Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 0108017/14

Suscitante: 2º Promotor de Justiça de Jales

Suscitado: 3º Promotor de Justiça de Jales

 

 

Ementa:

1.   Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 2º Promotor de Justiça de Jales. Suscitado: 3º Promotor de Justiça de Jales. Investigação acerca do efetivo policial de Pontalinda.

2.   O termo “cidadania” apresenta delimitação conceitual de maior abrangência, não se limitando, destarte, aos quadrantes da proteção ao patrimônio público, e muito menos se circunscreve à esfera do combate à improbidade administrativa.

3.   Conflito conhecido e dirimido, determinando-se o prosseguimento da investigação sob a presidência do suscitado.

 

1) Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 2º Promotor de Justiça de Jales e como suscitado o DD. 3º Promotor de Justiça de Jales, relativamente ao feito em epígrafe.

O procedimento iniciou-se a partir de encaminhamento do Ofício n. 1862/14-JUR (Protocolado MP n. 60.680/14 – RI 4200-PGJ) ao Promotor de Justiça Secretário da Promotoria de Justiça de Jales. Ao receber o procedimento, o 3º Promotor de Justiça de Jales, ora suscitado, lançou a seguinte manifestação, que transcrevo:

“Diante da ausência de indícios de atos de improbidade administrativa, encaminhe-se à Promotoria de Justiça de Corregedoria Permanente da Polícia Judiciária de Jales-SP”.

Encaminhado o procedimento ao 2º Promotor de Justiça de Jales, este suscitou conflito negativo de atribuições, arguindo, em síntese, que não pertence à sua atribuição investigar a insuficiência de efetivo policial do município de Pontalinda.

É o relato do essencial.

2) Fundamentação.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

No caso dos autos, é importante registrar que a Promotoria de Justiça do Patrimônio Público de Jales instaurou Inquérito Civil para apurar eventual violação ao art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa, em virtude de que o Município de Pontalinda estaria desprovido, em tese, de política de segurança pública, por conta do reduzido efetivo de Policiais Civis na localidade.

No curso da investigação, o 3º Promotor de Justiça de Jales - em exercício - consignou que, sendo representado o Governador do Estado de São Paulo e o Secretário de Estado, a apreciação do procedimento incluir-se-ia na esfera de atribuição da Procuradoria-Geral de Justiça, nos termos do inciso IV do artigo 116 da Lei Complementar Estadual nº 734/93.

Uma vez aportados os autos nesta Procuradoria-Geral de Justiça, decidiu-se que o enfrentamento a respeito de eventual lesão aos interesses supraindividuais da população de Pontalinda, supostamente privada de serviço adequado de segurança pública, competiria à Promotoria de Justiça de Jales. Com efeito, veja-se, a propósito, o teor do decisum:

“Em homenagem a tais princípios, tem-se a conclusão lógica de que os procedimentos investigatórios que envolvam os Secretários Estaduais devam ficar sob a presidência daquele que tem legitimidade ativa para a propositura de ação, no caso, a Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital. Já aqueles procedimentos investigatórios que busquem garantir adequada prestação de serviço de segurança pública pelo Estado de São Paulo, devem ficar sob a presidência da Promotoria de Justiça de Jales, com atribuição em relação à cidade de Pontalinda.

Não há, destarte, se falar em atribuição do Procurador-Geral de Justiça na hipótese em apreço.

Diante do exposto, e não vislumbrando a necessidade de realização de outras diligências, promovo o ARQUIVAMENTO deste procedimento com relação ao Excelentíssimo Senhor Governador do Estado, determinando, por consequência, a remessa dos autos ao Egrégio Conselho Superior do Ministério Público, para o necessário reexame.

Outrossim, determino a extração de cópia dos autos e posterior remessa à douta Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital para a adoção das medidas eventualmente cabíveis com relação ao então Secretário de Estado de Segurança Pública quanto à condução da política de segurança pública para a cidade de Pontalinda.

Por fim, determino a extração de cópia dos autos e posterior remessa à douta Promotoria de Justiça de Jales para a avaliação e manipulação de instrumentos aptos a satisfazer e reparar direitos e interesses difusos eventualmente violados ou ameaçados em razão da notícia de insuficiência de efetivo policial na localidade (g.n.).

Registre-se, por relevante, que o Ato Normativo n. º 53/08 - PGJ, de 19 de maio de 2008, o qual homologou a modificação da divisão das atribuições dos cargos de Promotor de Justiça da PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE JALES, estipulou o seguinte:

 

“2º PROMOTOR DE JUSTIÇA

a) feitos da 2ª Vara;

b) Execuções Criminais;

c) feitos de competência do Tribunal do Júri perante a 4ª Vara, a partir do oferecimento do libelo-crime acusatório, mediante divisão igualitária com o 4º Promotor de Justiça;

d) Corregedoria Permanente da Polícia Judiciária e dos Presídios;

e) fiscalização de estabelecimentos penitenciários e prisionais;

f) Fundações;

g) feitos de finais 3 e 4 da Vara do Juizado Especial Cível e Criminal;

h) controle externo da Polícia Judiciária;

i) Atendimento ao público.

(...)

III. 3º PROMOTOR DE JUSTIÇA

a) feitos da 3ª Vara;

b) Cidadania, atuando em representações, procedimentos preparatórios, inquéritos civis e processos judiciais;

c) Idoso;

d) feitos da Infância e Juventude distribuídos perante a 3ª Vara (carentes e interesses difusos e coletivos);

e) Pessoa com Deficiência;

f) feitos de finais 5 e 6 da Vara do Juizado Especial Cível e Criminal;

g) Atendimento ao público e representação do Ministério Público nas solenidades da Comarca.

Sobre as funções do membro do Ministério Público com atribuição na área do CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL CIVIL E MILITAR, reza o art. 116 do Ato Normativo 675/2010-PGJ-CGMP, de 28 de dezembro de 2010, o que segue:

“Art. 116. O controle externo da atividade de Polícia Judiciária Civil e Militar será exercido pelos Promotores de Justiça na forma dos Atos Normativos próprios, sendo-lhes recomendado, em especial:

I – visitar as Delegacias de Polícia e os órgãos encarregados de apuração das infrações penais militares, assegurado o livre ingresso nesses estabelecimentos;

II – examinar e extrair cópia de quaisquer documentos relativos à atividade de polícia judiciária;

III – receber, imediatamente, a comunicação da prisão de qualquer pessoa por parte da Polícia Judiciária, com indicação do motivo da custódia e do lugar onde se encontra o preso, acompanhada dos documentos comprobatórios da legalidade da prisão, independentemente da comunicação devida ao Poder Judiciário;

IV – exercer o controle da regularidade do inquérito policial;

V – receber representação ou petição de qualquer pessoa ou entidade por desrespeito aos direitos assegurados nas Constituições Federal e Estadual, relacionado com o exercício da atividade policial;

VI – instaurar procedimentos investigatórios criminais na área de sua atribuição;

VII – representar à autoridade competente para adoção de providências para sanar omissões, prevenir ou corrigir ilegalidade ou abuso de poder relacionados com a atividade de investigação penal;

VIII – requisitar à autoridade competente a abertura de inquérito policial para apuração de ilícito ocorrido no exercício da atividade policial;

IX – analisar os laudos de exame de corpo de delito realizados por ocasião da detenção e da soltura de presos provisórios, promovendo as medidas cabíveis em caso de constatação de irregularidade.

Nota-se, pois, que assiste razão ao suscitante, uma vez que, embora o procedimento não se direcione a investigar ato de improbidade administrativa, o próprio diploma normativo que disciplina as atribuições do suscitado menciona que a ele competirá investigar os feitos relativos à “cidadania, atuando em representações, procedimentos preparatórios, inquéritos civis e processos judiciais”.

É possível concluir, então, que o suscitado detém atribuição residual, a qual, evidentemente, inclui-se a segurança pública. O termo “cidadania” apresenta delimitação conceitual de maior abrangência, não se limitando, destarte, aos quadrantes da proteção ao patrimônio público, e nem muito menos se circunscreve à esfera do combate à improbidade administrativa.

Diante de todo o exposto, no caso em exame a atribuição para funcionar na investigação é do 3º Promotor de Justiça de Jales.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, DD. 3º Promotor de Justiça de Jales, a atribuição para oficiar no procedimento investigatório.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 11 de agosto de 2014.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

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