Conflito de Atribuições
– Cível –
Protocolado nº
4.390/18
Procedimento nº
66.0426.0007599/2017-9
Suscitante:
18º Promotor de Justiça de Santos (Cível)
Suscitado: 23º Promotor de Justiça de Santos (Pessoa com Deficiência)
Ementa:
1) Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 18º Promotor de Justiça de Santos (Cível). Suscitado: 23º Promotor de Justiça de Santos (Pessoa com Deficiência).
2) Representação para adoção de providências relacionadas a pessoa autista, que embora interditada e com curador nomeado, não possui suporte familiar e econômico suficiente para obtenção de tratamento médico adequado, não reunindo, com isso, condições de alcançar participação social efetiva.
3) À luz da Convenção Internacional
das Pessoas com Deficiência (ratificada pelo Decreto Legislativo nº 186/08 e
promulgada pelo Decreto nº 6.949/09) e da Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº
13.146/15, art. 2º), a definição de pessoa com deficiência não é estabelecida
sob o ponto de vista exclusivo do impedimento (físico, mental, intelectual ou
sensorial), mas sim pela existência de
dificuldade, de longo prazo, que a impeça de se relacionar com o ambiente no
qual se encontre.
4) Atribuição afeta à área da Pessoa com Deficiência, na qual a atuação em questões individuais ocorrerá quando o caso concreto apresentar alguma conotação diferenciada, além das hipóteses comuns ou corriqueiras que são verificáveis em conflitos de interesses envolvendo quaisquer pessoas.
5) A atuação do Promotor de Justiça Cível, que atuou na ação de interdição na qualidade de fiscal da ordem jurídica, se restringe às questões que orbitam a declaração de interdição e a concessão da curatela.
6) Conflito conhecido e dirimido, cabendo ao suscitado prosseguir na investigação.
1) Relatório
Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 18º Promotor de Justiça de Santos (Cível) e como suscitado o 23º Promotor de Justiça de Santos (Pessoa com Deficiência, relativamente ao feito em epígrafe (Procedimento nº 66.0426.0007599/2017).
O presente procedimento
foi instaurado a partir de representação formulada pela genitora de J.S.O.C.,
sendo inicialmente encaminhada ao 23º Promotor de Justiça, com atribuições na
área da pessoa com deficiência. A representação noticia que J.S.O.C., com trinta
anos, é autista e deficiente auditivo e embora esteja sendo atendido pela rede
local de saúde, em Centro de Atenção Psicossocial, apresenta comportamento
agressivo e muito agitado. A representante narra que moveu ação de interdição,
na qual foi nomeada sua curadora, porém é sozinha e não reúne condições
econômicas para lhe proporcionar o tratamento adequado, solicitando, por essa
razão, que o filho seja internado em clínica especializada na cidade de Atibaia
(fls. 09).
Ao receber a
representação, o 23º Promotor de Justiça consignou que embora o interessado
seja pessoa com deficiência, qualquer medida que seja voltada a sua eventual
internação em instituição especializada deve ser analisada nos autos do
processo de interdição, razão pela qual remeteu os autos ao 18º Promotor de
Justiça, que atuou em referido feito na qualidade de custus legis (fls. 18).
O 18º Promotor de
Justiça de Santos, ora suscitado, consignou, por sua vez, que a ação de
interdição já foi encerrada e que o pedido formulado pela curadora extrapola o
objeto da ação. Afirmou que qualquer outro pedido relacionado a direitos do
interditado, tal como o pedido de obtenção de vaga em instituição especializada
formulado na representação, deve ser buscado em autos próprios, a cargo do
suscitado, a teor do disposto no art. 439, “caput” e inciso IV do Manual de
Atuação Funcional do Ministério Público do Estado de São Paulo (fls. 02/05).
É o relato do
essencial.
2) Fundamentação
O conflito negativo
de atribuições está configurado e, pois, comporta admissibilidade.
No presente caso, há
interesse de pessoa com deficiência, assim enquadrada no conceito estabelecido
pela Lei Brasileira de Inclusão[1],
que adotando inovação de ordem
principiológica, passou a estabelecer que a definição de pessoa com deficiência
não deve ser analisada sob o ponto de vista único do impedimento físico,
mental, intelectual ou sensorial, mas sim pela presença
de barreiras ou dificuldades que a impeçam de se relacionar e de se integrar na
sociedade. A métrica se faz pelo grau
de dificuldade para a inclusão social e não pela limitação de ordem física,
mental, intelectual ou sensorial que o indivíduo possui.
Além disso, a verificação da existência e do grau de dificuldade deverá ser feito em
cada caso concreto.
No presente caso, o
interessado é autista, não tem suporte familiar e econômico suficiente, e não
está recebendo tratamento médico eficiente, encontrando, por isso, dificuldades
de interação com o meio social em que vive.
A tutela dos direitos daquele que possui transtorno ou doença mental de longo
prazo e que, por conta disso, encontre dificuldades de participação plena
social, em condições de igualdade com os demais, em determinado caso concreto, enquadrando-se
na qualidade de pessoa com deficiência, exige, por consequência, a tomada de
providências da Promotoria de Justiça da Pessoa com Deficiência e não do
Promotor de Justiça Cível, que interveio como custus legis no processo de interdição.
A esse cabe tão somente as providências que
orbitam a declaração de interdição e a concessão a curatela, tais como a tomada
de prestação de contas, promovida na qualidade de fiscal da ordem jurídica em
processo que envolve interesse de incapaz, nos exatos termos do disposto nos
art. 178 e 179 do Código de Processo Civil de 2015, e que a teor do disposto no
artigo 553, por critérios de conveniência e economia processual, deve ser
prestada incidentalmente nos autos do processo de interdição.
No caso em testilha, o pedido formulado na
representação, qual seja, internação do interditado em clínica de tratamento
especializada, não guarda qualquer relação com a ação de interdição.
Nem se alegue que a atuação do DD. Promotor
de Justiça suscitado está gizada à defesa das pessoas com deficiência
coletivamente.
Essa Procuradoria-Geral de Justiça vem
sinalizando que a atuação do membro do Ministério Público com atribuição na
área da pessoa com deficiência em questões individuais poderá ocorrer quando o
caso concreto apresentar alguma conotação diferenciada, além das hipóteses
comuns ou corriqueiras que são verificáveis em conflitos de interesses
envolvendo quaisquer pessoas.
Destarte, por qualquer ângulo que se observe, no
presente conflito a conclusão é de que competirá ao suscitado oficiar nos
autos, por ser dele a atribuição para funcionar nos casos que envolvam pessoas
com deficiência.
3) Decisão
Diante do exposto,
conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento
no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao
suscitante, DD. 23º Promotor de Justiça de
Santos com atribuição na área da Pessoa com Deficiência, a atribuição para
oficiar no presente procedimento.
Publique-se a
ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.
Providencie-se a
remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de
Tutela Coletiva.
São Paulo, 14 de fevereiro de 2018.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
[1] A LBI adotou o mesmo
conceito estabelecido pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência (2007) e seu Protocolo Facultativo,
que foram ratificados pelos Congresso Nacional através do Decreto Legislativo
nº 186/08, nos termos do art. 5º, § 3º da Constituição Federal e promulgados
pelo Decreto nº 6.949/09.