Conflito Positivo de Atribuições Cível

 

 

Protocolado nº 109.080/2014

(ref. IC nº 14.0279.0000307/2012-2)

Suscitante: 5º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital

Suscitado: 4º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital

 

 

 

Ementa:

1)   Conflito positivo de atribuições. 5º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital (suscitante). 4º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital (suscitado).

2)   Inquérito Civil instaurado pelo suscitante com objeto amplo, envolvendo situações como “acompanhamento de remoções e reassentamentos nas novas linhas”, “melhoria de qualidade do atendimento”, “constituição de fundo público/privado para custeio da pesquisa origem/destino”, “formas de controle social e participação popular na gestão do Metro” e “funcionamento noturno do Metro”.

3)   Inquérito civil instaurado pelo suscitado com objeto específico, consistente na apuração do “comprometimento da circulação de usuários que utilizam o túnel subterrâneo de 195 metros entre as estações Paulista (Linha 4 – Amarela) e Consolação (Linha 2 – Verde) da Companhia do Metropolitano de São Paulo, gerando riscos à segurança, acessibilidade e circulação deles”.

4)   Inexistência de identidade entre os objetos das duas investigações. Conflito positivo rejeitado.

 

 

Vistos,

 

1) RELATÓRIO

Trata-se de conflito positivo de atribuições suscitado pelo DD. 5º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, figurando como suscitado o DD. 4º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital.

O suscitante afirma que instaurou o presente Inquérito Civil (IC nº 14.0279.0000307/2012-2), em decorrência de representação tendo como objeto a “má prestação de serviço público pelo Metrô”. No curso das diligências empreendidas tomou conhecimento de que havia outro Inquérito Civil em andamento sob a responsabilidade do suscitado, DD. 4º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, tratando-se do IC nº 14.0279.0000358/2011-7.

Salienta que:

“(...)

Realizada pesquisa não foi localizado nenhum procedimento instaurado anteriormente com os dados mencionados (fls. 17), cf. certidão de 20 de junho de 2012.

(...)

Assim, entendo que tanto do ponto de vista da anterioridade (prevenção), quanto da situação concreta dos autos (estudo elaborado com contratação de empresa estrangeira – Steer Davies Gleave [ fls. 607 ], inclusive para solução do problema) melhor se resolve com o inquérito em curso, serve o presente para suscitar o presente conflito positivo, requerendo que o IC 14.0279.0000358/2011-7 (que estava arquivado), venha a ser apensado aos autos do IC 14.0279.0000307/2012, uma vez que à época do início da investigação não havia outra sobre os fatos em curso.

(...)”

Com a manifestação do suscitante, provocando o conflito positivo de atribuições, veio cópia da portaria de instauração do IC 14.0279.0000358/2011-7, bem como da determinação de desarquivamento.

Foi determinada a expedição de ofício para a colheita de manifestação do suscitado, DD. 4º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, que se posicionou no sentido do não acolhimento do conflito suscitado, oferecendo informações e documentos (pt. 121.372/14, apensado a este expediente).

Aduziu que o objeto específico do Inquérito Civil que tramita sob sua presidência é o “comprometimento da circulação de usuários que utilizam o túnel subterrâneo de 195 metros entre as estações Paulista (Linha 4 – Amarela) e Consolação (Linha 2 – Verde) da Companhia do Metropolitano de São Paulo, gerando riscos à segurança, acessibilidade e circulação deles” (fls. 08 do pt. 121.372/14, apensado a este expediente).

Acrescentou ainda o suscitado que (cf. fls. 08/10 do pt. pt. 121.372/14, apensado a este expediente):

“(...)

O suscitado recebeu a representação 43.279.358.2011-7 aos 23/8/11, e a portaria de instauração foi baixada aos 14 de agosto de 2012, com objeto específico ao contrário da portaria baixada pelo suscitante aos 2 de setembro de 2013 sem definição de objeto o que se extrai da sua leitura.

(...)

Entendo que a investigação do suscitante não interfere na investigação presidida pelo suscitado na medida em que na portaria do IC 14.279.358/2011-7 procurei delinear com a maior precisão possível o seu objeto e a representação da qual se originou os autos por mim presididos aportou nesta Promotoria aos 23 de agosto de 2011, sendo registrada sob nº 3471 aos 25/8/2011, porém, entendo que por estar definido o objeto da investigação destes autos, não há impedimento a que o i. suscitante prossiga com a presidência dos autos 14.279.307/2012-2.

À míngua de objeto específico na portaria baixada pelo suscitante e tendo este 4º Promotor de Justiça recebido os autos por regular distribuição e na forma da lei baixado portaria que define o seu objeto, entendo permanecer com a atribuição para presidir os autos do Inquérito Civil 14.279.358/2011-7.

(...)”

É o relato do essencial.

2) FUNDAMENTAÇÃO

É possível afirmar que o conflito positivo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

Pois bem.

O suscitante, DD. 5º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, aduz ter instaurado o presente feito (IC nº 14.0279.0000307/2012-2), e que estaria prevento, pugnando pelo apensamento, a estes autos, do IC nº 14.0279.0000358/2011-7, que é presidido pelo suscitado, DD. 4º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital.

Para solucionar o conflito é necessário observar, precisamente, qual o objeto de cada investigação, o que se colhe através das respectivas portarias de instauração.

O IC nº 14.0279.0000307/2012-2, a cargo do suscitante, tem a seguinte fundamentação de instauração, em conformidade com a respectiva portaria:

“(...)

Considerando o teor da audiência pública realizada pela Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo no dia 06 de junho de 2013 no Ministério Público e suas conclusões assim expostas na respectiva ata como deliberações para o Ministério Público:

a) acompanhamento das remoções e reassentamentos nas novas linhas projetadas e buscar a melhoria da qualidade do atendimento;

b) constituição de fundo público/privado para custeio da pesquisa origem/destino a fim de torna-la acessível à população;

c) formas de controle social e participação popular na gestão do Metro;

d) funcionamento noturno do Metro;

(...)”

O IC nº 14.0279.0000358/2011-7, que é presidido pelo suscitado, por sua vez, conta com a seguinte fundamentação de instauração, em conformidade com a respectiva portaria:

“(...)

Havendo nesta Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo documentos que noticiam que há comprometimento da circulação de usuários que utilizam o túnel subterrâneo de 195 metros entre as estações Paulista (Linha 4 – Amarela) e Consolação (Linha 2 – Verde) da Companhia do Metropolitano de São Paulo, gerando riscos à segurança, acessibilidade e circulação deles, sem notícias da adoção de providências pela investigada e sendo necessária a coleta de informações para orientar a tomada de providências legais, com fundamento no artigo 129, inciso III, da CF, art. 8º da Lei nº 7.347/85 e Ato nº 484/06-CPJ, INSTAURO Inquérito Civil para a devida apuração dos fatos.

(...)”

Da leitura das duas portarias de instauração chega-se claramente à conclusão no sentido do não acolhimento do conflito suscitado.

O Inquérito Civil presidido pelo suscitante teve seu objeto delineado de forma mais ampla que aquele presidido pelo suscitado, sem o apontamento de fatos específicos, mas sim de situações aptas a receber a atenção do Ministério Público (v.g. “acompanhamento de remoções e reassentamentos”, “buscar a melhoria da qualidade de atendimento”, “constituição de fundo”, “funcionamento noturno”, etc.).

O Inquérito Civil presidido pelo suscitado, por sua vez, teve seu objeto definido de modo restrito e específico, assinalando a existência de problemas de “circulação de usuários que utilizam o túnel subterrâneo de 195 metros entre as estações Paulista (Linha 4 – Amarela) e Consolação (Linha 2 – Verde)”.

Não há, verdadeiramente, identidade entre os respectivos objetos, ideia que não se infirma pela constatação da maior amplitude do objeto da investigação a cargo do suscitante, ainda que ambas as investigações possam, eventualmente, convergir para providências e soluções parcialmente comuns.

Por essa razão não será acolhido o conflito positivo suscitado pelo DD. 5º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital.

3) DECISÃO

Diante do exposto, conheço do presente conflito positivo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, DD. 4º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, a atribuição para continuar presidindo o IC nº 14.0279.0000358/2011-7, bem como caber ao suscitante, DD. 5º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, a atribuição para continuar presidindo o IC nº 14.0279.0000307/2012-2.

Publique-se a ementa.

Comunique-se.

Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 05 de setembro de 2014.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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