Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado MP nº 110.353/2016

Suscitante: 5º Promotor de Justiça Cível da Lapa

Suscitado: 5º Promotor de Justiça da Habitação e Urbanismo da Capital

 

Ementa:

1. Conflito negativo de atribuições. 5º Promotor de Justiça Cível da Lapa (suscitante) e 5º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo.

2. Ação de reintegração de posse. Previsão de atribuição da suscitante para oficiar nos “feitos cíveis” da Vara Judicial. Atribuição da suscitada para Habitação e Urbanismo.

3. A interpretação dos atos normativos que disciplinam a divisão de serviços no âmbito das Promotorias de Justiça deve ser feita de modo contextual e finalista. A análise literal da regra, embora seja um dos elementos para sua compreensão, não é suficiente, por si só, para o equacionamento das dúvidas e conflitos.

4. As atribuições especializadas dos órgãos de execução na esfera dos interesses transindividuais são tratadas de forma explícita. Os casos não enquadrados nas hipóteses de propositura de ações coletivas e atuação como fiscal da lei nas ações civis públicas propostas por outros legitimados dizem respeito à atuação ministerial como custos legis em outros processos, enquadrando-se nos “feitos cíveis”.

5. Conflito conhecido e dirimido, cabendo à suscitante prosseguir no feito.

 

 

 

Vistos,

Trata-se de conflito negativo de atribuições suscitado pela Promotora de Justiça Cível da Lapa em que figura como suscitado o Promotor de Justiça da Habitação e Urbanismo da Capital.

Em apertada síntese, no curso de ação possessória o membro do Ministério Público que até então vinha atuando determinou que deveria funcionar na demanda o Promotor de Justiça Cível, à luz, sobretudo, do quanto disposto no Aviso 238/15 da PGJ/CGJ.

Ocorre que a suscitante entende que a Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo vinha corretamente autando no feito, não se justificando, agora, a mudança de orientação.

É o relatório.

Decisão.

Inicialmente, vejamos as atribuições do suscitante e do suscitado, respectivamente: 

“V. 5º PROMOTOR DE JUSTIÇA CÍVEL DA LAPA:

a) feitos distribuídos aos Juízes Titulares I e II da 4ª Vara Cível, inclusive as audiências;

b) feitos distribuídos ao Juiz Titular II da 1ª Vara da Família e Sucessões, inclusive suas audiências;

c) feitos distribuídos ao Juiz Titular da 3ª Vara da Família e Sucessões, de finais 76 a 00, inclusive suas audiências;

d) feitos de finais 76 a 00 distribuídos ao Juiz do Juizado Especial Cível da Lapa, inclusive suas audiências;

e) 1/4 dos feitos relativos a Direitos Humanos com abrangência na defesa do Idoso, da Pessoa com Deficiência, Saúde Pública e Inclusão Social, inclusive ações públicas distribuídas;

f) atendimento ao público (ATO Nº 124/2015 – PGJ, DE 28 DE SETEMBRO DE 2015, que homologa a modificação das atribuições dos cargos de Promotor de Justiça da PROMOTORIA DE JUSTIÇA CÍVEL DA LAPA).

 (...)

V. 5º PROMOTOR DE JUSTIÇA:

Os procedimentos preparatórios, os inquéritos civis, os procedimentos de acompanhamento de ações civis públicas ajuizadas pela Promotoria de Justiça e por terceiros, as ações civis públicas ajuizadas pela Promotoria de Justiça e ajuizadas por terceiros e demais ações ajuizadas por terceiros com intervenção da Promotoria de Justiça, que compõe o acervo designado por agenda 04, conforme consta no livro de registro da PJHURB+um sexto (1/6) de todas as peças de informação, sejam elas representações, autos de processos, autos de inquéritos civis e procedimentos preparatórios oriundos de outras Promotorias, e demais documentos atos a iniciar a atividade investigatória ou medidas judiciais por parte da Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo que sejam distribuídos de forma livre e seqüencial entre os Promotores de Justiça, conforme registro da Promotoria – a única e óbvia exceção será a hipótese de as peças informativas se referirem a fato que já esteja em apuração na Promotoria de Justiça, caso em que elas serão encaminhadas ao Promotor de Justiça responsável pelo respectivo procedimento investigatório ou processo judicial (ATO Nº 105/2008 – PGJ, DE 18 DE AGOSTO DE 2008, que modifica as atribuições dos cargos de Promotor de Justiça da Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo).

Destaque-se que o conflito negativo de atribuições surgiu em sede de ação de reintegração de posse proposta por ALCE EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES e outros em face de Antonio da Silva e outros, em trâmite na 4ª Vara Cível do Foro Regional da Lapa (Processo n. 1004504-35.2014.8.26.0004).

Narra a inicial que no dia 09/04/2014 os imóveis dos autores foram invadidos por um número indeterminado de pessoas, que, logo no dia seguinte à invasão (10/04/2014), deram início ao irregular loteamento da área, com a construção, inclusive, de inúmeros barracos.

Assentou-se, também, que o esbulho perpetrado poderá comprometer a execução dos contratos firmados com terceiros, principalmente aquele inerente ao empreendimento Minha Casa Minha Vida, cujo projeto tem por finalidade erigir habitação para aproximadamente 1.448 (mil, quatrocentos e quarenta e oito) famílias removidas de áreas de risco e de preservação permanente ou em função de desadensamento de assentamentos por obras de urbanização e outras de interesse municipal.

Remarque-se que, conforme decisão de fl. 106, o juízo oficiante determinou a abertura de vista ao Ministério Público por conta da destinação social do imóvel, bem como diante da dimensão do esbulho narrado na inicial e fotografias que a instruem.

Nota-se, então, claramente, que já se vislumbrou dimensão social a exigir a intervenção do Ministério Público, e não simples atuação como fiscal da lei em ação possessória. Justamente por conta desse fato é que houve a manifestação do Promotor de Justiça em exercício na Promotoria de Justiça da Habitação e Urbanismo, nos seguintes termos:

“Não há notícia do número de ocupantes na área, todavia, dada à finalidade a que se destina social (sic) a que se destina a área e tratando-se de ocupação oportunista com o fito de promover inversão de prioridade na destinação das futuras unidades habitacionais do Programa Minha Casa Minha Vida, opino pela concessão da medida liminar, resguardados os direitos à integridade física dos ocupantes, mediante prévia agendamento de reunião” (fls. 110/111).

Novas manifestações do Promotor de Justiça em exercício na Promotoria de Justiça da Habitação e Urbanismo a fl. 117, 142/143 e 301. O ora suscitado, por sua vez, manifestou-se a fls. 374, a saber:

“Por esta declara-se ciente o Ministério Público da r. decisão de fls. 343/347 e diante das cautelas ali adotadas para cumprimento da decisão proferida pelo acordão no julgamento do Agravo, buscando a garantia do maior respeito à dignidade e aos direitos constitucionais das partes envolvidas e diante da manifestação de desinteresse da autora em audiência de conciliação (fls. 371), aguardo a designação de data para reunião preparatória da Polícia Militar para efetivação da reintegração de posse”.

Ocorre, porém, que o membro do Ministério Público que até então vinha oficiando declinou de sua atuação, pois, no seu entendimento, “a despeito da nova redação do Código de Processo Civil, o Ministério Público não está legitimado a tutelar os interesses em discussão no presente processo, eis que não há fundamento para sua atribuição com base nos artigos 127 e 129 da Constituição Federal”.

Segue na sua orientação:

“De um lado, não justifica sua intervenção o direito possessório do requerente, que é disponível.

De outro, os invasores não tem direito que permita a tutela pelo Ministério Público. Mesmo porque a prática de esbulho possessório caracteriza conduta criminosa.

Contudo, é evidente que em caso de concessão de liminar, surge uma situação de conflito que não pode ser ignorada pelo Promotor de Justiça da Habitação e Urbanismo.

É que direitos humanos mínimos devem ser respeitados na execução do cumprimento de uma liminar de desocupação de área. Isto porque os invasores não devem ser expostos à violência que exceda o necessário para efetivação da sua remoção.

O destino dos invasores deve ser objeto de atenção de política pública, o que não se confunde com o objeto da ação de reintegração de posse, e nem mesmo pode ser obstáculo para o cumprimento da ordem judicial.

Assim, a atuação da Promotoria de Justiça está restrita ao acompanhamento jurídico do cumprimento da ordem judicial, zelando para que sejam observados durante a sua execução, requisitos mínimos que resguardem a incolumidade dos invasores durante a desocupação”.

O suscitado conclui seu raciocínio asseverando que não deveria o Promotor de Justiça manifestar-se sobre o cabimento da medida liminar e nem mesmo acompanhar qualquer prova produzida pelas partes, mas sim ser intimado para que fiscalize a execução da remoção dos invasores, sendo cientificado do procedimento policial que será realizado, com vistas a prevenir a ocorrência de abusos (fls. 597/599).

Nova manifestação do suscitado a fl. 732 e, por derradeiro, consoante fls. 796/802, pugnou-se para que o Promotor de Justiça Cível funcionasse na demanda, que, por seu turno, suscitou o presente conflito negativo.

Na situação em exame, em suma, a solução do conflito residirá em definir se deve oficiar em determinada ação de reintegração de posse o Promotor de Justiça que tem atribuições na área de proteção aos direitos da habitação e urbanismo ou se deve atuar naquele feito, como fiscal da lei, o Promotor de Justiça que tem atribuição para oficiar nos feitos de natureza cível.

É correta a observação de que pode ser conveniente a atuação como fiscal da lei, em reintegração de posse, do órgão de execução com atribuições especializadas para a defesa da habitação e urbanismo. Isso, na medida em que tal solução pode render ensejo tanto ao conhecimento mais abrangente dos casos relacionados ao tema, como ainda complementar as investigações que realiza e suas iniciativas processuais.

Nada obstante, é preciso indagar se essa solução, possivelmente conveniente, encontra amparo nos atos normativos de divisão de serviços.

Em regra, as atribuições especializadas dos órgãos de execução na esfera dos interesses difusos, dos interesses coletivos e dos interesses individuais homogêneos, são tratadas de forma explícita.

Nesses casos, pelo que ordinariamente se observa, os atos que fixam a divisão de serviço concedem a determinado cargo de certa Promotoria de Justiça a missão de atuar em defesa de interesse especificado (meio ambiente, consumidor, patrimônio público, etc.). E as regras de experiência demonstram, do mesmo modo, que essa atuação, assim fixada, diz respeito às ações civis públicas propostas pelo Ministério Público, como também à atuação, como fiscal da lei, nas ações civis públicas relacionadas àquela matéria propostas por outros legitimados.

Os demais casos não enquadrados nessas hipóteses (ou seja, de propositura de ações coletivas e atuação como fiscal da lei nas ações civis públicas propostas por outros legitimados), que dizem respeito, portanto, à atuação ministerial como custos legis em outros processos, são atribuições a respeito das quais os atos regulamentares de divisão de serviços, em regra, não tratam especificamente. Esses outros casos normalmente se enquadram sob a designação geral da função de oficiar em “feitos cíveis”.

Essa exegese, calcada na análise sistemática e finalista, é suficiente para justificar a conclusão no sentido de que a fixação da atribuição do suscitado, em ato normativo, para Habitação e Urbanismo, abrange as ações civis públicas distribuídas, mas não a atuação como custos legis em ações possessórias.

Como se vê, a atribuição especializada está relacionada à atuação do Promotor de Justiça como autor de ações coletivas ou como fiscal da ordem jurídica em ações civis públicas.

No caso em tela, não se trata de ação civil pública ou de ação coletiva, de tal forma que cabe ao suscitante oficiar no feito.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitante, 5º Promotor de Justiça Cível da Lapa, seguir oficiando nos autos da ação de reintegração de posse.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 23 de agosto de 2016.

 

 

Giapaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

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