Conflito de Atribuições – Cível

 

 

Protocolado nº 86.696/18

Suscitante: 8º Promotor de Justiça de Osasco (Cível)

Suscitado: 3º Promotor de Justiça de Osasco (Meio Ambiente e Habitação e Urbanismo)

 

Ementa:

1. Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 8º Promotor de Justiça de Osasco (Cível); suscitado: 3º Promotor de Justiça de Osasco (Meio Ambiente e Habitação e Urbanismo). Cumprimento de sentença proferida em ação popular por ato lesivo ao meio ambiente.

2. A interpretação dos atos normativos que disciplinam a divisão de serviços no âmbito das Promotorias de Justiça deve ser feita de modo contextual e finalista. A análise literal da regra, embora seja um dos elementos para sua compreensão, não é suficiente, por si só, para o equacionamento das dúvidas e conflitos.

3. As atribuições especializadas dos órgãos de execução na esfera dos interesses transindividuais são tratadas de forma explícita. Os casos não enquadrados nas hipóteses de propositura de ações coletivas e atuação como fiscal da lei nas ações civis públicas propostas por outros legitimados dizem respeito à atuação ministerial como órgão interveniente em outros processos, enquadrando-se nos “feitos cíveis”.

4. Conflito conhecido e dirimido, cabendo ao suscitante prosseguir no feito.

 

 

 

Vistos,

 

 

1) Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o 8º Promotor de Justiça de Osasco (Cível), e como suscitado o 3º Promotor de Justiça de Osasco (Meio Ambiente e Habitação e Urbanismo), a respeito da atribuição para oficiar no Incidente de Cumprimento de Sentença nº 0012226-59.2018.8.26.0405, em trâmite na 3ª Vara Cível de Osasco.

Conforme se depreende das cópias dos autos, foi aberta vista ao 3º Promotor de Justiça de Osasco, com atribuições na área do meio ambiente e habitação e urbanismo, o qual solicitou o encaminhamento dos autos ao Promotor de Justiça oficiante na 3ª Vara Cível, conforme Ato Normativo que regulamenta a distribuição interna das Promotorias de Justiça de Osasco (fls. 135 e 139).

O 8º Promotor de Justiça de Osasco, que oficia nos feitos cíveis da 3ª Vara Cível, suscitou conflito negativo de atribuição, aduzindo que o processo se originou de uma ação popular, a qual questiona, predominantemente, matéria difusa de meio ambiente e urbanismo, razão pela qual cabe ao 3º Promotor de Justiça de Osasco, com atribuições na área do meio ambiente e urbanismo, inclusive nas ações civis públicas distribuídas, oficiar na hipótese em testilha.

É o relato do essencial.

2) Fundamentação.

Reconhecido o conflito de atribuição, na situação em exame a solução do conflito reside em definir se deve oficiar em incidente de cumprimento de sentença proferida em ação popular o Promotor de Justiça que tem atribuições na área de meio ambiente (suscitado) ou se deve atuar naquele feito, como órgão interveniente, o Promotor de Justiça que tem atribuição para oficiar nos feitos de natureza cível da 3ª Vara de Osasco (suscitante).

A divisão de atribuições da Promotoria de Justiça Osasco foi fixada pelo Ato nº 056/2012 – PGJ, DE 23 DE NOVEMBRO DE 2012, determinando-se ao suscitado funcionar nos seguintes feitos:

II. 3º PROMOTOR DE JUSTIÇA:
a) Feitos da 1ª e 2ª Varas Cíveis, inclusive suas audiências;
b)
Habitação e Urbanismo, inclusive as ações civis públicas distribuídas;

c) Meio Ambiente, inclusive as ações civis públicas distribuídas;
d) Acidentes do Trabalho, inclusive as ações civis públicas distribuídas;

e) Direitos Humanos com abrangência na defesa da Saúde Pública, inclusive as ações civis públicas distribuídas;
f) Atendimento ao Público.

Por sua vez, conferiu-se ao suscitado as seguintes atribuições:

III. 8º PROMOTOR DE JUSTIÇA:
a) Feitos 3ª e 4ª Varas Cíveis, inclusive suas audiências;
b)
Consumidor, inclusive as ações civis públicas distribuídas;
c) Fundações, inclusive as ações civis públicas distribuídas;
d) Patrimônio Público, incluindo a repressão aos atos de improbidade, inclusive as ações civis públicas distribuídas;

e) Feitos da Vara do Juizado Especial Cível, inclusive suas audiências;

f) Atendimento ao Público.

Conforme já manifestado em precedentes desta Procuradoria-Geral de Justiça (Protocolados nº 67.621/11, 51.192/10, 30.094/12, 15.394/13 e 52.451/18), a interpretação dos atos normativos que disciplinam a divisão de serviços no âmbito das Promotorias de Justiça deve ser feita de modo contextual e finalista. A análise literal da regra, embora seja um dos elementos para sua compreensão, não é suficiente, por si só, para o equacionamento das dúvidas e conflitos.

É correta a observação de que pode ser conveniente a atuação como fiscal da lei, em ação popular e no cumprimento da respectiva sentença, do órgão de execução com atribuições especializadas para a tutela do meio ambiente e habitação e urbanismo. Tal ocorre na medida em que referida solução pode render ensejo tanto ao conhecimento mais abrangente dos casos relacionados ao tema na comarca, como ainda complementar as investigações que realiza e suas iniciativas processuais, além da uniformidade.

Porém, é preciso indagar se essa solução, possivelmente conveniente, encontra amparo no ato regulamentar de divisão de serviços.

Em regra, as atribuições especializadas dos órgãos de execução na esfera dos interesses difusos, dos interesses coletivos e dos interesses individuais homogêneos, são tratadas de forma explícita.

Nesses casos, pelo que ordinariamente se observa, os atos que fixam a divisão de serviço concedem a determinado cargo de certa Promotoria de Justiça a missão de atuar em defesa de interesse especificado (meio ambiente, consumidor, patrimônio público etc.). E as regras de experiência demonstram, do mesmo modo, que essa atuação, assim fixada, diz respeito às ações civis públicas propostas pelo Ministério Público, como também à atuação, como fiscal da lei, nas ações civis públicas relacionadas àquela matéria propostas por outros legitimados.

Os demais casos não enquadrados nessas hipóteses (quais sejam, de propositura de ações coletivas e atuação como fiscal da lei nas ações civis públicas propostas por outros legitimados), que digam respeito, portanto, à atuação ministerial como órgão interveniente em outros processos, são atribuições a respeito das quais os atos regulamentares de divisão de serviços, em regra, não tratam especificamente.

Esses outros casos normalmente se enquadram sob a designação geral da função de oficiar em “feitos cíveis”.

A ação popular e a ação civil pública são remédios jurídico-processuais paralelos que se destinam, lato sensu, ao combate de atos ilegais e lesivos ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente (arts. 5º, LXXIII e 129, III, Constituição Federal). Enquanto naquela o Ministério Público atua como custos legis (tendo legitimidade ativa ulterior supletiva e condicionada ut art. 9º da Lei n. 4.717/65) nesta é um dos colegitimados ativos embora possa atuar como fiscal da lei. No caso presente, não notícia da promoção de ação civil pública a despertar os fenômenos da conexão ou da continência.

Analisada a divisão de atribuições da Promotoria de Justiça de Osasco – devidamente homologada pela instância competente – verifica-se que não foi confiada ao Promotor de Justiça com atribuição especializada a intervenção em ação popular tanto no domínio do meio ambiente e habitação e urbanismo quanto na esfera das demais áreas de interesses difusos e coletivos (patrimônio público, por exemplo) que têm habilitação para tutela também pela via da ação popular.

Ao contrário, sendo a ação popular concebida ontologicamente, para fins processuais, como feito cível, a atuação do Ministério Público é ordenada pela regra que vincula a atribuição ao juízo respectivo.

Essa exegese, calcada na análise sistemática e finalista, seria suficiente para justificar a conclusão no sentido de que a fixação da atribuição do suscitado, em ato normativo, para a defesa do meio ambiente e habitação e urbanismo, não tendo mencionado expressamente a atuação como custos legis em ações populares, não engloba tal atribuição.

Em outros termos, sem que tenha sido formulada no ato de divisão de serviços a especificação, a atuação em ações populares na condição de fiscal da ordem jurídica, a hipótese recai na regra geral, pela qual cabe ao órgão de execução vinculado à Vara Judicial manifestar-se nos “feitos cíveis” que nela tramitem.

Essa é uma manifestação, contrariu sensu, da regra de hermenêutica pela qual “Lex specialis derrogat generalis”: se não há previsão específica, prevalece a regra geral.

Em outras palavras, se a atribuição especializada está relacionada, como ensina a experiência comum, à atuação do Promotor de Justiça como autor de ações coletivas, ou à atuação como fiscal da lei em ações civis públicas, a inclusão de outras atribuições dependeria de previsão expressa.

Essa lógica foi admitida pela própria Lei Orgânica Estadual do Ministério Público. Note-se que de acordo com o art. 296, caput, da Lei Complementar Estadual nº 734/93, foi estabelecido que aos cargos criminais e cíveis são atribuídas todas as funções relativas à sua área de atuação, salvo as que disserem respeito a cargos especializados.

A analogia também favorece essa solução.

Na Lei Complementar nº 734/93, há previsão específica de atribuições das Promotorias de Justiça especializadas na Comarca da Capital. No art. 295, inciso VIII, está prevista a função do Promotor de Justiça de Mandados de Segurança para “mandados de segurança, ações populares, ‘habeas data’ e mandados de injunção ajuizados na primeira instância”; enquanto no art. 295, incisos VI e X está prevista a função do Promotor de Justiça do Meio Ambiente para “defesa dos interesses difusos ou coletivos relacionados com o meio ambiente e outros valores artísticos, históricos, estéticos, turísticos e paisagísticos” e do Promotor de Justiça da Habitação e Urbanismo para “defesa de interesses difusos ou coletivos nas relações jurídicas relativas a desmembramento, loteamento e uso do solo para fins urbanos”.

É nítido que o inciso VIII do art. 295 subtrai dos incisos VI e X a intervenção em ação popular destacando o exercício da função em razão da natureza da lide e de sua posição processual.

Por essa razão, a atribuição para oficiar no feito cabe ao suscitante.

3) Decisão

Por todos os motivos expostos, conheço do presente conflito negativo de atribuições, e dirimo-o, com fundamento no art. 115, da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao ilustre suscitante, 8º Promotor de Justiça de Osasco, a atribuição para oficiar nos autos.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 22 de novembro de 2018.

 

 

       Gianpaolo Poggio Smanio

       Procurador-Geral de Justiça

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