Conflito de Atribuições – Cível

 

 

Protocolado nº 111.490/2017

Suscitante: 8º Promotor de Justiça de Guarujá (Pessoa com deficiência)

Suscitado: 2º Promotor de Justiça de Guarujá (Cível)

 

 

 

 

Ementa: Conflito negativo de atribuições. Ação de interdição. Pessoa com deficiência. Prestação de contas.  

1. Intervenção do Ministério Público que se faz pela natureza da lide, qual seja, ação de interdição de pessoa que não pode exprimir sua vontade (surda-muda).

2.  Eventual tomada de contas do curador deverá ser prestada incidentalmente nos autos do processo em que nomeado, no zelo dos interesses do incapaz, a teor do disposto no art. 553 do CPC/15, tratando-se, portanto, de medida que envolve direito individual, atomizado, não se tratando de ação coletiva, o que afasta a atuação de cargo de execução especializado.

3. Precedente estampando a análise contextual e finalista na interpretação dos atos de divisão de serviços, e assentando que, à luz do princípio da especialidade, “as atribuições especializadas são discriminadas expressamente. Atuação especializada, como regra, relacionada à condição de autor ou fiscal em ações civis públicas, à investigação em inquéritos civis e à atuação extrajudicial” (Protocolado n. 46.717/13).

4. Atribuição do suscitado.

 

Vistos,

1)  RELATÓRIO

Ajuizada ação de interdição de pessoa incapaz (surda-muda), o DD. 2º Promotor de Justiça de Guarujá, com atribuições para atuar nos feitos cíveis em trâmite perante a 3ª Vara Cível, apurou irregularidades na prestação de contas da curadora nomeada (Processo nº 0003759-46.2004.8.26.0223).

Entendendo necessária a propositura de ação autônoma para prestação de contas bem como eventual devolução dos valores, e vislumbrando a prática de infração penal, o DD. Promotor de Justiça, ora suscitado, determinou a extração de cópias e sua posterior remessa ao Promotor de Justiça com atribuições na tutela da pessoa com deficiência para o ajuizamento da ação autônoma, pugnando, ainda, pela instauração de inquérito policial (fls. 229/231).

Na sequência, o DD 8º Promotor de Justiça de Guarujá, que possui atribuições para a tutela de Direitos Humanos com abrangência na defesa da pessoa com deficiência, ao receber as cópias dos autos (SIS-MP nº 66.0278.0001254/2017-7), suscitou conflito negativo de atribuições, afirmando, em síntese, que cabia ao suscitado a atuação em todas as fases, incidentes e desdobramentos da ação de interdição, inclusive no que tange à prestação de contas. Aduziu que nos termos da legislação processual civil, a prestação de contas deve ser realizada em apenso ao processo principal, por critério de eficiência, o que evidencia competência funcional do suscitado, que já vinha intervindo nos autos.  Por fim, acrescentou que nas demandas que versam sobre curatela, a intervenção do Ministério Público é voltada à preservação dos interesses patrimoniais e extrapatrimoniais do incapaz, função essa que não justifica a atuação especializada (fls. 232/242).

É o relatório.

2)  FUNDAMENTAÇÃO

No caso em análise, o interesse da incapaz, consubstanciado na regular prestação de contas da curadora a ela nomeada, compete ao suscitado, que possui atribuições para atuar como custus legis na esfera cível.

De fato, a eventual propositura da medida necessária, qual seja, a tomada de prestação de contas pelo Ministério Público, é promovida na qualidade de fiscal da ordem jurídica em processo que envolve interesse de incapaz, nos exatos termos do disposto nos art. 178 e 179 do Código de Processo Civil de 2015.

Não se pode olvidar, ainda, que a prestação de contas, a teor do disposto no artigo 553 do Código de Processo Civil, por critérios de conveniência e economia processual, deve ser prestada incidentalmente nos autos do processo de interdição, feito que vem sendo acompanhado desde o início pelo DD. Promotor de Justiça suscitado, responsável, inclusive, por detectar as irregularidades contábeis.

Desse modo, a propositura de eventual ação de prestação de contas no zelo dos interesses da incapaz tem natureza atomizada, isto é, individual, não se caracterizando como interesse coletivo, o que afasta a atuação de cargo de execução especializado.

Com efeito, a atuação do DD. Promotor de Justiça suscitante está gizada à defesa das pessoas com deficiência coletivamente, hipótese não verificada no caso.

Esta Procuradoria-Geral de Justiça tem decidindo que as atribuições especializadas dos órgãos de execução na esfera dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, são tratadas sempre de forma explícita.

Nesses casos os atos regulamentares que fixam a divisão de serviço concedem a determinado cargo de certa Promotoria de Justiça a missão de atuar em defesa de interesse especificado (meio ambiente, consumidor, patrimônio público, habitação e urbanismo, saúde pública, idoso etc.).

Essa espécie de previsão diz respeito às ações civis públicas propostas pelo Ministério Público, bem como à atuação, como fiscal da lei, nas ações civis públicas relacionadas àquela matéria propostas por outros legitimados.

Os demais casos não enquadrados nessas hipóteses que dizem respeito, portanto, à atuação ministerial como custos legis em outros processos de natureza individual, são atribuições a respeito das quais os atos regulamentares de divisão de serviços, em regra, não tratam especificamente. E quando não há previsão expressa, esses outros casos se enquadram sob a designação geral da função de oficiar em “feitos cíveis”.

Cumpre destacar, também, que a atuação do membro do Ministério Público com atribuição na área da pessoa com deficiência em questões individuais ocorrerá quando o caso concreto apresentar alguma conotação diferenciada, além das hipóteses comuns ou corriqueiras que são verificáveis em conflitos de interesses envolvendo quaisquer pessoas.

Destarte, por qualquer ângulo que se observe, no presente conflito a conclusão é de que competirá ao suscitado oficiar nos autos, por ser dele a atribuição para funcionar nos “feitos cíveis” da 3ª Vara Cível de Guarujá, por força da intervenção do Ministério Público na condição de custos legis.

Neste sentido, invoco em abono decisão precedente desta Procuradoria-Geral de Justiça, que se encontra assim ementada:

“1) Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 4º Promotor de Justiça Cível de São Bernardo do Campo (Cível). Suscitado: 2º Promotor de Justiça Cível de São Bernardo do Campo (Idoso).

2)     Hipótese de ação individual. Demanda ajuizada por idoso representado judicialmente, com pedido de condenação da Medial Saúde S/A e do Hospital Itacolomy.

3)     Interpretação dos atos de divisão de serviços. Análise contextual e finalista. Princípio da especialidade. As atribuições especializadas são discriminadas expressamente. Atuação especializada, como regra, relacionada à condição de autor ou fiscal em ações civis públicas, à investigação em inquéritos civis e à atuação extrajudicial.

4)     Conflito conhecido e dirimido, cabendo ao órgão ministerial suscitante prosseguir no feito”. (Protocolado n. 46.717/13).

3)  DECISÃO

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115, da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, DD. 2º Promotor de Justiça de Guarujá, a atribuição para oficiar no feito.

Publique-se a ementa.

Comunique-se.

Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 29 de setembro de 2017.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

 

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