Conflito de Atribuições – Cível
Protocolado nº
5448/15
Pedido de
Providências n. 02/2014 (Primeiro Ofício Cível e Corregedoria Permanente de
Franco da Rocha)
Suscitante: 5º
Promotor de Justiça de Franco da Rocha
Suscitado: 1º
Promotor de Justiça de Franco da Rocha
Ementa:
1. Conflito negativo de atribuições. 5º Promotor de Justiça de Franco da Rocha (suscitante) e 1º Promotor de Justiça de Franco da Rocha (suscitado).
2. Impugnação a registro de loteamento. Análise do estudo de impacto de vizinhança. Atribuição do membro do Ministério Público atuante na Corregedoria Permanente dos Serviços de Registro de Imóveis.
3. Nada impede que, ao lado da proteção à autenticidade, publicidade, segurança, disponibilidade e eficácia dos atos jurídicos constitutivos, translativos ou extintivos de direitos reais sobre imóveis e atividades correlatas, e do atendimento aos princípios da legalidade, disponibilidade, continuidade, especialidade, rogação, unitariedade, publicidade, prioridade, inscrição e presunção dos registros públicos, enverede o membro do Ministério Público atuante na corregedoria permanente na esfera ambiental.
4. Referido raciocínio não implica impossibilidade de o Promotor do Meio Ambiente postular extra ou judicialmente medidas cujos reflexos atinjam o registro de imóveis.
5. Conflito conhecido e dirimido, com determinação de prosseguimento da intervenção ministerial por parte do 1º Promotor de Justiça de Franco da Rocha.
Vistos,
1) Relatório.
Trata-se de procedimento administrativo inicialmente instaurado no Cartório de Registro de Imóveis de Franco da Rocha a fim de que JGF EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA apresentasse documentos relacionados ao loteamento JARDIM DOS ABREUS II, situado no município de Caieiras, nos termos do que preceitua a Lei n. 6.766/79.
Ocorre que, no curso do procedimento, membros do COMCID apresentaram impugnação ao empreendimento, sob o argumento de que o loteamento não poderia ter sido aprovado sem o estudo de impacto de vizinhança (fls. 390/391).
Assim é que o Oficial do Cartório de Registro de Imóveis de Franco da Rocha enviou os autos ao juiz corregedor para decisão, consoante preceitua o § 1º do art. 19 da Lei n. 6.766/79.
De plano, abriu-se vista ao membro do Ministério Público
com atribuição na seara da Corregedoria Permanente dos Serviços de Registro de Imóveis, o qual
propugnou pelo indeferimento do registro do loteamento até que fosse
providenciado estudo de impacto de vizinhança (fls. 539/542).
Acolhendo
o parecer ministerial, o juiz oficiante julgou improcedente o pedido de providências
e indeferiu o registro do loteamento (fls. 555/556).
Após
a decisão judicial, o empreendedor providenciou o mencionado estudo (fls.
568/883), levando a Promotora de Justiça que até então oficiava no procedimento
a concordar com o deferimento do pedido de registro. Porém, acrescentou que não
caberia a ela analisar o mérito de mencionado estudo “sendo tal atribuição
cabível ao Promotor de Justiça com atuação na área de Meio Ambiente e
Urbanismo” (fl. 884).
Não
concordando com a remessa, a Promotora de Justiça de Franco da Rocha com
atribuição na área ambiental suscitou conflito negativo de atribuições (fls.
888/891).
É o relato do essencial.
2) Fundamentação.
Está
configurado, no caso, o conflito de atribuições.
Isso
decorre do posicionamento de diversos órgãos de execução do Ministério Público,
quando “(a) dois ou mais deles
manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias
atribuições, em exclusões às de outro membro (conflito positivo); (b) ao menos
um membro negue a própria atribuição funcional e a atribua a outro membro, que
já a tenha recusado (conflito negativo)” (cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime Jurídico do Ministério Público,
6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 486/487). No mesmo sentido Emerson Garcia,
Ministério Público, 2ª ed., Rio de
Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196/197.
Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23ª ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11ª ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.
Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de
determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no
direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe
Chiovenda (Princípios de derecho procesal
civil, t.I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto
Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e
Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certa investigação também não parta de elementos do caso concreto, ou seja, seu objeto.
É fato que o Ato n. 117/2008 – PGJ, de 26 de setembro de 2008, fixou as atribuições da suscitada (1ª PJ de Franco da Rocha) e da suscitante (5ª PJ de Franco da Rocha), a saber:
“1º
PROMOTOR DE JUSTIÇA:
a)
feitos das 1ª e 2ª Varas Cíveis:
b)
feitos do Juizado Especial Cível;
c)
Direitos humanos com abrangência na defesa do Idoso e Saúde Pública;
d) Corregedoria Permanente dos Serviços de
Registro de Imóveis;
e)
Corregedoria Permanente dos Serviços de Registro Civil;
f)
atendimento ao público.
(...)
5º PROMOTOR DE JUSTIÇA:
a)
feitos da Vara Criminal, nos finais pares;
b)
feitos do Juizado Especial Criminal, nos finais ímpares;
c) Meio Ambiente;
d)
Habitação e Urbanismo;
e)
atendimento ao público.
(republicado
por necessidade de retificação DOE de 27/09/2008)
Não se deve descurar que a intervenção ministerial ocorrerá em registro de loteamento, disciplinado pelos arts. 18 e seguintes da Lei n. 6.766/79. Os autos foram encaminhados ao juiz corregedor permanente para decisão por conta da impugnação ofertada.
À luz desse quadro, com o devido respeito ao entendimento da suscitada, não se pode sustentar que a análise do estudo de impacto de vizinhança estaria afastada de suas atribuições. Ao contrário, cada vez mais o direito registral se cerca de assuntos ambientais.
Registre-se
que a Carta de Montevidéu, resultante
do encontro intitulado “Registro y desarrollo Sostenible: Crecimiento
económico ordenado y ordenación del territorio como factores esenciales para la
estabilidad social” dispôs que os serviços registrais podem colaborar no âmbito
do desenvolvimento sustentável “controlando que los planes
urbanísticos y los códigos de construcción , la constitución
y desarrollo de las explotaciones agrarias , industriales,
comerciales, la ampliación de zonas de cultivo, las labores de
regeneración de terrenos (repoblación forestal , reconstrucción por
inundaciones, sismos , incendios u otros desastres de origen natural o
artificial , rotación de cultivos, descontaminación del suelo), el uso y
aprovechamiento del suelo ( rústico, espacios protegidos, reservas naturales, …
) y subsuelo se realiza según la normativa vigente, se corresponde a
los diferentes tipos de suelo establecidos en el planeamiento
y en título público presentado al efecto en el registro” (disponível em http://www.cadri.org/carta-de-montevideo-uruguay.
Acesso em: 22.01.2015).
Veja-se que, na sistemática paulista, entre os atos
averbáveis na matrícula dos imóveis estão, segundo o art. 11, alínea “b”, do
Capítulo XX, das Normas de Serviço da
Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo, o vínculo de área à Cota de
Reserva Ambiental; o instrumento
ou termo de instituição da servidão ambiental; o número de inscrição do imóvel
rural no Cadastro Ambiental Rural; a informação de classificação da área, pela
CETESB, como Área Contaminada sob Investigação (ACI); a informação de
classificação da área, pela CETESB, como Área Contaminada com Risco Confirmado
(ACRi); a informação de classificação da área, pela CETESB, como Área
Reabilitada para o Uso Declarado (AR).
Acrescente-se que o art. 125 das mesmas normas reza que poderão ser averbados: a) os termos de responsabilidade de preservação de reserva legal emitidos pelo órgão ambiental competente; b) o número de inscrição no Sistema de Cadastro Ambiental Rural do Estado de São Paulo (SICAR-SP), enquanto não implantado, por ato do Ministro de Estado do Meio Ambiente, o Cadastro Ambiental Rural (CAR); c) o número de inscrição no CAR, enquanto não decorrido o prazo estabelecido no § 3.º do artigo 29 da Lei n.º 12.651, de 25 de maio de 2012, a partir do qual a averbação passará a ser obrigatória.
A propósito, no registro do projeto de regularização fundiária avultam questões ambientais, sendo certo que o Ministério Público será ouvido em mais de uma oportunidade (Prov. CG 18/2014).
Enfim,
não carece de muito esforço para perceber que cedo ou tarde surgirão dúvidas
(diretas ou inversas) acerca do assunto. E aí cabe a indagação: quem funcionará
em referidos procedimentos? O Promotor de Justiça que atua como fiscal das
serventias imobiliárias ou o Promotor de Justiça do Meio Ambiente?
Quer-nos
parecer que a matéria, embora intrincada, com reflexos nas duas esferas, melhor
se cinge à sistemática registral.
Nada impede que ao lado da proteção à autenticidade, publicidade, segurança, disponibilidade e eficácia dos atos jurídicos constitutivos, translativos ou extintivos de direitos reais sobre imóveis e atividades correlatas, bem como do atendimento aos princípios endonormativos da legalidade, disponibilidade, continuidade, especialidade, rogação, unitariedade, publicidade, prioridade, inscrição e presunção, enverede o membro do Ministério Público com atribuição na área de registros público na esfera ambiental.
Por certo que não se mostraria adequado o encaminhamento dos autos a outro membro sempre que se fizesse necessário o enfrentamento de temas ambientais.
Isso não quer dizer que não possa o Promotor do Meio Ambiente postular extra ou judicialmente medidas cujos reflexos atinjam o âmbito das serventias registrarias.
A intervenção do Ministério Público, à luz do art. 19, § 2º, da Lei n. 6.766/79, tem como objetivo verificar, no processo administrativo de aprovação e registro de loteamento, o cumprimento das exigências legais, que mesmo tendo natureza urbanística ou ambiental, dizem respeito à regularidade do serviço de registros públicos, o que é matéria de atribuição do Promotor de Justiça que atua perante o respectivo juízo corregedor.
Destarte, à luz dos elementos especificamente colhidos nesse procedimento, pode-se concluir que o feito deve seguir sob a presidência da suscitada.
3. Decisão.
Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, declarando caber ao 1º Promotor de Justiça de Franco da Rocha prosseguir na investigação, em seus ulteriores termos.
Publique-se. Comunique-se. Registre-se. Restituam-se os autos.
Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.
São
Paulo, 3 de fevereiro de 2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça