Conflito de Atribuições Cível

Protocolado nº 106.360/2014

(ref. IC nº 14.0674.0000057/2014-3)

Suscitante: 7º Promotor de Justiça de São Caetano do Sul (com atribuições na área do Patrimônio Público)

Suscitado: 3º Promotor de Justiça de São Caetano do Sul (com atribuições na área de Habitação e Urbanismo)

Ementa:

1.   Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 7º Promotor de Justiça de São Caetano do Sul (com atribuições na área do Patrimônio Público). Suscitado: 3º Promotor de Justiça de São Caetano do Sul (com atribuições na área de Habitação e Urbanismo).

2.   Inquérito Civil instaurado pelo órgão ministerial com atribuições na área de Habitação e Urbanismo, para apurar notícia de irregularidade na realização dos serviços da denominada “operação tapa buraco” (recomposição asfáltica) no Município de São Caetano do Sul.  Posterior encaminhamento ao órgão ministerial com atribuições na área do Patrimônio Público, diante da notícia de que houve contratação de empresa privada para a realização dos serviços que estão na esfera de competência de determinado órgão da administração direta.

3.   A atribuição de investigar irregularidades na contratação de empresa para a realização de serviço público é da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público, a quem cabe dar seguimento à apuração.

4.   Conflito conhecido e dirimido, declarando caber ao órgão ministerial suscitante dar seguimento à investigação.

 

1) Relatório

 

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 7º Promotor de Justiça de São Caetano do Sul (com atribuições na área do Patrimônio Público) e como suscitado o DD. 3º Promotor de Justiça de São Caetano do Sul (com atribuições na área de Habitação e Urbanismo).

O Inquérito Civil foi instaurado pelo suscitado, DD. 3º Promotor de Justiça de São Caetano do Sul (com atribuições na área de Habitação e Urbanismo), diante de notícia de existência de irregularidades na denominada “operação tapa-buracos” (recomposição asfáltica) naquela cidade.

Após diligências iniciais, o suscitado lançou manifestação determinando a remessa dos autos ao órgão suscitante (fls. 34), consignando que:

“(...)

As informações colhidas no bojo do presente inquérito civil trazem indícios de malversação do patrimônio público. Isso porque, a despeito de haver órgão municipal incumbido de reparar o asfaltamento (SESURB), verificou-se que o Departamento de Água e Esgotos contratou empresa privada para tal serviço.

Ante o exposto, remeto o presente inquérito civil à 7ª Promotoria de Justiça de São Caetano do Sul, cujas atribuições compreendem a tutela do patrimônio público e repressão aos atos de improbidade.

(...)”

Ao suscitar o conflito negativo, o DD. 7º Promotor de Justiça de São Caetano do Sul (com atribuições na área do Patrimônio Público), anotou, cf. fls. 36/44, que: (a) a verificação da regularidade dos serviços relacionados à “operação tapa buracos” se insere nas atribuições do suscitado; (b) não vislumbrou nenhuma situação, nem mesmo em tese, de lesão ao patrimônio público ou mesmo a prática de ato de improbidade administrativa; (c) caso houvesse a prática de ato de improbidade administrativa, poderia ser apurado pelo suscitado, nos termos do art. 469 do Manual de Atuação Funcional (Ato Normativo nº 675/2010 – PGJ – CGMP, de 28 de dezembro de 2010); (c) a prevenção também seria suficiente para determinar a atuação do suscitado, tendo em vista o Inquérito Civil foi instaurado por ele.

É o breve relato.

2) Fundamentação

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se, reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional, a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e s.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

A questão, na hipótese em exame, é objetiva.

A Portaria de instauração do Inquérito Civil, de fls. 02/03, assinala que a preocupação que inspirou o início da investigação foi, em suma, a análise da regularidade da contratação de empresa para a realização dos serviços de manutenção asfáltica no Município de São Caetano do Sul.

Essa questão, em torno da qual o suscitado vislumbrou a possibilidade de ocorrência de lesão ao erário, é daquelas cuja apuração se encontra na esfera das atribuições da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público.

Tem-se, portanto, que a atribuição para o caso concreto é do órgão suscitante, sendo certo que na hipótese de vir a ser confirmado o entendimento, ao cabo da investigação, de que inexistiu malversação de recursos públicos ou ato de improbidade, a solução será encaminhar-se o feito para fins de arquivamento.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitante, DD. 7º Promotor de Justiça de São Caetano do Sul (com atribuição na área do Patrimônio Público), oficiar no procedimento investigatório.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 28 de julho de 2014.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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