Conflito de Atribuições –
Cível
Protocolado
nº 055.418/2013
Suscitante:
11º Promotor de
Justiça de São Vicente (Pessoa com Deficiência)
Suscitado:
2º Promotor de
Justiça de São Vicente – em exercício (Saúde Pública)
Ementa:
1. Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 11º Promotor de Justiça de São Vicente (Pessoa com Deficiência). Suscitado: 2º Promotor de Justiça de São Vicente (Saúde Pública). Pedido de intervenção da Promotoria de Justiça de São Vicente com o objetivo de que o representante tenha o correto atendimento oftalmológico.
2. Atribuição para realizar a investigação é do órgão ministerial que inicialmente tomou contato com o caso. Nos conflitos entre Promotorias especializadas na tutela de interesses metaindividuais em que desde logo fique demonstrada a presença de fundamentos para a atuação de ambas, razoável solução se apresenta com o critério da prevenção.
3. Caberá ao suscitado, portanto, prosseguir na investigação.
Vistos,
1) RELATÓRIO.
Tratam estes
autos de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 11º Promotor de Justiça de São Vicente,
com atribuição na proteção da Pessoa com Deficiência, e como suscitado o DD. 2º Promotor de Justiça de São Vicente,
com atribuição na área da Saúde Pública.
Consta dos autos
que a Sra. Fabiana Couta da Mata, por meio do preenchimento do Formulário para Oferecimento de
Representação junto à Promotoria de Justiça de São Vicente, noticiou que
seu tio, o Sr. Gelson Mata, submeteu-se a várias cirurgias oftalmológicas no Ambulatório Médico de Especialidades de
Santos (AME), sem resultados satisfatórios. Narrou a representante que
atualmente seu tio não enxerga, necessitando de novos tratamentos. Postula a
intervenção do Ministério Público do
Estado de São Paulo na solução do caso.
Distribuído o expediente ao Promotor de Justiça com atribuição na área da Saúde Pública (suscitado), este não vislumbrou hipótese de atuação, sendo determinada a remessa ao suscitante, na medida em que a situação descrita na representação “refere-se a atendimento específico, prestado de forma individual ao Sr. Gelson que é pessoa portadora de necessidades especiais, uma vez que possui deficiência visual” (fls. 06/07).
Observou o suscitado não se verificar no caso em análise a necessidade de apuração das condições de prestação de serviço público de saúde do Município de São Vicente. Trouxe precedente desta Procuradoria-Geral de Justiça na resolução de conflito negativo de atribuições no sentido de que a atribuição do Promotor de Justiça da Saúde Pública circunscreve-se ao âmbito de tutela coletiva (fls. 06/08).
Por discordar do encaminhamento, o membro do Ministério Público com atribuição na seara de tutela ao deficiente suscitou conflito negativo de atribuições, argumentando, em síntese: (a) a situação versada nos autos está relacionada a pessoa acometida de enfermidade, e não de deficiente físico; (b) busca-se a prestação de serviço público de saúde, consistente na realização de cirurgia curativa, atribuição do suscitado, por força do princípio de especificidade; (c) mesmo que assim não fosse, a Promotoria de Justiça da Saúde Pública estaria preventa para funcionar no presente procedimento.
É o relato do
essencial.
2) FUNDAMENTAÇÃO.
Está configurado, no caso, o conflito de
atribuições.
Isso decorre do posicionamento de diversos
órgãos de execução do Ministério Público, quando “(a) dois ou mais deles manifestam, simultaneamente, atos que importem a
afirmação das próprias atribuições, em exclusões às de outro membro (conflito
positivo); (b) ao menos um membro negue a própria atribuição funcional e a
atribua a outro membro, que já a tenha recusado (conflito negativo)” (cf.
Hugo Nigro Mazzilli, Regime Jurídico do
Ministério Público, 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 486/487).
No mesmo sentido Emerson Garcia, Ministério Público, 2ª ed., Rio de
Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196/197.
Como se sabe, no
processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída
dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador
estabelece critérios para a repartição do serviço.
Nesse sentido:
Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel
Dinamarco, Teoria geral do processo, 23ª
ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11ª ed., São
Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140;
Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência
no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.
Esta ideia,
aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência
(objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e
sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t.I, trad. esp. de Jose Casais
Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e
Ora, se para a
identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada
demanda a lei processual estabelece, a
priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há
razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão
ministerial com atribuições para certa investigação também não parta de
elementos do caso concreto, ou seja, seu objeto.
Pode-se, deste
modo, afirmar que a definição do membro do parquet
a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera
cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil
pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.
O objeto da representação,
como anotado anteriormente, consiste no pedido de intervenção da Promotoria de
Justiça de São Vicente com o objetivo de que o Sr. Gelson Mata tenha o correto
atendimento oftalmológico.
Muito embora a
suscitada mencione como precedente a decisão exarada no Protocolado n.
158.714/2010, força convir que o cotejo entre a aquela situação e a presente
indicam peculiaridades que levam a decisões diversas. Veja-se que os elementos
coligidos aos autos não permitem concluir a natureza do problema oftalmológico
que aflige o representante e nem se a situação transborda a outros casos
análogos.
Rememore-se, por relevante, que o Ato Normativo nº 675/2010-PGJ-CGMP, de 28 de dezembro de 2010 (Protocolado nº 60.471/2010), responsável por aprovar o "Manual de Atuação Funcional dos Promotores de Justiça do Estado de São Paulo”, quando trata da Defesa da Saúde Pública, reza o que segue:
“Art. 440. Zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nas Constituições Federal e Estadual e nas demais normas pertinentes, que disciplinam a promoção, defesa e recuperação da saúde, individual ou coletiva, promovendo as medidas necessárias à sua garantia, cuidando em especial de:
(...).
Por outro lado, não há negar que existe a notícia, narrada pela Sra. Fabiana Couta da Mata, no sentido de que seu tio perdeu a visão (11).
É possível
concluir que os fatos a serem esclarecidos repercutem, em tese, não apenas na
esfera da Saúde Pública, mas também na seara dos interesses relacionados ao
deficiente.
Assim, não
obstante ponderações formuladas pelo suscitado, no caso em exame se mostra mais
adequado reconhecer que a atribuição para realizar a investigação é do órgão
ministerial que inicialmente tomou contato com o caso.
É fato
extremamente comum – e isso é notório para quem está afeto aos problemas
concretos envolvendo interesses metaindividuais - que, em determinada
investigação, verifique-se a existência de mais de um interesse, afeto a mais
de uma área de atuação do Ministério Público. Ou, ao contrário – é importante
que se diga -, situações em que os interesses resvalam timidamente em
atribuições diversas.
Tal situação
decorre da complexidade dos interesses coletivos ou individuas indisponíveis,
cujo dinamismo faz com que nem sempre se acomodem, de forma singela, aos
critérios normativos previamente estabelecidos para fins de repartição das
atribuições dos órgãos ministeriais.
É bem verdade
que, tratando do tema, Hugo Nigro Mazzilli anota que “se houver mais de uma causa bastante para a intervenção do Ministério
Público no feito, nele funcionará o membro da instituição incumbido do zelo do
interesse público mais abrangente”, esclarecendo que para tais fins, a
análise da abrangência deve ser feita no sentido do individual para o
supraindividual (Regime Jurídico do
Ministério Público, 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 421/422).
Assim, quando se
está diante de interesses afetos a áreas distintas não se pode afirmar que uma
delas seja mais abrangente do que outra, pois a progressiva gradação dessa
abrangência se dá, a rigor, do plano individual para o plano coletivo.
Dessa forma, nos
conflitos entre Promotorias especializadas na tutela de interesses
metaindividuais em que desde logo fique demonstrada a presença de fundamentos
para a atuação de ambas, razoável solução se apresenta com o critério da
prevenção.
Reforça tal
raciocínio a aplicação analógica, para a solução de conflitos de atribuição
entre órgãos ministeriais, da regra prevista no parágrafo único do art. 2º da
Lei da Ação Civil Pública, destinada à solução de conflitos de competência em
sede de ações coletivas.
Em outras palavras, quando não há maior destaque, diante de peculiaridades do caso concreto, de um interesse sobre outro, a prevenção funciona como parâmetro que melhor atende ao interesse geral, bem como à continuidade, à eficiência e à eficácia da atividade ministerial.
Destarte, caberá
ao suscitado prosseguir na investigação.
1) DECISÃO.
Diante do
exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com
fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público,
declarando caber ao suscitado, DD. 2º Promotor
de Justiça de São Vicente, a atribuição para dar seguimento ao presente
expediente, nos termos da fundamentação supra.
Publique-se a
ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.
Providencie-se a
remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de
Tutela Coletiva.
São Paulo, 6
de maio de 2013.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de
Justiça
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