Conflito de Atribuições – Cível –

 

Protocolado nº 81.073/2013

Procedimento Administrativo Individual MP nº 38.0713.0004093/2013-6

Suscitante: 9º Promotor de Justiça de Campinas (Direitos Humanos, com abrangência na defesa do Idoso e da Pessoa com Deficiência)

Suscitado: 2º Promotor de Justiça do Foro Regional de Vila Mimosa (feitos cíveis)

 

Ementa:

1)   Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 9º Promotor de Justiça de Campinas (Direitos Humanos, com abrangência na defesa do Idoso e da Pessoa com Deficiência). Suscitado: 2º Promotor de Justiça do Foro Regional de Vila Mimosa (feitos cíveis).

2)   Pedido de providências a favor da idosa B. M. R. (80 anos de idade), em situação de risco por falta da família e em razão de sua condição pessoal.

3)   Intervenção ministerial decorrente da qualidade da parte, por se tratar de situação envolvendo direito fundamental do idoso, que deve ser compreendida como situação de risco (art. 43, incisos II e III, da Lei 10.741/2003).

4)   Interpretação dos atos de divisão de serviços. Análise contextual e finalista. Princípio da especialidade. As atribuições especializadas são discriminadas expressamente. Atuação especializada, como regra, relacionada à condição de autor ou fiscal em ações civis públicas, à investigação em inquéritos civis e à atuação extrajudicial.

5)   No caso dos autos, ainda que haja notícia de questão que apresenta repercussão na esfera da proteção dos Direitos Humanos (Idoso), trata-se de tutela individual, não de coletiva.

6)   Conflito conhecido e dirimido, com determinação de prosseguimento da intervenção ministerial por parte do suscitado.

 

Vistos.

1) Relatório

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o 9º Promotor de Justiça de Campinas (Direitos Humanos, com abrangência na defesa do Idoso e da Pessoa com Deficiência) e como suscitado o 2º Promotor de Justiça do Foro Regional de Vila Mimosa (feitos cíveis).

O conflito se verifica nos autos do Procedimento Administrativo Individual autuado sob nº 38.0713.0004093/2013-6. Segundo consta dos autos, o Complexo Hospitalar Ouro Verde encaminhou Relatório Social, noticiando que a idosa B. M. R. (80 anos de idade) não tem parentes e necessita de cuidados em função de problemas de saúde. Seu marido, também idoso, não tem condições de prestar-lhe o necessário cuidado. Ou seja, encontra-se em situação de risco por falta da família e em razão de sua condição pessoal.

O suscitado, DD. 2º Promotor de Justiça do Foro Regional de Vila Mimosa, com atribuições para atuar em feitos cíveis que tramitam perante o mencionado Foro Regional, encaminhou o expediente ao suscitante, DD. 9º Promotor de Justiça de Campinas, que tem atribuições na área de Direitos Humanos, com abrangência na defesa do Idoso e da Pessoa com Deficiência. Fundamentou o encaminhamento no fato da existência de Promotoria de Justiça especializada na Comarca de Campinas (fl. 13).

Ao receber o procedimento, o DD. 9º Promotor de Justiça de Campinas (Direitos Humanos, com abrangência na defesa do Idoso e da Pessoa com Deficiência) declinou de oficiar, assentando, em síntese, que:

“A 9ª Promotoria de Justiça de Campinas, conforme distribuição homologada, não é, até mesmo como sua denominação revela, uma promotoria de justiça especializada.

Esta Promotoria, na verdade, ainda que identificada com nomenclatura genérica, tem atribuições limitadas à área cível, na tutela dos direitos e interesses difusos e coletivos relacionados à Habitação e Urbanismo, ao Consumidor e aos Direitos Humanos (restritos estes aos feitos afetos a defesa dos idosos e das pessoas portadoras de deficiência), conforme ato de homologação da distribuição das atribuições (...).

A toda evidência, neste passo, em se tratando de tutela individual de direito indisponível de idoso, sem qualquer caráter coletivo, deverá prevalecer a regra de competência territorial, impondo-se que a divisão das atribuições das Promotorias de Campinas, Central e Regional, acompanhe a divisão jurisdicional existente.

O acolhimento de entendimento contrário exigirá, sob pena de nulidade, que o Promotor de Justiça do Foro Central de Campinas proponha ação judicial ou medida protetiva junto às Varas do Foro Regional, sobrepondo-se as atribuições dos promotores regionais” (fls. 5/7).

É o relato do essencial.

2) Fundamentação

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Em outros termos, conflitos de atribuições configuram-se in concreto, jamais in abstracto, quando, considerado o posicionamento de órgãos de execução do Ministério Público “(a) dois ou mais deles manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusões às de outro membro (conflito positivo); (b) ao menos um membro negue a própria atribuição funcional e a atribua a outro membro, que já a tenha recusado (conflito negativo)” (cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime Jurídico do Ministério Público, 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 486/487).

Portanto, conhecido do conflito, é o caso de se passar à definição do órgão de execução com atribuições para atuar no presente feito.

No caso em exame, está configurada a situação de risco, nos termos do art. 43, incisos II e III, do Estatuto do Idoso:

“Art. 43. As medidas de proteção ao idoso são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados:

I – por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;

II – por falta, omissão ou abuso da família, curador ou entidade de atendimento;

III – em razão de sua condição pessoal.”

Assim, analisados os documentos encaminhados à Procuradoria-Geral de Justiça, verifica-se que está em discussão o direito do idoso em situação de risco, sobretudo porque está configurada a falta de familiares e a peculiar condição pessoal da idosa.

Também pode ser dito, em relação ao caso concreto, que compete ao Ministério Público promover medidas judiciais e extrajudiciais em prol da idosa, considerada a hipótese do inciso II do artigo 74 do Estatuto do Idoso:

“Art. 74. Compete ao Ministério Público:

II – promover e acompanhar as ações de alimentos, de interdição total ou parcial, de designação de curador especial, em circunstâncias que justifiquem a medida e oficiar em todos os feitos em que se discutam os direitos de idosos em condições de risco;”

Resta verificar, portanto, a quem incumbe prosseguir na condução do presente procedimento.

Nos termos do Ato nº 064/2012 – PGJ, de 13 de dezembro 2012, que homologou a modificação das atribuições dos cargos de Promotor de Justiça da PROMOTORIA DE JUSTIÇA CÍVEL DE CAMPINAS, incumbe ao 9º PROMOTOR DE JUSTIÇA, as seguintes atribuições:

“a) Habitação e Urbanismo, inclusive as ações civis públicas distribuídas;

b) metade dos feitos de Consumidor (em atuação compartilhada com o 12° Promotor de Justiça), inclusive as ações civis públicas distribuídas;

c) Direitos Humanos, com abrangência na defesa do Idoso e da Pessoa com Deficiência, inclusive as ações civis públicas distribuídas;

d) Corregedoria Permanente do Cartório de Registro de Imóveis, nos feitos relacionados à regularização fundiária e registros de parcelamentos e loteamentos;

e) atendimento ao público”.

Ao 2º Promotor de Justiça de Vila Mimosa, por força do Ato n.º 189/2007 – PGJ, de 21 de dezembro de 2007, que homologou a modificação das atribuições dos cargos de Promotor de Justiça da Promotoria de Justiça de Vila Mimosa, incumbe:

“a) feitos cíveis e criminais da 2ª Vara;

b) Audiências da 2ª Vara;

c) feitos cíveis e criminais de finais 4, 5, 53, 63, 73, 83 e 93 da 5ª Vara;

d) atendimento ao público”.

Insta acrescentar que a Lei Orgânica Estadual do Ministério Público (Lei Complementar Estadual 734/93) dispõe:

“Art. 295. Aos cargos especializados de Promotor de Justiça, respeitadas as disposições especiais desta lei complementar, são atribuídas as funções judiciais e extrajudiciais de Ministério Público, nas seguintes áreas de atuação:

(...)

XIV – Promotor de Justiça de Direitos Humanos: garantia de efetivo respeito dos Poderes Públicos e serviços de relevância pública aos direitos assegurados nas Constituições Federal e Estadual, e, notadamente, a defesa dos interesses individuais homogêneos, coletivos e difusos dos idosos, das pessoas com deficiência, e da saúde pública (incluído pela Lei Complementar Estadual 1.083, de 17 de dezembro de 2008).

(...)

Art. 296. Aos cargos criminais e cíveis são atribuídas todas as funções judiciais e extrajudiciais de Ministério Público, respectivamente na sua área e atuação penal ou cível, salvo aquelas que, na mesma comarca, forem de atribuição de cargos especializados ou de cargos com designação de determinada localidade”.

No caso dos autos, ainda que haja notícia de questão que apresenta repercussão na esfera da proteção dos Direitos Humanos (Idoso), trata-se de tutela individual, não de coletiva.

A interpretação dos atos normativos que disciplinam a divisão de serviços no âmbito das Promotorias de Justiça deve ser feita de modo contextual e finalista. A análise literal da regra, embora seja um dos elementos para sua compreensão, não é suficiente, por si só, para o equacionamento das dúvidas e conflitos.

Em regra, as atribuições especializadas dos órgãos de execução na esfera dos interesses difusos, dos interesses coletivos e dos interesses individuais homogêneos, são tratadas de forma explícita.

Nesses casos, pelo que ordinariamente se observa os atos que fixam a divisão de serviço concedem a determinado cargo de certa Promotoria de Justiça função de defesa de interesse especifico (meio ambiente, consumidor, patrimônio público, habitação e urbanismo, etc.).

E as regras de experiência demonstram, do mesmo modo, que essa atuação, assim fixada, diz respeito às ações civis públicas propostas pelo Ministério Público, assim como à atuação, como fiscal da lei, nas ações civis públicas relacionadas àquela matéria, ainda que propostas por outros legitimados. Incluem-se nessa atribuição, naturalmente, a realização de investigações através de inquéritos civis, bem como a atuação extrajudicial do Ministério Público.

Os demais casos não enquadrados nessas hipóteses (por exemplo, outras ações em que aquela matéria específica seja eventualmente debatida – meio ambiente, consumidor, patrimônio público, habitação e urbanismo, etc.), que dizem respeito, portanto, à atuação ministerial como custos legis em outros processos (que não ações civis públicas), são atribuições a respeito das quais os atos regulamentares de divisão de serviços, em regra, não tratam especificamente.

Esses outros casos normalmente se enquadram sob a designação geral da função de oficiar em “feitos cíveis”.

Essa exegese, calcada na análise sistemática e finalista, é suficiente para justificar a conclusão no sentido de que a fixação da atribuição do suscitante, em ato normativo, para a defesa do Idoso, não tendo mencionado expressamente a atuação em casos individuais de competência territorial do Foro Regional, não engloba tal atribuição.

Em outros termos, sem que tenha sido especificada no ato de divisão de serviços a atribuição para atuar na tutela individual do Idoso, perante o Foro Regional, o exercício da missão recai na regra geral, pela qual cabe ao órgão de execução com atribuição para atuar nos “feitos cíveis”.

Em suma, a atribuição especializada está relacionada, como ensina a experiência comum, à atuação do Promotor de Justiça como autor de ações civis públicas, à atuação como fiscal da lei em ações civis públicas, à investigação através de inquéritos civis, bem como na realização de atividades extrajudiciais relacionadas àquela temática.

Dessarte, a atribuição é do membro do Ministério Público atuante no Foro Regional de Vila Mimosa.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, DD. 2º Promotor de Justiça do Foro Regional de Vila Mimosa, a atribuição para oficiar no feito.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 13 de junho de 2013.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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