificou o conflito negativo (Processo nº 405.01.2012.030852-4/000000-000; 1ª Vara da Fazenda Pública de Osasco) cuida-se de mandado de segurança, impetrado por José Oswaldo Tanese Miranda em face do Gerente da Agência Ambiental de Osasco, da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB).

Pede-se no mandamus a autorização para supressão de mata existente da propriedade do impetrante, com a preservação de 30 % (trinta por cento) da mata nativa.

Ao receber os autos para manifestação, o DD. 3º Promotor de Justiça de Osasco postulou a remessa do feito ao DD. 8º Promotor de Justiça da Osasco, afirmando o que segue:

“Diante das atuais atribuições ainda vigentes nesta Promotoria Cível de Osasco que atribui ao 8º PJ a atuação ampla em ‘feitos relativos a interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos’ da Área do Meio Ambiente, requeiro a remessa dos autos àquele cargo” (fl. 220, v.).

Providenciada a abertura de vista, o 8º Promotor de Justiça de Osasco requereu a juntada de certidão de inteiro teor da demanda em curso perante a 2ª Vara Cível da Comarca de Itapevi (fl. 222).

Novamente com vista, o DD. 3º Promotor de Justiça de Osasco requereu que os autos fossem encaminhados ao membro do Ministério Público que então oficiara no feito (fl. 229). Assim é que o 8º Promotor de Justiça de Osasco lançou a manifestação de fl. 230. Posteriormente, manifestou-se no processo o 11º Promotor de Justiça de Osasco, o qual postulou pela abertura de vista ao Promotor de Justiça do Meio Ambiente (fl. 290).

O DD. 3º Promotor de Justiça de Osasco, por sua vez, suscitou conflito negativo de atribuições, salientando, em síntese, que não é sua a atribuição para funcionar em ações mandamentais em trâmite por outras Varas, trazendo em reforço a seu argumento precedente da Procuradoria-Geral de Justiça.

É o relato do essencial.

2) Fundamentação.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço.

Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação ou ação na esfera cível deve levar em consideração os dados do caso concreto.

O Ato nº 056/2012-PGJ, de 23 de novembro de 2012, disciplina a divisão das atribuições na Promotoria de Justiça de Osasco, contemplando os serviços a cargo do suscitante, DD. 3º Promotor de Justiça de Osasco, e do suscitado, DD. 11º Promotor de Justiça de Osasco, da seguinte forma:

3º Promotor de Justiça;

a) Feitos da 1ª e 2ª Varas Cíveis, inclusive suas audiências;

b) Habitação e Urbanismo, inclusive as ações civis públicas distribuídas;

c) Meio Ambiente, inclusive as ações civis públicas distribuídas;

d) Acidentes do Trabalho, inclusive as ações civis públicas distribuídas;

e) Direitos Humanos com abrangência na defesa da Saúde Pública, inclusive as ações civis públicas distribuídas;

f) Atendimento ao Público”.

 (...)

11º Promotor de Justiça:

a) Feitos das 5ª, 6ª, 7ª e 8ª Varas Cíveis, inclusive suas audiências;

b) Direitos Humanos com abrangência na defesa do Idoso e da Pessoa com Deficiência, inclusive as ações civis públicas distribuídas;

c) feitos das 1ª e 2ª Varas da Fazenda Pública, inclusive suas audiências;

d) Corregedoria do Cartório de Registro de Imóveis e do Cartório de Registro Civil”.

Esta Procuradoria-Geral de Justiça tem decidindo que as atribuições especializadas dos órgãos de execução na esfera dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, são tratadas sempre de forma explícita.

Nesses casos os atos regulamentares que fixam a divisão de serviço concedem a determinado cargo de certa Promotoria de Justiça a missão de atuar em defesa de interesse especificado (meio ambiente, consumidor, patrimônio público, habitação e urbanismo, saúde pública, idoso, etc.).

Essa espécie de previsão diz respeito às ações civis públicas propostas pelo Ministério Público, bem como à atuação, como fiscal da lei, nas ações civis públicas relacionadas àquela matéria propostas por outros legitimados.

Os demais casos não enquadrados nessas hipóteses que dizem respeito, portanto, à atuação ministerial como custos legis em outros processos de natureza individual, são atribuições a respeito das quais os atos regulamentares de divisão de serviços, em regra, não tratam especificamente. E quando não há previsão expressa, esses outros casos se enquadram sob a designação geral da função de oficiar em “feitos cíveis”.

Essa exegese, calcada na análise sistemática e finalista dos atos regulamentares de divisão de serviços entre os órgãos de execução, tem justificado, em outros casos, a conclusão de que a fixação da atribuição especializada para zelo por determinada espécie de interesse metaindividual, tanto na condição de autor como de fiscal de ações coletivas propostas por outros legitimados, não abrange a intervenção como fiscal em ações de natureza individual, por não ter sido esta mencionada expressamente.

Em outros termos, sem que tenha sido formulada no ato de divisão de serviços a especificação relativa à atuação em ações individuais na condição de fiscal da ordem jurídica, a atribuição para intervir recai na regra geral, pela qual cabe ao órgão de execução vinculado à Vara Judicial se manifestar nos “feitos cíveis” que nela tramitem, ou nos “finais” de feitos que ficarem sob sua responsabilidade.

Essa é uma manifestação, contrariu sensu, da regra de hermenêutica pela qual “Lex specialis derrogat generalis”, pois se não há previsão específica, a regra geral deve prevalecer.

A partir dessa constatação é que em outros conflitos de atribuições se decidiu que deve oficiar em ação individual, mesmo que ela apresente alguma repercussão na esfera de interesses metaindividuais de determinada área, o órgão ministerial que atua em “feitos cíveis” na Vara na qual tramita o feito, em conformidade com a divisão por finais dos autos.

No caso em exame, insta observar que nas atribuições especializadas por área de atuação em interesses metaindividuais, o Ato Normativo de divisão de serviços da Promotoria de Justiça de Osasco utiliza o advérbio de modo “inclusive” ao se referir às ações civis públicas (“Meio Ambiente, inclusive as ações civis públicas distribuídas”), deixando entrever que a intenção da norma foi estender a atuação especializada para além da hipótese consistente na propositura de ações coletivas e na instauração de inquéritos civis na temática envolvida.

Contudo, tal extensão se dá apenas a demandas de cunho coletivo, como, por exemplo, eventual mandado de segurança coletivo, e não a demandas de esfera individual como o presente mandamus.

Ainda que apresente reflexos na esfera ambiental, não se pode negar que os efeitos de eventual provimento jurisdicional concedido neste mandado de segurança atingirá apenas a esfera do impetrante.

Diante desse contexto, a solução mais adequada para o presente conflito, fundada na interpretação contextual e finalista do Ato Normativo de divisão de serviços da Promotoria de Justiça em epígrafe, é de que intervenha no feito o suscitado.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, DD. 11º Promotor de Justiça de Osasco, a atribuição para oficiar no feito.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

 

São Paulo, 24 de abril de 2013.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

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