Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 5.580/2015

Protocolado nº 38.0723.0006861/2014-2

Suscitante: 4º Promotor de Justiça de Piracicaba (atribuição criminal)

Suscitada: Promotoria Cível de Piracicaba

 

Ementa:

1)   Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 4º Promotor de Justiça de Piracicaba (atribuição criminal). Suscitada: Promotoria de Justiça Cível de Piracicaba.

2)   Cópia de Ação Cautelar Inominada encaminhada pelo Juiz da Vara da infância e da Juventude à Promotoria de Justiça Cível para apuração de irregularidades em entidade de atendimento da área da Infância e da Juventude.

3)   Objeto da provocação endereçada ao MP, nos termos do art. 7º da Lei nº 7.347/85, limitado às irregularidades na esfera não criminal, relacionadas à entidade de atendimento.

4)   Atribuição da Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude, em decorrência do disposto no art. 201, XI, da Lei nº 8.069/90.

5)   Conflito conhecido e dirimido, determinando-se o prosseguimento da investigação sob a presidência da Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude de Piracicaba.

 

 

Vistos,

1) RELATÓRIO

Tratam estes autos de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 4º Promotor de Justiça de Piracicaba (atribuição criminal), e como suscitada a Promotoria de Justiça Cível de Piracicaba.

O expediente foi instaurado por força do encaminhamento à Promotoria de Justiça de Piracicaba, pelo MM. Juiz de Direito da Vara da Infância e da Juventude daquela cidade e comarca, de cópias da Ação Cautelar Inominada nº 2050024-57.2010.8.26.0451, proposta pela instituição denominada “LAR DE NUTRIÇÃO À INFÂNCIA SOUZA ANDRADE – LANISA”, figurando como requerido o CONSELHO MUNICIPAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE DE PIRACICABA.

O expediente foi inicialmente direcionado, pelo MM. Juiz, à Promotoria de Justiça Cível de Piracicaba.

O DD. Promotor de Justiça Secretário da Promotoria de Justiça Cível de Piracicaba determinou a remessa dos autos à Promotoria Criminal, salientando, em suma, que os fatos a serem investigados estão relacionados à entidade privada, e que não há nenhuma informação ou indício de lesão ao patrimônio público (fls. 02).

Anote-se que antes da remessa dos autos à Promotoria Criminal pela Secretaria da Promotoria de Justiça Cível de Piracicaba, a DD. Promotora de Justiça da Infância e da Juventude daquela comarca anotou que a finalidade do expediente é a “apuração de desvio de verba pública e lesão ao Fisco”, sugerindo a remessa à Promotoria Criminal ou ao Promotor com atribuição na área de Improbidade Administrativa (fls. 03).

O suscitante, DD. 4º Promotor de Justiça de Piracicaba (atribuição criminal), por sua vez, provocou a instauração do conflito negativo, salientando, em síntese, que a atribuição para a análise do caso é da Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude, não havendo, ao menos no momento, nenhuma indicação da ocorrência de infração penal (fls. 518 e ss.)

É o relato do essencial.

2) FUNDAMENTAÇÃO

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Como já relatado, o presente expediente foi instaurado por força do encaminhamento ao Ministério Público, pelo MM. Juiz da Infância e da Juventude de Piracicaba, de cópias da Ação Cautelar Inominada nº 2050024-57.2010.8.26.0451, proposta pela instituição denominada “LAR DE NUTRIÇÃO À INFÂNCIA SOUZA ANDRADE – LANISA”, figurando como requerido o CONSELHO MUNICIPAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE DE PIRACICABA.

Ao determinar a extração de cópias do feito e seu encaminhamento ao MP, o MM. Juiz formulou as seguintes indicações, cf. fls. 515/516:

“(...)

Por outro lado, no entanto, considerando o teor dos relatórios apresentados pela equipe técnica do NAT, que apontam a possível utilização indevida do caráter assistencial da entidade autora para captação de recursos, os quais, inclusive, podem estar sendo contabilizados de forma conjunta com verbas outras, afetas à atividade privada de sua responsável legal, reputo conveniente seja requisitada à Receita Federal que realize uma fiscalização em sua vida contábil, enviando, sem prejuízo, cópia das principais peças processuais também à Secretaria da Promotoria de Justiça Cível desta Comarca, para que o Promotor de Justiça responsável por essa área promova o adequado exame sobre as irregularidades apontadas.

(...)

Outrossim, encaminhe-se cópia das principais peças processuais e dos documentos juntados (relatórios, balancetes, planos de ação, prestação de contas, etc.) à Receita Federal e à Secretaria da Promotoria de Justiça Cível desta Comarca para exame quanto às possíveis irregularidades afetas à captação de doações, escrituração e declaração dessas verbas ao Fisco, bem como quanto à eventual confusão patrimonial entre as receitas auferidas pela atividade assistencial e a atividade econômica privada exercida pela responsável legal pela entidade autora.

(...)” (g.n.)

Observe-se que o expediente, portanto, foi encaminhado ao MP, pelo Juízo da Infância e da Juventude, não para fins de apuração de infração penal, mas sim com a finalidade de apuração da existência de irregularidades na entidade de atendimento que figurou como autora da aludida Ação Cautelar Inominada.

Valeu-se o Magistrado do disposto no art. 7º da Lei nº 7.347/85, pelo qual, no exercício de suas funções, pode o Juiz, tomando conhecimento de “fatos que possam ensejar a propositura da ação civil”, remeter “peças ao Ministério Público para as providências cabíveis”.

Esse, portanto, é o objeto do presente expediente, formado a partir de iniciativa judicial: apurar, na esfera cível, a ocorrência de irregularidades na entidade de atendimento atuante na área da Infância e da Juventude, conforme noticiado na sentença, com a possibilidade de ulterior desfecho da investigação em promoção do arquivamento, ajuizamento de ação civil pública, ou mesmo elaboração de termo de ajustamento de conduta.

Não é objeto do expediente, portanto – ao menos por ora – a apuração de infração penal, embora nada impeça que, futuramente, identificando-se nos autos indícios da prática de crimes, o órgão de execução que atua na esfera cível realize o encaminhamento de cópias à Promotoria Criminal para investigação específica.

Por essas razões será acolhido o conflito negativo de atribuição suscitado pelo DD. 4º Promotor de Justiça Criminal de Piracicaba, determinando-se a devolução dos autos à Secretaria da Promotoria de Justiça Cível daquela cidade, para prosseguimento.

Observo que a apuração de irregularidades na entidade de atendimento é atribuição conferida ao MP, nos termo do art. 201, XI da Lei nº 8.069/90, cabendo, na hipótese em exame, à DD. Promotora de Justiça da Infância e da Juventude presidir tal investigação.

3) DECISÃO

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber à Promotoria de Justiça Cível de Piracicaba a atribuição para prosseguir na apuração dos fatos, através do órgão de execução atuante na área da Infância e da Juventude.

Publique-se a ementa.

Comunique-se.

Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 22 de janeiro de 2015.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

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