Conflito de Atribuições – Cível
Protocolado nº 0007163/15
Suscitante: 19º Promotor de Justiça de Santos (Consumidor)
Suscitado: 12º Promotor de Justiça de Santos (Patrimônio Público)
Ementa:
1. Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 19º Promotor de Justiça de Santos (Consumidor). Suscitado: 12º Promotor de Justiça de Santos (Patrimônio Público).
2. Investigação acerca de “problemas técnicos e sociais na Execução do Programa Acessa SP, em particular na Sala Acessa SP do Poupa Tempo Santos”. Inexistência de relação de consumo. Não se aplica o regramento protetivo do consumidor quando o serviço público é ofertado “uti universi”. A relação de consumo estaria atrelada à remuneração (direta ou indireta) dos serviços, o que evidentemente afasta sua incidência no caso dos serviços públicos gratuitos, ofertados à população sem contraprestação e remunerados por meio de tributos. Eventualmente, quando existente relação contratual, de rigor a caracterização de relação de consumo, como ocorre nos serviços públicos de fornecimento de energia elétrica, telefonia, transporte público, entre outros. O que não é o caso dos autos. Precedente do STJ: REsp 493.181/SP, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/12/2005, DJ 01/02/2006, p. 431
3. Conflito conhecido e dirimido, determinando-se o prosseguimento da investigação sob a presidência do suscitado.
1) Relatório
Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 19º Promotor de Justiça de Santos (Consumidor) e como suscitado o DD. 12º Promotor de Justiça de Santos (Patrimônio Público), relativamente ao feito em epígrafe.
Iniciou-se o
procedimento a partir de representação encaminhada por meio eletrônico à
Promotoria de Justiça Cível de Santos, na qual se postula a intervenção do
Ministério Público para investigar “problemas técnicos e sociais na Execução do
Programa Acessa SP, em particular na Sala Acessa SP do Poupa Tempo Santos” (fl.
14). Segundo o autor da representação, há risco de violação da privacidade, bem
como existem problemas relacionados à qualidade dos serviços prestados.
O 12º Promotor de
Justiça de Santos, que tem atribuições para a defesa do patrimônio público, determinou
o encaminhamento da representação à Promotoria de Justiça do Consumidor, argumentando
o seguinte: “Evidencia-se pelos fatos narrados pelo representante, a relação de
consumo existente entre aquele que adquire ou utiliza produto ou serviço como
consumidor final e o fornecedor, que frisa-se pode ser pessoa jurídica de
direito público ou privado, no caso o Estado de São Paulo” (fls. 10/13).
O 19º Promotor de
Justiça de Santos, com atribuições na área do Consumidor, por sua vez, ao
receber o procedimento, suscitou conflito negativo de atribuições, arguindo, em
síntese, que “a inexistência de relação de consumo no serviço público oferecido
pelo Programa Acessa São Paulo retira da Promotoria de Defesa do Consumidor a
atribuição para atuar no caso sob exame.” (fls 02/07).
É o relato do
essencial.
2) Fundamentação
É possível
afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser
conhecido.
Como anota a
doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando
“dois ou mais órgãos de execução do
Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de
determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo
aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p.
196).
Como se sabe, no
processo jurisdicional, a identificação do órgão judicial competente é extraída
dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador
estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio
Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São
Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56;
Patrícia Miranda Pizzol, A competência no
processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves,
Competência no processo civil, São
Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.
Esta ideia,
aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência
(objetivo, funcional e territorial), intuído no direito alemão por Adolf Wach e
sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose
Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e
Ora, se para a
identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada
demanda a lei processual estabelece, a
priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há
razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão
ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese
concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.
Pode-se, deste
modo, afirmar que a definição do membro do parquet
a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera
cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil
pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.
E no caso ora em
análise assiste razão ao suscitante.
Com efeito, não
se aplica o regramento protetivo do consumidor quando o serviço público é
ofertado uti universi, no qual se
inclui, evidentemente, o serviço de relacionado ao fomento da inclusão digital.
Assim, a solução
não poderia ser outra, senão a de que a atribuição é do suscitado, e não do
membro do Ministério Público com atribuição na seara consumerista.
Insta considerar
que a relação de consumo estaria atrelada à remuneração (direta ou indireta)
dos serviços, o que evidentemente afastaria sua incidência no caso dos serviços
públicos gratuitos, ofertados à população sem contraprestação e remunerados por
meio de tributos.
Eventualmente,
quando existente relação contratual, de rigor a caracterização de relação de
consumo, como ocorre nos serviços públicos de fornecimento de energia elétrica,
telefonia, transporte público, entre outros. Nesse sentido, confira-se a
orientação do STJ:
“PROCESSUAL
CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXCEÇÃO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO INDENIZATÓRIA. PRESTAÇÃO
DE SERVIÇO PÚBLICO. AUSÊNCIA DE REMUNERAÇÃO. RELAÇÃO DE CONSUMO
NÃO-CONFIGURADA. DESPROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL.
1. Hipótese
de discussão do foro competente para processar e julgar ação indenizatória
proposta contra o Estado, em face de morte causada por prestação de serviços
médicos em hospital público, sob a alegação de existência de relação de
consumo.
2. O conceito
de "serviço" previsto na legislação consumerista exige para a sua
configuração, necessariamente, que a atividade seja prestada mediante
remuneração (art. 3º, § 2º, do CDC).
3. Portanto,
no caso dos autos, não se pode falar em prestação de serviço subordinada às
regras previstas no Código de Defesa do Consumidor, pois inexistente qualquer
forma de remuneração direta referente ao serviço de saúde prestado pelo
hospital público, o qual pode ser classificado como uma atividade geral
exercida pelo Estado à coletividade em cumprimento de garantia fundamental
(art. 196 da CF).
4. Referido
serviço, em face das próprias características, normalmente é prestado pelo
Estado de maneira universal, o que impede a sua individualização, bem como a
mensuração de remuneração específica, afastando a possibilidade da incidência
das regras de competência contidas na legislação específica.
5. Recurso
especial desprovido.
(REsp
493.181/SP, Rel. Ministra DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/12/2005,
DJ 01/02/2006, p. 431).
Posto isso, no caso em
exame a atribuição para funcionar na investigação é do 12º Promotor de Justiça
de Santos.
3) Decisão
Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, DD. 12º Promotor de Justiça de Santos (Patrimônio Público), a atribuição para oficiar no procedimento investigatório.
Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.
Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.
São Paulo, 22 de janeiro de 2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
md