Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolados nº 5222/16 e 9039/16

Suscitante: 3º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital

Suscitado: 2º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital

 

Ementa:

1.      Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 3º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital. Suscitado: 2º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital. Direito social à moradia, pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Invasão em área próxima a recursos hídricos. Prováveis danos ambientais em área de proteção a mananciais. Informação da Polícia Militar do Estado de São Paulo no sentido de que na localidade existem aproximadamente quinhentos barracos de madeira, estando cerca de cento e cinquenta ocupados por famílias. Existência de moradias, com notícia de ocupação, ainda que em fase embrionária.

2.      A moradia constitui direito social previsto expressamente no art. 6º da Constituição Federal, conforme redação dada pela Emenda Constitucional n. 90, de 2015. O direito de moradia, por conseguinte, além de ser um direito fundamental, está correlacionado com o preceito maior da dignidade da pessoa humana. Dessa forma, as informações existentes nos autos sinalizam no sentido da atribuição da Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo para atuar no caso, especialmente diante da notícia de existência de ocupação. Conflito conhecido e dirimido, reconhecendo a atribuição do suscitado.

 

 

Vistos,

 

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 3º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital e, como suscitado, o DD. 2º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital.

Ao que consta, encaminhou-se ao Centro de Apoio Cível (Urbanismo e Meio Ambiente) do Ministério Público do Estado de São Paulo mensagem eletrônica noticiando suposta invasão em área próxima a recursos hídricos, com prováveis danos ambientais em área de proteção a mananciais.

O 2º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital determinou o encaminhamento dos autos à Promotoria de Justiça do Meio Ambiente da Capital, para providências (fl. 08).

O 3º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital oficiou à Polícia Militar Ambiental a fim de que fosse inspecionada a área para se constatar possível invasão e eventuais crimes ambientais (fl. 11).

Com a vinda das informações, suscitou-se conflito negativo de atribuições (fls. 39/40).

É o relato do essencial.

Configurado o conflito negativo de atribuições, o presente expediente deve ser conhecido.

Arguiu o suscitante que a investigação deverá ser presidida pelo membro do Ministério Público com atribuição na área da Habitação e Urbanismo, pois, no seu entender:

(a) existem cerca de quinhentos barracos de madeira no local, sendo cento e cinquenta ocupados por famílias;

(b) não foram observadas intervenções ambientais nas áreas de preservação permanente, mas sim possível loteamento irregular;

(c) na vistoria realizada, a Polícia Militar Florestal não constatou dano ambiental.

De fato, a Polícia Militar do Estado de São Paulo informou que na localidade existem aproximadamente quinhentos barracos de madeira, estando cerca de cento e cinquenta ocupados por famílias, acrescentando o seguinte:

“Nesta vistoria, não foram constatadas intervenções nas áreas de preservação permanente, nem corte de vegetação, porém, a existência de piquetes numa área de 3,0 hectares, indicando que o local é alvo de possível loteamento irregular” (fl. 20).

Esclareceu a Polícia Militar do Estado de São Paulo que já foi inclusive solicitada a instauração de inquérito policial por crime previsto na Lei 6.766/79.

Assim é que a presidência da investigação caberá ao suscitado, uma vez que latente o parcelamento irregular do solo na localidade. Ademais, constatou-se a existência de moradias com ocupação.

Extrai-se, com a devida vênia com relação a entendimento diverso, que a premissa para a fixação da atribuição na Promotoria de Habitação e Urbanismo é de que haja, efetivamente, parcelamento e moradias com ocupação.

Os conceitos de parcelamento e desmembramento do solo estão fixados objetivamente no art. 2º da Lei nº 6.766/79, com a seguinte redação:

Art. 2º. O parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as disposições desta Lei e as das legislações estaduais e municipais pertinentes.

§ 1º - Considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes.

§ 2º- considera-se desmembramento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique na abertura de novas vias e logradouros públicos, nem no prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes.

As informações coligidas aos autos indicam haver moradias, com notícia de ocupação, ainda que em fase embrionária, nos termos do art. 2º, § 2º da Lei de Loteamentos e do art. 3º, II do Ato nº 55/95 PGJ.

Não de pode, ainda, desconsiderar a sistemática trazida pela Lei n. 11.977/2009, que dispõe, entre outros assuntos, da regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas.

Sabe-se que a regularização fundiária pode ser entendida como o conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Di-lo o art. 46 da Lei n. 11.977/2009.

A moradia constitui direito social previsto expressamente no art. 6º da Constituição Federal, conforme redação dada pela Emenda Constitucional n. 90, de 2015. O direito de moradia, por conseguinte, além de ser um direito fundamental, está correlacionado com o preceito maior da dignidade da pessoa humana. Aliás, nesse sentido, veja-se o quanto disposto na Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (adotada e proclamada pela Res. 217-A, de 10.12.1948):

“Artigo XXV:

1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de de­semprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle.

Antes mesmo do advento da Lei n. 11.977/2009, inúmeros diplomas cuidaram da problemática relacionada à regularização fundiária, sobretudo para desburocratizar o tema, a saber: (a) Lei 9.785/99, a qual buscou flexibilizar a exigência legal de infraestrutura básica necessária em Zonas Habitacionais de Interesse Social para fins de aprovação de projetos; (b) Lei 10.257/01, que regulamentou os arts. 182 e 183 da Cons­tituição Federal e estabeleceu diretrizes gerais da política urbana; (c) Medida Provisória  2.220/01, que dispôs sobre a concessão de uso especial para fins de moradia; (d)  Lei 10.931/04, que estabeleceu a gratuidade do primeiro registro do imóvel de­corrente da regularização fundiária; (e) Lei 11.124/05, que instituiu o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social, que teve o objetivo de promover o acesso à moradia para a população de baixa renda, através de políticas e programas específicos; (f) Lei 11.481/07, que previu medidas voltadas a regularização fundiária de interes­se social em imóveis da União; (g) Lei 11.888/08, a qual assegurou às famílias de baixa renda assistência técnica públi­ca e gratuita para o projeto e a construção de habitação de interesse social; (h)  Lei 11.952/09, responsável por instituir o Programa Amazônia Terra Legal.

Com efeito, reza o art. 54 da Lei n. 11.977/2009 que o projeto de regularização fundiária de interesse social deverá considerar as características da ocupação e da área ocupada para definir parâmetros urbanísticos e ambientais específicos, além de identificar os lotes, as vias de circulação e as áreas destinadas a uso público, com a observação de que será possível ao Município admitir a regularização fundiária de interesse social em Áreas de Preservação Permanente, ocupadas até 31 de dezembro de 2007 e inseridas em área urbana consolidada, desde que estudo técnico comprove que esta intervenção implica a melhoria das condições ambientais em relação à situação de ocupação irregular anterior, ao passo que a regularização fundiária de interesse social em áreas de preservação permanente poderá ser admitida pelos Estados, na hipótese de o Município não ser competente para o licenciamento ambiental correspondente.

Por derradeiro, constatou-se que na localidade ora investigada a realização de serviço de terraplanagem, execução de construções de alvenaria e divisão de lotes demarcados com piquetes; ao que tudo indicada, o empreendimento estaria sob o comando da “Associação Minha Casa Meu Doce Lar” (fls. 02/03 do PT-9039/16).

Dessa forma, as informações existentes nos autos sinalizam no sentido da atribuição da Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo para atuar no caso, especialmente diante da notícia de existência de ocupação.

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber a órgão ministerial suscitante, o DD. 2º. Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital a atribuição para oficiar no procedimento investigatório.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

 

São Paulo, 04 de fevereiro de 2016.

 

Márcio Fernando Elis Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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