Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 77.039/2013

(ref. Ação Ordinária nº 0015935-83.2010.8.26.0405; 5ª Vara Cível de Osasco)

Suscitante: 3º Promotor de Justiça Cível de Osasco

Suscitado: 11º Promotor de Justiça Cível de Osasco

 

 

Ementa:

1)   Conflito negativo de atribuições. 3º Promotor de Justiça Cível de Osasco (suscitante) e 11º Promotor de Justiça Cível de Osasco (suscitado).

2)   Ação ordinária para cumprimento de obrigação de fazer. Notícia de possível existência de questões com repercussão na esfera do Meio Ambiente.

3)   Interpretação dos atos de divisão de serviços. Análise contextual e finalista. Princípio da especialidade. As atribuições especializadas são discriminadas expressamente. Atuação especializada, como regra, relacionada à condição de autor ou fiscal em ações civis públicas, à investigação em inquéritos civis e à atuação extrajudicial.

4)   Atuação como fiscal da ordem jurídica, afora os casos de ação civil pública, que recai no órgão com atribuição para oficiar em “feitos cíveis”.

5)   Conflito conhecido e dirimido, cabendo ao órgão ministerial suscitado prosseguir no feito.

 

Vistos.

1) Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como órgão suscitante o DD. 3º Promotor de Justiça Cível de Osasco, e como órgão suscitado o DD. 11º Promotor de Justiça Cível de Osasco.

O processo de origem, do qual foram extraídas as cópias que formaram este expediente para apreciação de conflito negativo de atribuições, trata de ação ordinária para cumprimento de obrigação de fazer ajuizada por JAIR NUNES DE OLIVEIRA E OUTROS, e figurando como réu o CLUBE DE GOLF SÃO FRANCISCO, situado na cidade de Osasco.

Os autos foram encaminhados ao suscitante, DD. 3º Promotor de Justiça de Osasco, que lançou manifestação salientando que não caberia à Promotoria do Meio Ambiente atuar no referido processo por não se tratar, em suma, de ação coletiva.

Diante disso, os autos foram encaminhados ao suscitado, DD. 11º Promotor de Justiça de Osasco, que declinou de oficiar no feito, salientando que caberia ao órgão suscitante fazê-lo, dadas as suas atribuições na área do Meio Ambiente.

Houve ainda nova manifestação do suscitante, DD. 3º Promotor de Justiça de Osasco, pugnando pela remessa dos autos à Procuradoria-Geral de Justiça para decisão.

É o relato do essencial.

2) Fundamentação.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado e deve ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço.

Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Saliente-se mais uma vez que o caso em exame refere-se a conflito de atribuições surgido nos autos de ação ordinária para cumprimento de obrigação de fazer ajuizada por JAIR NUNES DE OLIVEIRA E OUTROS, e figurando como réu o CLUBE DE GOLF SÃO FRANCISCO. Busca-se nessa demanda, portanto, a imposição ao requerido de adoção de providências relacionadas ao corte de árvores, que estariam a provocar situações de riscos e danos aos imóveis dos requerentes.

Ainda que haja notícia de questão que apresenta repercussão na esfera do Meio Ambiente, trata-se de ação individual, não de ação coletiva.

A divisão de serviços na Promotoria de Justiça Cível de Osasco, nos termos do Ato 056/2012 – PGJ, de 23 de novembro de 2012, prevê para os órgãos ministeriais de execução em conflito as seguintes atribuições:

“(...)

II. 3º PROMOTOR DE JUSTIÇA:

a) Feitos da 1ª e 2ª Varas Cíveis, inclusive suas audiências;

b) Habitação e Urbanismo, inclusive as ações civis públicas distribuídas;

c) Meio Ambiente, inclusive as ações civis públicas distribuídas;

d) Acidentes do Trabalho, inclusive as ações civis públicas distribuídas;

e) Direitos Humanos com abrangência na defesa da Saúde Pública, inclusive as ações civis públicas distribuídas;

f) Atendimento ao Público.

(...)

VI. 11º PROMOTOR DE JUSTIÇA:

a) Feitos das 5ª, 6ª, 7ª e 8ª Varas Cíveis, inclusive suas audiências;

b) Direitos Humanos com abrangência na defesa do Idoso e da Pessoa com Deficiência, inclusive as ações civis públicas distribuídas;

c) feitos das 1ª e 2ª Varas da Fazenda Pública, inclusive suas audiências;

d) Corregedoria do Cartório de Registro de Imóveis e do Cartório de Registro Civil;

e) Atendimento ao Público.

(...)”

A interpretação dos atos normativos que disciplinam a divisão de serviços no âmbito das Promotorias de Justiça deve ser feita de modo contextual e finalista. A análise literal da regra, embora seja um dos elementos para sua compreensão, não é suficiente, por si só, para o equacionamento das dúvidas e conflitos.

Em regra as atribuições especializadas dos órgãos de execução na esfera dos interesses difusos, dos interesses coletivos e dos interesses individuais homogêneos, são tratadas de forma explícita.

Nesses casos, pelo que ordinariamente se observa os atos que fixam a divisão de serviço concedem a determinado cargo de certa Promotoria de Justiça função de defesa de interesse especifico (meio ambiente, consumidor, patrimônio público, habitação e urbanismo, etc.).

E as regras de experiência demonstram, do mesmo modo, que essa atuação, assim fixada, diz respeito às ações civis públicas propostas pelo Ministério Público, assim como à atuação, como fiscal da lei, nas ações civis públicas relacionadas àquela matéria, ainda que propostas por outros legitimados. Incluem-se nessa atribuição, naturalmente, a realização de investigações através de inquéritos civis, bem como a atuação extrajudicial do Ministério Público.

Os demais casos não enquadrados nessas hipóteses (outras ações em que aquela matéria específica seja eventualmente debatida – meio ambiente, consumidor, patrimônio público, habitação e urbanismo, etc.), que dizem respeito, portanto, à atuação ministerial como custos legis em outros processos (que não ações civis públicas), são atribuições a respeito das quais os atos regulamentares de divisão de serviços, em regra, não tratam especificamente.

Esses outros casos normalmente se enquadram sob a designação geral da função de oficiar em “feitos cíveis”.

Essa exegese, calcada na análise sistemática e finalista, é suficiente para justificar a conclusão no sentido de que a fixação da atribuição da suscitante, em ato normativo, para a defesa do Meio Ambiente, não tendo mencionado expressamente a atuação como custos legis em ações individuais relacionadas a tal matéria, não engloba tal atribuição.

Em outros termos, sem que tenha sido especificada no ato de divisão de serviços a atribuição para atuar em ações individuais em defesa do Meio Ambiente, o exercício da missão de fiscal da ordem jurídica recai na regra geral, pela qual cabe ao órgão de execução vinculado à Vara Judicial manifestar-se nos “feitos cíveis” que nela tramitem.

Essa é uma manifestação, contrariu sensu, da regra de hermenêutica pela qual “Lex specialis derrogat generalis”: se não há previsão específica, a regra geral deve prevalecer.

Em suma, a atribuição especializada está relacionada, como ensina a experiência comum, à atuação do Promotor de Justiça como autor de ações civis públicas, à atuação como fiscal da lei em ações civis públicas, à investigação através de inquéritos civis, bem como na realização de atividades extrajudiciais relacionadas àquela temática.

Por isso conclui-se que a inclusão de outras atribuições para oficiar em outros feitos judiciais dependeria de previsão expressa.

Do contrário, seria necessário concluir, por exemplo, que todo e qualquer processo individual em que determinada matéria especializada (meio ambiente, consumidor, patrimônio público, habitação e urbanismo, etc.) é debatida, teria, necessariamente, que levar à intervenção como fiscal da lei por parte do Promotor de Justiça que tem atribuições especializadas em interesses supraindividuais na Comarca.

Ocioso se mostra frisar que solução dessa natureza levaria a um altíssimo grau de subjetivismo na definição das atribuições, e até mesmo a dificuldades de cunho operacional para a identificação do órgão ministerial a quem cabe atuar em certo feito.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao órgão ministerial suscitado, DD. 11º Promotor de Justiça de Osasco, a atribuição para oficiar no feito de origem.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 03 de junho de 2013.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

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