Conflito de Atribuições – Cível
Protocolado
nº 0009728/15
(MP:
43.0161.0001436/2014-4)
Suscitante:
4º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital
Suscitado:
28º Promotor de Justiça da Capital, no exercício das funções do 4º Promotor de
Justiça do Consumidor da Capital
Ementa:
1. Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 4º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital. Suscitado: 28º Promotor de Justiça da Capital, no exercício das funções do 4º Promotor de Justiça do Consumidor da Capital.
2.
Prestação de serviços públicos de transporte em condições
inadequadas. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor - CDC. Conceito de
consumidor e fornecedor de serviços. Direitos dos consumidores em relação aos
serviços públicos. Obrigações dos órgãos públicos, por si ou por suas empresas,
de fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais,
contínuos.
3. Conflito conhecido e dirimido. Atribuição do suscitado.
Vistos.
1)
Relatório
Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 4º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, e como suscitado o 28º Promotor de Justiça da Capital, no exercício das funções do 4º Promotor de Justiça do Consumidor da Capital.
Consta dos autos que
determinado usuário do transporte público encaminhou reclamação sobre as
condições dos serviços prestados: demora, supressão de linhas e falta de
segurança. A representação foi envidada ao Centro de Apoio Cível – Consumidor
–, que encaminhou à Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor.
Ocorre que o DD.
Promotor de Justiça no exercício das atribuições da Promotoria de Justiça do
Consumidor entendeu que não tem atribuição para atuar no caso e afirmou a
atribuição da Promotoria da Habitação e Urbanismo.
Ao receber o
procedimento, o DD. 4º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital
suscitou o conflito de atribuições, destacando que “o objeto da representação
por ausência ou ineficiência de um serviço essencial é atribuição da Promotoria
de Justiça do Consumidor”.
É o relato do essencial.
2) Fundamentação
É possível afirmar que o
conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.
Como anota a doutrina
especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do
Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de
determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo
aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p.
196).
Como se sabe, no
processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída
dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador
estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio
Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São
Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56;
Patrícia Miranda Pizzol, A competência no
processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves,
Competência no processo civil, São
Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.
Esta ideia, aliás,
estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo,
funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e
sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose
Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e
Ora, se para a
identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada
demanda a lei processual estabelece, a
priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há
razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão
ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese
concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.
Pode-se, deste modo,
afirmar que a definição do membro do parquet
a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação ou ação na
esfera cível deve levar em consideração os dados do caso concreto.
Pois bem.
Como se sabe, por força dos arts. 2º e 3º do CDC, qualifica-se como consumidor aquele que adquire ou utiliza produto ou serviço como consumidor final; enquanto a qualidade de fornecedor deve ser identificada na situação daquele que desenvolve atividades produtivas, comerciais e de prestação de serviços, nas diversas modalidades indicadas exemplificativamente na Lei nº 8.078/90.
Além disso, ao
tratar da delimitação da ideia de serviço, o § 2º do art. 3º do CDC, utilizando
definição propositalmente vaga, que pode ser assimilada à hipótese de conceito
jurídico indeterminado, afirma que “serviço
é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração,
inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo
as decorrentes das relações de caráter trabalhista”.
Não deve haver dúvida de
que a melhor exegese dos conceitos de consumidor, fornecedor, produto, serviço
e relação de consumo, deve ser a mais aberta e abrangente possível, de sorte a
estender a proteção que pode ser extraída da legislação específica, e não restringi-la
indevidamente.
A amplitude da proteção
decorrente do Código do Consumidor, que parte da premissa da largueza dos
respectivos conceitos, encontra-se também assente na doutrina. José Geraldo
Brito Filomeno, por exemplo, demonstra essa tendência exegética, ao formular
considerações sobre o conceito de consumidor:
“(...) abstraídas todas as
conotações de ordem filosófica, tão-somente econômica, psicológica ou
sociológica, e concentrando-nos basicamente na acepção jurídica, vem a ser
qualquer pessoa física que, isolada ou coletivamente, contrate para consumo
final, em benefício próprio ou de outrem, a aquisição ou a locação de bens, bem
como a prestação de serviços. Além disso, há
que se equiparar o consumidor a coletividade que, potencialmente, esteja
sujeita ou propensa à referida contratação. Caso contrário, se deixaria à
própria sorte, por exemplo, público-alvo de campanhas publicitárias enganosas
ou abusivas, ou então sujeito ao consumo de produtos ou serviços perigosos ou
nocivos à sua saúde ou segurança” (Manual
de Direitos do Consumidor, 9ªed., São Paulo, Atlas, 2007, p.23, g.n.).
No mesmo sentido,
merecem conferência as considerações lançadas em Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do Anteprojeto,
3ªed., Rio de Janeiro, Forense, 1993, p. 27 e seguintes.
Daí ser possível
visualizar, desde logo, uma relação de consumo entre os consumidores
identificados como os usuários dos serviços de transporte.
Reforçando a ideia de
estarmos frente a uma relação de consumo, dispõe o inc. X, do art. 6º, do CDC,
declarando ser direito do consumidor “a
adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral”, no que
complementado pelo art. 22 da mesma lei:
“Art. 22 – Os órgãos públicos, por si ou suas
empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de
empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes,
seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.
Parágrafo único – Nos casos de descumprimento, total
ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas
compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste
Código”.
Dessa forma, cristalino
que os fatos objetos da representação se constituem mesmo em relação de
consumo, por expressa determinação da Lei nº. 8.078, de 11 de setembro de 1990.
Sendo assim, forçoso
concluir que a atribuição é da Promotoria de Justiça com atribuição na área do
consumidor.
3) Decisão
Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de
atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do
Ministério Público, declarando caber ao suscitado, DD. 4º Promotor de Justiça do Consumidor da Capital.
Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.
Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.
São Paulo, 29 de janeiro de 2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
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