Conflito de Atribuições Cível

 

 

Protocolado n. 102.145/15

MP nº 14.0695.0000788/2014-6 e 14.0695.0000050/2015-0

 

 

 

 

Ementa: Conflito positivo de atribuições. Conflito entre membros da mesma Promotoria de Justiça Especializada. Prevenção. 1. Havendo conexão, a prevenção é critério jurídico e normativo determinante da atribuição, pelas mesmas razões que justificam o simultaneous processus, adequadas à hipótese, ou seja, evitar opiniões conflitantes e proporcionar a perfeita visão do quadro probatório. 2. Se a investigação, para sua eficiência, merece fracionamento ou não, não consulta ao interesse público que o desmembramento desafie a prevenção nem a eficiência que a estratégica visão macroscópica, concentrada, molecular e uniforme produz tanto no aspecto da instrução quanto no atinente à formação da convicção.

 

Vistos.

 

Vieram os autos a esta Procuradoria Geral de Justiça porque identificado pelo E. Conselho Superior do Ministério Público, ao julgar recurso contra a instauração de Inquérito Civil interposto pela SABESP – Companhia de Saneamento Básico de São Paulo, conflito positivo de atribuições entre o DD. Promotor de Justiça designado para assumir as funções do Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital e o DD. 2º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital (fls. 771/777).

Manifestou-se o DD. 2º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital entendendo inexistente conflito positivo de atribuições, por ausência de identidade de objetos (fls. 303/309 dos autos nº 14.0695.0000050/2015-0).

O DD. Promotor de Justiça designado para assumir as funções do 7º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital, salientou que o Inquérito Civil em curso sob a sua presidência foi instaurado em data anterior e que o aditamento da portaria ocorreu em razão da natural evolução das investigações (fls. 120/127 dos autos nº 14.0695.0000788/2014-6).

Entende-se estabelecido o conflito, decidindo-o em vista da necessidade estratégica de tratamento uniforme do assunto que, em sua essência, tem inegável origem unitária.

O Inquérito Civil nº 14.0695.0000788/2014-6, sob a presidência do DD. Promotor de Justiça designado para assumir as funções do Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital, instaurado em 22 de julho de 2014, teve como objeto:

“Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo – SABESP – Sistema Cantareira – Crise Hídrica – Verificação de eventual ausência de planejamento, inexecução e/ou despreparo na execução de projetos existentes e de inadequado gerenciamento de recursos públicos – Apuração de eventuais reponsabilidades de agentes públicos.”

Posteriormente, em 22 de junho de 2015, foi aditada a portaria nos seguintes termos:

“Sistema integrado metropolitano de água – Sistemas produtores Alto e Baixo Cotia, Alto Tietê, Guarapiranga, Rio Claro, Rio Grande, Ribeirão da Estiva, Embu-Guaçu e Cantareira – Crise de Abastecimento – Hídrica Cantareira – Crise Hídrica – Verificação de eventual ausência de planejamento, inexecução e/ou despreparo na execução de projetos existentes e de inadequado gerenciamento de recursos públicos – Apuração de eventuais reponsabilidades de agentes públicos.”

O Inquérito Civil nº 14.0695.0000050/2015-0, sob a presidência do DD. 2º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital, instaurado em 09 de abril de 2015, possui o seguinte objeto:

“Apuração de irregularidades na ineficiência dos administradores públicos responsáveis pela gestão do sistema hídrico do Estado de São Paulo, no planejamento, fiscalização e execução de medidas necessárias para o equilíbrio hídrico, a fim de afastar os riscos de falta de água aos usuários ou contingenciamento, e por erros ou vícios de planejamento, investimentos e execução orçamentária e aplicação de recursos na SABESP.”

Milita em prol desta solução o art. 22 do Ato Normativo n. 484/06, e grosso modo a decisão precedente invocada, cuja ementa é a seguir transcrita:

Conflito negativo de atribuições. Inquérito Civil. Fraude em hastas públicas com recebimento de vantagem ilícita. Conflito entre membros da mesma Promotoria de Justiça Especializada. Prevenção. Atribuição do suscitado. 1. Havendo identidade de fatos e de qualificação jurídica, a prevenção é critério racional determinante da atribuição. 2. Se a investigação para sua eficiência merece ser ou não desmembrada para o alcance de outras situações conexas envolvendo as pessoas físicas e jurídicas investigadas ou para a subsunção a outras figuras de enriquecimento ilícito ou a outras espécies de atos de improbidade administrativa em concurso ou não, não consulta ao interesse público que o desmembramento desafie a prevenção nem a eficiência que a visão macroscópica, concentrada e uniforme produz tanto no aspecto da instrução quanto no atinente à formação da convicção. 3. Conflito dirimido, declarando-se a atribuição do suscitado” (Protocolado n. 184.185/14).

         No caso de conflito entre Promotores de Justiça dotados de idêntica atribuição, integrantes da mesma unidade especializada, a análise conjugada dessas regras abona a reunião da investigação, desmembrada ou não, no mesmo membro do Ministério Público, sendo recomendável a difusão quando inconveniente a reunião ou se cuidar de fatos desconexos.

         Por derradeiro, registre-se que este entendimento guarda sintonia com precedente cuja ementa é a seguinte:

“1) Conflito negativo de atribuições. 1º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital (suscitante) e 7º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital (suscitado).

2) Inquérito civil com objeto amplo. Desmembramento, para apuração de parte do objeto já investigado.

3) Adequada exegese da garantia da inamovibilidade e do princípio do promotor natural. Regra procedimental que prevê a distribuição, como mecanismo de preservação da garantia e do princípio acima referidos.

4) Relatividade da diretriz de reunião de feitos em decorrência da conexão.  Possibilidade de desmembramento, por conveniência da investigação, prosseguindo em cada inquérito civil a apuração de fatos diversos.

5) Prevenção, nos termos do art. 114, § 3º da Lei Complementar Estadual nº 734/93, do órgão de execução que já vinha investigando os fatos objeto do inquérito civil desmembrado.

6) Conflito conhecido e dirimido, determinando-se ao suscitado prosseguir na apuração” (Protocolado n. 133.825/09). 

         Esta orientação, inclusive, foi reafirmada (Protocolado n. 174.798/13).

         É certo que o art. 114 da Lei Orgânica Estadual n. 734/93 que fornecia critérios para solução de conflitos de atribuição foi julgado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (ADI 932), cuja ementa do venerando acórdão assim expressa:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTS. 6º, I, 16 E 17 DA LEI COMPLEMENTAR 667/1991 DO ESTADO DE SÃO PAULO. CRIAÇÃO E EXTINÇÃO DE CARGOS NO QUADRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO E OUTRAS PROVIDÊNCIAS CORRELATAS. PREJUDICIALIDADE QUANTO AO ART. 18 REJEITADA. AÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. I – Dispositivo de lei estadual que apenas altera denominação de cargo ou estabelece prazo para reorganização interna da carreira do Ministério Público não afronta o art. 22 da Constituição Federal. II – Não há qualquer inconstitucionalidade em dispositivo que revoga uma atribuição inconstitucional conferida ao Parquet, como a curadoria no processo civil de réu revel ou preso. III – Embora o art. 18 da Lei Complementar 667/1991 tenha sido derrogado pelo art. 114 da Lei Complementar 734/1993, o Tribunal recebeu a manifestação do Conselho Federal da OAB como aditamento à inicial, superando a preliminar de prejudicialidade, para conhecer da ação direta quanto a ambos os artigos. IV – A legislação estadual, ao disciplinar matéria processual, invadiu competência privativa conferida à União. V – Ação julgada parcialmente procedente para declarar inconstitucional o art. 18 da Lei Complementar 667/1991, bem como o art. 114 da Lei Complementar 734/1993”.

         O dispositivo previa o seguinte:

 

“Artigo 114 - No mesmo processo ou procedimento não oficiará simultaneamente mais de um órgão do Ministério Público.

§ 1º - Para fins de atuação conjunta e integrada, como propositura de ações ou interposição de recursos, será admitida a atuação simultânea de membros do Ministério Público.

§ 2º - Se houver mais de uma causa bastante para a intervenção do Ministério Público, nele oficiará o órgão incumbido do zelo do interesse público mais abrangente.

§ 3º - Tratando-se de interesses de abrangência equivalente, oficiará no feito o órgão do Ministério Público investido da atribuição mais especializada; sendo todas as atribuições igualmente especializadas, incumbirá ao órgão que por primeiro oficiar no processo ou procedimento, ou a seu substituto legal, exercer todas as funções de Ministério Público”.

         A Suprema Corte considerou que houve invasão da competência normativa federal sobre processo. Prevenção é critério de fixação de competência que, no processo civil, pressupõe a existência de duas ou mais ações postas em juízo e, no processo penal, é firmada pelo primeiro “despacho”.

         O art. 114, § 3º, da Lei Complementar nº 734/93 não usava o termo “prevenção”, cujo emprego, não obstante, passou a ser tão comum quanto impróprio, erigido inclusive a critério de resolução de conflitos de atribuição, fato que redundou na declaração de inconstitucionalidade do dispositivo legal.

         Rigorosamente o dispositivo expurgado destacava a “especialização” – e não propriamente “prevenção” – como critério de resolução de conflitos de atribuição entre órgãos de execução.

         Disso decorre que, no plano administrativo, o Procurador-Geral de Justiça, incumbido de dirimir conflitos (positivos ou negativos) de atribuição, seja lícita e recomendável a eleição da especialização como critério adequado para a solução de tais conflitos, nada obstando a que, em outros casos, como o que se apresenta, se escolhesse a “prevenção” – em seu sentido desnaturado – como critério de resolução de conflitos de atribuições entre “núcleos de atribuições idênticas” (Protocolado n. 8.138/15; Protocolado n. 184.185/14) ou - como no presente caso - entre órgãos de um mesmo núcleo de especialização.

         A "prevenção" é critério de resolução de conflito de competência empregado tanto pela lei processual civil quanto pela lei processual penal, nos casos de conexão e continência.

         O que varia, num processo e noutro, são os conceitos de conexão e continência: no processo civil, têm acepção puramente processual, na medida em que denunciam a existência de um liame, vínculo ou nexo entre duas ou mais ações, por identidade de alguns de seus elementos; no processo penal, tais conceitos estão ligados ao fato, e não a ações, operando a prevenção como critério de fixação de competência, por exemplo, no concurso de jurisdições da mesma categoria, quando o mesmo número de crimes de igual gravidade se consumarem em lugares diversos (CPP, art. 78, II, c).

         Quando o art. 22 do Ato Normativo nº 484/06 fala em prevenção, utiliza-o como critério de resolução de conflito de atribuição entre fatos conexos, a evidenciar que, ao disciplinar a investigação civil, o ato normativo emprega o termo "conexão" na sentido processualístico penal, ou seja, da existência de liame, vínculo ou nexo entre os fatos.

         O termo fato deve ser compreendido como o fato naturalisticamente considerado, recortado de sua subsunção legal. A distinção entre as subsunções legais dadas aos fatos não constitui argumento para afastar a conexão entre eles. Os fatos é que são conexos, e não a subsunção legal que se lhes atribua.

         E o fato pode ter vários desdobramentos, não sendo incorreto falar-se, nesse caso, em vários fatos, impondo-se, contudo, reconhecer-se entre eles a conexão, por estarem ligados entre si por um fato que lhes serviu de origem.

         O direito italiano não faz a distinção que se apresenta entre nós entre conexão e continência. Como antes dito, qualquer liame, vínculo ou nexo legitima a reunião.

         Os fundamentos jurídicos são a segurança jurídica e a economia processual, ou seja, evitar decisões conflitantes e duplicidade de instrução.

         Aqui se pretende utilizar a prevenção não como critério de fixação de competência (divisão da tarefa de presidir o processo e de julgar), mas de atribuição para investigar. Obviamente que a investigação antecede a ação e, por isso, revela-se muito mais acertado o emprego do termo conexão em seu sentido processualístico penal, que aquele que lhe atribui o Código de Processo Civil.

         Em conclusão parcial, o uso da prevenção como critério de fixação de atribuição é jurídico e normativo, fundado em analogia e no art. 22 do Ato Normativo nº 484/06. Tal critério determina que o órgão ministerial que tomou conhecimento do primeiro fato deva investigar também aqueles que lhe são conexos. A ratio essendi está em se evitar opiniões conflitantes, desejável à segurança jurídica, e em propiciar maior eficiência, na medida em que possibilita a um mesmo órgão a plena visão do quadro probatório e, assim, evita a realização de diligências em duplicidade.

         Deve, pois, incumbir-se o DD. Promotor de Justiça designado para assumir as funções do 7º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital de investigar os fatos que constituem objeto dos inquéritos civis.

         Ante o exposto, conheço do presente conflito positivo de atribuições, e dirimo-o, com fundamento no art. 115, da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao DD. Promotor de Justiça designado para assumir as funções do 7º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social, a atribuição para oficiar nos inquéritos civis instaurados.

         Publique-se a ementa. Comuniquem-se os ilustres Promotores de Justiça. Cumpra-se, providenciando-se o encaminhamento dos autos. Remeta-se cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional.

 

         São Paulo, 16 de novembro 2015.

 

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

iccb