Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado n. 105.349/2014 (Ref. Inquérito Civil nº 14.0161.0000502/13)

Suscitante: 8º Promotor de Justiça de Direitos Humanos da Capital

Suscitado: 6º Promotor de Justiça do Consumidor da Capital

 

 

Ementa:

1)   Conflito negativo de atribuições. 8º Promotor de Justiça de Direitos Humanos da Capital (suscitante) e 6º Promotor de Justiça do Consumidor da Capital (suscitado).

2)   Inquérito Civil instaurado para apurar “notícia de que a Associação Auxiliadora das Classes Laboriosas estaria reduzindo de forma drástica a sua rede médico-hospitalar, mediante o descredenciamento arbitrário de hospitais e laboratórios, sem informar previamente o consumidor”.

3)   Apuração que envolve situação de risco ou de dano para consumidores de planos ou seguros de saúde, sejam eles idosos ou não.

4)   Conflito conhecido e dirimido, declarando caber ao suscitado realizar a investigação.

Vistos,

1) RELATÓRIO

Tratam estes autos de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 8º Promotor de Justiça de Direitos Humanos da Capital, e como suscitado o DD. 6º Promotor de Justiça do Consumidor da Capital.

O Inquérito Civil foi instaurado pela Promotoria de Justiça do Consumidor, mediante representação formulada por pessoa idosa, sob o fundamento de que os planos de saúde antigos administrados pela empresa investigada (Associação Auxiliadora das Classes Laboriosas) têm sido descredenciados, modificando a rede credenciada, e com isso afetando o atendimento dos consumidores.

O suscitado, DD. 6º Promotor de Justiça do Consumidor da Capital, declinou de oficiar nos autos, assinalando que o plano do cidadão que formulou a representação não está submetido aos ditames da Lei nº 9.656/98, bem como que os beneficiários da atuação ministerial, nesse caso, são pessoas idosas (fls. 138/141).

O suscitante, DD. 8º Promotor de Justiça de Direitos Humanos da Capital, por seu turno, pontuou que a questão da idade do autor da representação é acidental, pois apesar de o autor da representação ser idoso, a questão a ser analisada afeta as relações de consumo como um todo, não se restringindo aos idosos (fls. 221/225).

É o relato do essencial.

2) FUNDAMENTAÇÃO

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

Como se infere da Portaria de Instauração do Inquérito Civil, de fls. 02/04, o objeto da apuração consiste na notícia de que:

“(...)

A ’Associação Auxiliadora das Classes Laboriosas’ estaria reduzindo de forma drástica a sua rede médico-hospitalar, mediante o descredenciamento arbitrário de hospitais e laboratórios, sem informar previamente o consumidor.

Os fatos noticiados indicam, pois, possível violação à Lei 9.656/98, cujo art. 17, caput estabelece que a inclusão como contratados, referenciados ou credenciados dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º da referida lei, de qualquer entidade hospitalar, implica compromisso para com os consumidores quanto à sua manutenção ao longo da vigência dos contratos.

(...)”

Pois bem.

O objeto da apuração, como se percebe, envolve notícia da modificação da rede credenciada de atendimento médico-hospitalar pela administradora de planos ou seguros de saúde, de forma aparentemente irregular ou ilegal.

É evidente que essa situação pode acarretar risco ou dano para usuários dos planos administrados, e entre eles poderão ser alcançadas pessoas idosas, como o autor da representação que rendeu ensejo à instauração do Inquérito Civil.

Não parece correto supor, entretanto, que apenas idosos serão atingidos por tal situação, mas sim, igualmente, outros beneficiários dos aludidos planos ou seguros de saúde.

Dessa forma, mais correta se mostra a percepção no sentido de que o elemento central da investigação não se liga à situação de risco ou de dano para pessoas idosas – vale dizer, à condição de idoso -, mas sim à condição de consumidor contratante e, portanto, destinatário final dos referidos serviços.

Dessa forma, com a devida vênia ao entendimento adotado pelo suscitado, o elemento central da investigação é a proteção dos direitos dos consumidores, sejam eles idosos ou não.

Caberá, assim, ao suscitado oficiar no feito.

3) DECISÃO

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, DD. 6º Promotor de Justiça do Consumidor da Capital, a atribuição para dar seguimento à investigação.

Publique-se a ementa.

Comunique-se.

Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 23 de julho de 2014.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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