Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 9.094/17

Peça de Informação nº 66.0399.0001437/2016-9

Suscitante: 2º Promotor de Justiça de Presidente Venceslau

Suscitado: Promotor de Justiça do GAEMA – Núcleo Pontal do Paranapanema

 

 

Ementa:

1.      Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 2º Promotor de Justiça de Presidente Venceslau. Suscitado: Promotor de Justiça do GAEMA – Núcleo Pontal do Paranapanema.

2.      Representação. Notícia de danos ambientais por deposição de material terroso e posterior escoamento pluvial. Propriedades situadas na divisa dos Municípios de Marabá Paulista e Mirante do Paranapanema.

3.      Dano ambiental certo e localizado. Atribuição do Promotor de Justiça do Meio Ambiente local, em face da ausência de expansão transcendental e regional de dano que legitimasse a intervenção do GAEMA.

4.      Aplicação do critério da prevenção. No processo coletivo, a competência para julgamento da ação civil pública é do juízo de direito do foro do local do dano, nos termos do art. 2º da Lei nº 7.347/85. Porém, quando o dano coletivo se produz em mais de um foro, o parágrafo único do art. 2º da Lei da Ação Civil Pública indica a prevenção como critério de solução de dúvidas a respeito da competência. O critério da prevenção é aquele que melhor atende ao interesse geral relacionado à continuidade, à eficiência, e à eficácia da atividade ministerial, ao determinar o prosseguimento na investigação por parte do órgão que já diligenciou para a apuração dos fatos.

5.      Conflito conhecido e dirimido, declarando caber ao Promotor de Justiça de Mirante do Paranapanema, que recebeu a representação, realizar a investigação e prosseguir no feito.

 

Vistos,

1)  RELATÓRIO

Tratam estes autos de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 2º Promotor de Justiça de Presidente Venceslau e como suscitado o DD. Promotor de Justiça oficiante no GAEMA – Núcleo Pontal do Paranapanema.

O expediente foi inicialmente recebido pelo Promotor de Justiça de Mirante do Paranapanema, por meio de representação formulada pelo sr. Oswaldo Meredija, na qual informou possuir uma propriedade situada na divisa daquele Município e de Marabá Paulista. Afirmou que devidos às chuvas ocorridas na região, um grande volume de terra, escavada por seu vizinho e colocada na cerca de divisa das propriedades, escorreu para seu terreno, causando danos ambientais, destruição de curvas de nível e erosão do solo (fls. 04/11).

O expediente foi encaminhado ao 2º Promotor de Justiça de Presidente Venceslau, com atribuição para atuar no Município de Marabá Paulista, porquanto de acordo com vistoria realizada no local, as duas propriedades são separadas por uma estrada municipal e não obstante o terreno do representante esteja situado no Município de Mirante do Paranapanema, o terreno do autor do dano ambiental - no qual foram realizadas as obras que resultaram no escoamento -, está situado no Município de Marabá Paulista, pertencente àquela Comarca (fls. 35/36).

O 2º Promotor de Justiça de Presidente Venceslau, por sua vez, encaminhou a representação ao Núcleo do GAEMA, por considerar que “a questão ambiental suscitada envolve os municípios de Mirante do Paranapanema e Marabá Paulista” e que o referido Grupo de Atuação “detém atribuição para atuar em todas as comarcas da região, podendo eventualmente formalizar TAC com ambos os municípios envolvidos ou ajuizar ação civil pública” (fls. 39).

O Promotor de Justiça do GAEMA – Núcleo Pontal do Paranapanema, por sua vez, determinou a devolução à origem, considerando que “a despeito de haver indícios de certa divergência sobre estar a área do dano inserida em um ou outro município, nada há que caracterize o dano como de expressão regional”. Destacou, ainda, que a definição das atribuições do GAEMA se faz pelo disposto nos Atos Normativos nº 552/08 e 958/16, não vislumbrando, nesses termos, causa para atuação do grupo especial (fls. 42/43).

O 2º Promotor de Justiça de Presidente Venceslau suscitou conflito negativo de atribuições, aduzindo o seguinte:

Conforme documentação acostada aos autos, a má conservação das estradas rurais pelos municípios envolvidos (Marabá Paulista e Mirante do Paranapanema), associada ao tráfego e práticas inadequadas de manejo do solo, ocasionaram o surgimento de processos erosivos ao longo das vias, bem como em propriedades lindeiras (cf. fotografias).

É certo que os problemas relatados extrapolam os limites da Comarca de Presidente Venceslau (cf. fotografias de fls. 26/28), circunstância que enseja a atuação do GAEMA – Núcleo Pontal do Paranapanema, pois aquele órgão de execução detém atribuição para atuar em questões ambientais envolvendo os dois municípios citados, com adoção de medidas uniformes” (sic).

Asseverou, ainda, que nos termos do Ato Normativo nº 958/2016-PGJ, “a eleição de questões prioritárias que evoquem a atuação do GAEMA envolvem demandas ambientais que se apresentam de forma transcendental e regionalizada e, por consequência, indicam a atuação uniforme do Ministério Público desconsiderando, no caso, os limites tradicionais de divisão de atribuições em sentido territorial (comarca e foros)” (fls. 48/50).

2)  FUNDAMENTAÇÃO

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

No caso em exame, a vistoria realizada pelo Escritório de Defesa Agropecuária indicou que a deposição de terra no lado da “Fazenda Santa Marta” (situada em Marabá Paulista) fez com que as enxurradas se direcionassem totalmente para o outro lado da estrada, para o interior da “Estância Vale dos Sonhos” (situada em Mirante do Paranapanema), onde foram observados os danos erosivos do solo (fls. 18/23).

Não se pode, por essa razão, considerar que a atribuição para atuar no feito seja do Promotor de Justiça do GAEMA, não obstante os bem lançados argumentos do DD. Promotor de Justiça suscitante.

Não há dúvida de que, em conformidade com o Ato Normativo nº 552/2008, PGJ, de 04 de setembro de 2008, as atribuições executivas do GAEMA dizem respeito à sua atuação na defesa e proteção dos “bens ambientais eleitos como prioritários, mediante atuação integrada com o Promotor de Justiça Natural” (cf. art. 5º, a do Ato Normativo nº 552/2008).

Com efeito, a atuação do GAEMA requer que a demanda ambiental se apresente de forma transcendental e regionalizada, indicando a atuação uniforme do Ministério Público, desconsiderando os limites tradicionais de divisão de atribuições em sentido territorial (comarcas e foros).

É certo que não há dispositivos no ato regulamentar do GAEMA que fixem, de antemão, parâmetros para a definição inflexível das hipóteses que deverão ser indicadas como preferenciais quanto à sua atuação. Porém essa permeabilidade tem em vista o caráter transcendental das questões ambientais, a identidade de hipóteses de atuação e a necessidade de atuação integrada, coordenada e concentrada, bem como a necessidade de eleição de prioridades e metas que respeitem as peculiaridades locais e regionais, bem como o referido caráter transcendental da tutela ambiental.

Essas metas devem ser compreendidas em conformidade com a finalidade que inspirou a criação do GAEMA, ou seja, a necessidade de enfrentamento coordenado de casos que tenham dimensão que supere explícita ou implicitamente os limites territoriais da comarca em temas que sejam eleitos como prioritários.

Em outras palavras, observa-se que no caso em análise não está em evidência situação que recomende a atuação coordenada, em perspectiva que repercuta de forma diferenciada e transcendente, mas sim, ao que tudo indica, situação pontual e localizada que envolve duas propriedades, porquanto uma sofreu danos ambientais derivados do manejo do solo realizado na outra.

Ademais, não obstante haja notícia de que o trecho maior da estrada seja objeto de ação fiscalizatória, culminando na instauração de procedimento administrativo, pelo que se pode constatar da informação técnica de fls. 17/23 e das fotografias de fls. 06/11, os danos ambientais constatados nos autos se encontram em pequeno trecho da estrada municipal que divide os municípios e na propriedade “Estância Vale dos Sonhos” (lama introduzida no plantio de eucalipto, bacias secas inundadas, represa rompida).

Não se trata, portanto, de dano de envergadura e proporções que transcendam os limites territoriais dos municípios a ponto de determinar a atuação do GAEMA.

A atribuição para atuação no feito, portanto, é do Promotor de Justiça do Meio Ambiente local.

Resta, a seguir, apurar se a atribuição para atuação no feito é do suscitante, o DD. Promotor de Justiça de Presidente Venceslau - Comarca que abrange Marabá Paulista - ou do Promotor de Justiça de Mirante do Paranapanema, que primeiro recebeu a representação.

A questão se coloca porque a vistoria técnica de fls. 16/23  indicou que o local do dano corresponde a um ponto de depressão da topografia, para onde escorrem águas pluviais captadas por um trecho de 580 metros da estrada municipal, divisa dos municípios de Mirante do Paranapanema e Marabá Paulista.

Desse modo, não obstante a deposição de terra tenha sido feita na propriedade situada em Marabá Paulista, os danos erosivos no solo ocorreram na propriedade situada em Mirante do Paranapanema, por conta do escoamento ocasionado pela chuva.

Diante desse quadro, o critério para a solução do conflito é a prevenção. Até por analogia é possível chegar ao critério da prevenção.

Note-se que no processo coletivo a competência para julgamento da ação civil pública é do juízo de direito do foro do local do dano, nos termos do art. 2º da Lei nº 7347/85.

Porém, quando o dano coletivo se produz em mais de um foro, o parágrafo único do art. 2º da Lei da Ação Civil Pública indica a prevenção como critério de solução de dúvidas a respeito da competência.

Nesse sentido, anotam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional, São Paulo, RT, 2006, p. 483/484, nota nº 6 ao art. 2º da Lei da Ação civil Pública) que “Quando o dano ocorrer ou puder potencialmente ocorrer no território de mais de uma comarca, qualquer delas é competente para o processo e julgamento da ACP, resolvendo-se a questão do conflito da competência pela prevenção”.

Esse raciocínio é aplicável, analogicamente, para a solução de conflitos de atribuição entre órgãos administrativos.

Ademais, o critério da prevenção é aquele que melhor atende ao interesse geral relacionado à continuidade, à eficiência, e à eficácia da atividade ministerial, ao determinar o prosseguimento na investigação por parte do órgão que já diligenciou para a apuração dos fatos.

3) DECISÃO

Face ao exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições, e dirimo-o, com fundamento no art. 115, da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao Promotor de Justiça de Mirante do Paranapanema a atribuição para oficiar nos autos.

São Paulo, 10 de fevereiro de 2017.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

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