Conflito de Atribuições –
Cível
Protocolado
n. 6.384/16
Suscitante: 2º Promotor de Justiça de São Vicente (Saúde Pública)
Suscitado: 11º Promotor de Justiça de São Vicente (Pessoa com Deficiência)
Ementa: Conflito
negativo de atribuições. Representação.
Pessoa com deficiência. Interrupção do fornecimento de medicamento pela rede
pública de saúde. Recusa fundada na idade do usuário. Arquivamento da
representação ordenado pelo Promotor de Justiça da Pessoa com Deficiência, com
remessa de peças ao Promotor de Justiça da Saúde Pública. Serviço público de
saúde. Funcionamento irregular. Atribuição do Promotor de Justiça da Saúde
Pública. 1. A decisão de arquivamento do inquérito civil ou de indeferimento de
representação tem como pressuposto a atribuição para procedê-la, sendo defeso o
exame de seus motivos em conflito de atribuição. 2. Autismo é deficiência (art. 1º, § 2º, Lei n. 12.764/12). 3. Arquivamento decorrente de
indeferimento de representação objetivando fornecimento de medicamento para
pessoa com deficiência porque alcançou a maioridade, fundado na ilegitimidade
ativa do Ministério Público para defesa de interesse individual de pessoa com
deficiência. 4. Remessa de peças
pelo Promotor de Justiça da Pessoa com Deficiência ao Promotor de Justiça da
Saúde Pública que não pode ter como objeto a pretensão atomizada contida na
representação, mas, a investigação a título coletivo da negativa de dispensa de
medicamentos pelo serviço público de saúde, pois, se o suscitado arquivou o
expediente presume-se que não declinou de suas atribuições. 5. Atribuição do suscitante (Promotor
de Justiça da Saúde Pública).
Os ilustres Promotores de
Justiça de São Vicente controvertem sobre a atribuição para o processamento de
representação endereçada por Patrícia Soares Flores contendo notícia da
interrupção do fornecimento de medicamento pela rede pública de saúde em prol
de pessoa com deficiência, seu filho Alef Flores Reynaldo.
O
suscitado, 11º Promotor de Justiça de São Vicente (Pessoa com Deficiência),
assinalando que o Ministério Público “não tem legitimidade para obrigar o
fornecimento de medicamento somente pelo fato de o representante ser pessoa
autista” e observando que as “dificuldades estariam relacionadas à deficiência
no fornecimento de medicamentos, e não à condição de autista do representante”
para reputar a atribuição do 2º Promotor de Justiça de São Vicente (Saúde
Pública), indeferiu a representação e determinou seu arquivamento, remetendo
cópia ao suscitante (fls. 28/31).
O
suscitante diverge narrando, entre outros argumentos, se tratar de pessoa
deficiente e articulando não se tratar de falta de medicamento, mas, de
hipótese veiculando “interesse preponderante dos deficientes de um modo geral,
de terem acesso a políticas e ações públicas, inclusive dispensação de
medicamentos, se o caso, voltadas especificamente para sua condição” (fls.
02/03).
É
o relatório.
Segundo
a representação, o serviço público de saúde se nega ao fornecimento do remédio
porque, não obstante deficiente o beneficiário, adquiriu a capacidade civil.
Observo,
inicialmente, que a decisão de arquivamento do inquérito civil ou de
indeferimento de representação tem como pressuposto a atribuição do subscritor
da respectiva promoção, como decidido outrora:
“Conflito
negativo de atribuições. Idoso. Tratamento de saúde. Indeferimento da
representação. Remessa de peças. Conflito não conhecido. 1. O indeferimento de representação tem
como pressuposto a atribuição para procedê-la. 2. Descabe no âmbito de conflito de atribuições apreciar os motivos
do indeferimento liminar de representação ou do arquivamento de inquérito
civil. 3. Como a representação foi
indeferida, a atribuição não foi recusada pelo suscitado que, em atenção a
precedente (Protocolado n. 158.714/10), provocou com a remessa de cópias a
atribuição do Promotor de Justiça encarregado da saúde pública para aquilatar
eventual projeção coletiva do funcionamento do serviço público. 4. Conflito não conhecido” (Protocolado
n. 38.162/14).
Esse
decisum tem a seguinte fundamentação:
“1. Patrícia Soares Flores representou à douta Promotoria de Justiça de São Vicente para o atendimento prioritário em hospital municipal em favor da idosa Maria Aparecida Brasil Breno que, encontrando-se internada, carece de intervenção cirúrgica não realizada por falta de especialista (cirurgião ortopédico).
2. O douto 11º Promotor de Justiça – com atribuição em matéria de idoso – indeferiu a representação e remeteu peças ao ilustre 2º Promotor de Justiça – competente para saúde pública – louvando precedente (fls. 07/11).
3. O digno 2º Promotor de Justiça instaurou inquérito civil para apuração de irregularidades na prestação do serviço público de saúde no hospital municipal da cellula mater da brasilidade (fls. 20/27), e suscitou conflito negativo de atribuições com lastro nos arts. 3º, VIII, e 43, I, da Lei n. 10.741/03 e no art. 438, V, do Manual de Atuação Funcional aprovado pelo Ato Normativo n. 675/10 (fls. 14/18).
4. Atendendo diligência (fls. 28/29), colheu-se que a representante foi intimada do indeferimento da representação e não recorreu (fls. 32/47).
5. É o relatório.
6. Como já decidido, ‘o indeferimento de representação tem como pressuposto a atribuição para procedê-la’ (Protocolado n. 24.454/14).
7. Descabe no âmbito de conflito de atribuições apreciar os motivos do indeferimento liminar de representação ou do arquivamento de inquérito civil.
8. Como a representação foi indeferida, a atribuição não foi recusada pelo suscitado que, em atenção a precedente (Protocolado n. 158.714/10), provocou com a remessa de cópias a atribuição do Promotor de Justiça encarregado da saúde pública para aquilatar eventual projeção coletiva do funcionamento do serviço público.
9. E o douto suscitante ao instaurar inquérito civil (fls. 20/27) não aceitou a atribuição alheia porque o objeto de sua investigação é o serviço em si, abstrata e genericamente considerado”.
Como
assinalado em outro precedente:
“9. Tecnicamente, não há lugar para declinação de atribuição quando o decisum promove o indeferimento liminar de representação. Um exclui o outro: o indeferimento de representação tem como pressuposto a atribuição para procedê-la” (Protocolado n. 24.454/14).
É
certo, ainda, que como decidido em oportunidade precedente:
“4. Deficiência não é doença. A deficiência intelectual (ou mental) consiste em limitação ao desenvolvimento das funções necessárias para compreensão e interação com o meio, conforme catalogado com maior objetividade no Decreto n. 3.298/99, enquanto no transtorno mental – que é doença – há a existência das funções que, todavia, são comprometidas por fenômenos psíquicos aumentados ou anormais.
5. Transtorno de personalidade com instabilidade emocional caracteriza doença, e não deficiência, e, portanto, a tutela dos interesses de pessoa que dela padece compete ao Promotor de Justiça de Saúde Pública, na conformidade dos seguintes precedentes:
‘1. Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 2º Promotor de Justiça de São Vicente, em exercício (Saúde Pública). Suscitado: 11º Promotor de Justiça de São Vicente (Pessoa Portadora de Deficiência).
2. Representação encaminhada ao Ministério Público para providências relacionadas a acompanhamento médico e psicológico de determinada pessoa, em virtude de diversos problemas, principalmente de transtorno psiquiátrico. Informações contidas no expediente que sinalizam para a prevalência, no que diz respeito à situação da paciente, de dificuldades decorrentes de sua condição psiquiátrica, e não de deficiência intelectual.
3. Investigação afeta à área da Saúde Pública.
4. A intervenção da Promotoria de Justiça na área de Proteção à Pessoa com Deficiência dar-se-á em casos de funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como: (a) comunicação; (b) cuidado pessoal; (c) habilidades sociais; (d) utilização da comunidade; (d) utilização dos recursos da comunidade; (e) saúde e segurança; (f) habilidades acadêmicas; (g) lazer; e (h) trabalho. Inteligência do inciso IV do IV do art. 4º do Decreto n. 3.298, de 20 de dezembro de 1999, responsável por regulamentar a Lei n. 7.853, de 24 de outubro de 1989, que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência. Nas hipóteses de transtorno mental, a atribuição fica reservada à seara da Saúde Pública.
5. Conflito conhecido e dirimido, cabendo ao suscitante prosseguir na investigação’ (Protocolado n. 28.667/14).
‘1. Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 23º Promotor de Justiça de Santos (Pessoa Portadora de Deficiência). Suscitado: 18º Promotor de Justiça de Santos (Saúde Pública).
2. Investigação afeta à área da Saúde Pública. A intervenção da Promotoria de Justiça na área de Proteção à Pessoa com Deficiência dar-se-á em casos de funcionamento intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como: (a) comunicação; (b) cuidado pessoal; (c) habilidades sociais; (d) utilização da comunidade; (d) utilização dos recursos da comunidade; (e) saúde e segurança; (f) habilidades acadêmicas; (g) lazer; e (h) trabalho. Inteligência do inciso IV do IV do art. 4º do Decreto n. 3.298, de 20 de dezembro de 1999, responsável por regulamentar a Lei n. 7.853, de 24 de outubro de 1989, que dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência. Nas hipóteses de doença mental, a atribuição fica reservada à seara da Saúde Pública.
3. Conflito conhecido e dirimido, cabendo à suscitada prosseguir na investigação’ (Protocolado n. 71.241/14)” (Protocolado n. 23.191/15).
Portanto,
se o suscitado indeferiu a representação arquivando o expediente presume-se que
ele não declinou de sua atribuição de defesa das pessoas com deficiência.
Não
se discute nesta sede – restrita à solução de dissenso de atribuições entre
membros do Parquet – se os motivos
que foram adotados para indeferir a representação são válidos, como acima se
observou.
Ora,
centralizando a decisão respectiva na falta de legitimidade do Ministério
Público (fl. 30) “para obrigar o fornecimento de medicamento somente pelo fato
de o representante ser pessoa autista”, como asseverou o suscitado (fl. 28), é
de se inferir que a remessa de peças ao suscitante se deve à “deficiência no
fornecimento de medicamentos” (fl. 29), pois, enfatizou que “o que se busca é
prestação de serviço público de saúde, pois o que se pretende é o fornecimento
de medicamentos, e não a defesa de interesses inerentes à pessoa portadora de
deficiência” (fl. 30), embora enuncie o § 2º do art. 1º da Lei n. 12.764/12
que:
“A pessoa com
transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos
os efeitos legais”.
Não
se deve olvidar, aliás, que, como também decidido:
“4. Retardo mental não é transtorno mental, constituindo deficiência.
5. A deficiência intelectual (ou mental) consiste em
limitação ao desenvolvimento das funções necessárias para compreensão e
interação com o meio, conforme catalogado com maior objetividade no Decreto n.
3.298/99, enquanto no transtorno mental há a existência das funções que,
todavia, são comprometidas por fenômenos psíquicos aumentados ou anormais.”
(Protocolado n. 106.402/14).
Muito
embora dos autos não se capte que a recusa se deva em razão da condição de
pessoa com deficiência - senão porque o usuário do serviço público de saúde “é
maior de idade” e deve “procurar a cidade de Santos e entrar com processo para
que seja fornecido pelo AME”, conforme a representação (fl. 05) – presume-se
que a remessa foi ordenada para esse escopo específico, ou seja, investigar a
negativa de dispensa de medicamentos pelo serviço público de saúde em razão de
critério etário a título coletivo (abstraída a pretensão atomizada de direito
individual indisponível, cuja solução se situa na esfera da competência
revisora do egrégio Conselho Superior), e que se situa no plexo de atribuições
do suscitante.
Em
suma, a remessa de peças pelo Promotor de Justiça da Pessoa com Deficiência ao
Promotor de Justiça da Saúde Pública que não pode ter como objeto a pretensão
individual contida na representação, mas, a investigação a título coletivo do
mau funcionamento do serviço público de saúde.
Face ao exposto, conheço do presente conflito
negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115, da Lei Orgânica
Estadual do Ministério Público, declarando
caber ao suscitante, 2º Promotor de Justiça de São Vicente, a atribuição
para oficiar nos autos.
Publique-se
a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se o encaminhamento dos
autos. Remeta-se cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e
de Tutela Coletiva.
Encaminhe-se
cópia desta decisão ao egrégio Conselho Superior para conhecimento.
São
Paulo, 20 de janeiro de 2016.
Márcio Fernando
Elias Rosa
Procurador-Geral
de Justiça
wpmj