Conflito de Atribuições

– Cível –

 

Protocolado nº 11.224/2016

Suscitante: 2º Promotor de Justiça de Mogi das Cruzes (atribuições na área da Saúde Pública)

Suscitado: 6º Promotor de Justiça de Mogi das Cruzes (atribuições na área do Idoso)

 

Ementa:

1.      Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 2º Promotor de Justiça de Mogi das Cruzes (atribuições na área da Saúde Pública). Suscitado: 6º Promotor de Justiça de Mogi das Cruzes (atribuições na área do Idoso).

2.      Representação encaminhada ao Ministério Público para providências relacionadas à proteção de idosos em situação de risco, envolvendo familiar que venderia e faria uso de drogas. Informações contidas no expediente que sinalizam para a preponderância da tutela dos idosos.

3.      Conflito conhecido e dirimido, cabendo ao suscitado prosseguir na investigação.

 

1)  Relatório

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 2º Promotor de Justiça de Mogi das Cruzes (atribuições na área da Saúde Pública) e como suscitado o 6º Promotor de Justiça de Mogi das Cruzes (atribuições na área do Idoso).

O suscitado, DD. 6º Promotor de Justiça de Mogi das Cruzes (atribuições na área do Idoso) recebeu relatório social informativo referente aos idosos M. B. O. G. e J. D. O., deficientes visuais, noticiando que eles se encontram em “situação de extrema vulnerabilidade e risco”, principalmente em face da conduta do “Sr. Eduardo”, parente de ambos. Dentre outras informações, consta que os idosos são agredidos verbal e psicologicamente, além de residirem em local insalubre e utilizado para possível venda de entorpecentes.  

O DD. 6º Promotor de Justiça de Mogi das Cruzes, então, proferiu despacho determinando o encaminhamento dos autos à Promotoria de Justiça com atribuições na área da saúde pública, “já que os idosos estão em situação de risco devido ao comportamento de dependente químico, que não aceita tratamento médico, e que os idosos não desejam, por ora, o ajuizamento de medida protetiva (...)”.

O DD. 2º Promotor de Justiça de Mogi das Cruzes (atribuições na área da Saúde Pública) suscitou então o conflito, destacando, em suma, a gravidade da situação em que se encontram os idosos, dada a conduta agressiva e ameaças proferidas pelo “Sr. Eduardo”. Ponderou que “não há a menor possibilidade de se tratar o presente caso como um problema de saúde pública. No caso específico narrado, o problema de saúde de Eduardo (toxiodependência) deve ser encarado como secundário quando comparado às graves violações aos direitos humanos dos idosos. Evidentemente, são os interesses deles que devem ser objeto de tutela estatal em primeiro lugar, até pela prioridade legal disposta no art. 3º da Lei nº 10.741/03.

O caso merece uma solução imediata. Garantir tratamento a Eduardo não irá resolver o problema dos idosos. Nada garante que Eduardo irá aderir ao tratamento, nem que cessará as violações contra seus parentes. E não há que se falar em internação compulsória no momento, pois, antes disso, seriam necessárias diversas e morosas diligências no sentido de constatar se estão presentes os requisitos exigidos pela lei”.

É o relato do essencial.

2) Fundamentação

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Além disso, a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado e as provas até aqui constantes dos autos.

Sendo assim, e considerando os elementos de convicção até aqui amealhados, pode-se afirmar que o procedimento investigatório aponta, de forma veemente, a situação de risco a que se encontram submetidos os idosos, nos termos do art. 43 da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso):

Art. 43. As medidas de proteção ao idoso são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados:

        I – por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;

        II – por falta, omissão ou abuso da família, curador ou entidade de atendimento;

        III – em razão de sua condição pessoal.

Sendo assim, compete ao Promotor de Justiça do Idoso uma série de providências, especificadas no artigo 74 do Estatuto do Idoso.

Nos termos do art. 438 do Manual de Atuação Funcional dos Promotores de Justiça do Estado de São Paulo, compete ao Promotor de Justiça com atribuição para a Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa aplicar medidas de proteção e oficiar em prol de direitos individuais indisponíveis do idoso, nos seguintes termos:

“Art. 438. Exercer a defesa dos direitos e garantias constitucionais da pessoa idosa, por meio de medidas administrativas e judiciais, competindo-lhe, em especial e sem prejuízo do disposto em Ato próprio:

(...)”.

Portanto, considerando que, no caso em tela, estão em jogo os direitos fundamentais indicados no próprio Estatuto do Idoso, a atribuição é do Suscitado.

Tal conclusão não afasta eventual necessidade de providências em relação ao possível dependente químico, preservando-se, dentro do possível, a unidade da intervenção ministerial.

Registre-se, ainda, que os autos não apontam apenas um único fato ou situação de fato, qual seja, a conduta do possível dependente químico, como a situação que cria o risco para os familiares. Pode ser mencionada a situação pessoal dos idosos, bem como o ambiente insalubre onde vivem, segundo o que foi consignado nos autos.

Assim, embora haja possível repercussão que alcança mais de uma área de atuação do Ministério Público, torna-se objetivamente aplicável a unidade da intervenção ministerial, observada a preponderância dos interesses dos idosos no caso em tela.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, DD. 6º Promotor de Justiça de Mogi das Cruzes (com atribuições na área do Idoso) oficiar no procedimento investigatório.

Em virtude da peculiaridade do caso, tendo o suscitado se manifestado quanto ao próprio mérito da hipótese investigada, e observada sua independência funcional, designe-se o substituto automático para oficiar nestes autos, observada, na forma regulamentar, ulterior compensação.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 2 de fevereiro de 2016.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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