Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado n. 114536/13

Suscitante: 4º Promotor de Justiça de Votuporanga (Infância e Juventude)

Suscitado: 5º Promotor de Justiça de Votuporanga (Patrimônio Público e Social)

 

Ementa:

1. Conflito negativo de atribuições envolvendo o 4º Promotor de Justiça de Votuporanga (Infância e Juventude), como suscitante, e o 5º Promotor de Justiça de Votuporanga (Patrimônio Público e Social), como suscitado.

2. Atribuição para realizar a investigação é do órgão ministerial que inicialmente tomou contato com o caso. Nos conflitos entre Promotorias especializadas na tutela de interesses metaindividuais em que desde logo fique demonstrada a presença de fundamentos para a atuação de ambas, razoável solução se apresenta com o critério da prevenção.

3. Caberá ao suscitante, portanto, prosseguir na investigação.

 

1. Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições em que figura como suscitante o DD. 4º Promotor de Justiça de Votuporanga (Infância e Juventude) e como suscitado o 5º Promotor de Justiça de Votuporanga (Patrimônio Público e Social).

Segundo consta do presente protocolado, encaminhou-se à Promotoria de Justiça de Votuporanga notícia de acumulação remunerada de cargos públicos pela Sr. Celma Sabini Silva; os cargos que estariam sendo acumulados seriam os de Conselheira Tutelar no Município de Álvares Florence e de Professora da Escola E.E.P.G. Esmeralda Sanches da Rocha.

Por entender que a matéria versada na notícia estaria afeta às atribuições da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social de Votuporanga, determinou-se o encaminhamento do expediente ao membro do Ministério Público com referida atribuição (fl. 04).

Contudo, o suscitado discordou da remessa, porque se afiguraria necessária a apuração de condutas irregulares da Conselheira Tutelar Celma Aparecida Ribeiro, denotando-se, pois, preponderante interesse da Promotoria de Justiça da Infância e Juventude. Trouxe, como precedente, a solução preconizada no Conflito de Atribuições n. 146.034-10. Acrescentou que por ser o Conselheiro Tutelar eleito para exercício temporário, não exerceria “cargo” na acepção jurídica do termo, mas “serviço público relevante”, a teor do disposto no art. 135 do Estatuto da Criança e do Adolescente (fls. 02/03).

Ao suscitar o conflito negativo de atribuições, ponderou o suscitante o seguinte: (a) a investigação deverá ser presidida pelo Promotor de Justiça da Cidadania (Patrimônio Público), por se referir diretamente ao respeito aos princípios constitucionais e administrativos que regem a ocupação de cargo público; (b) os paradigmas mencionados pelo suscitado reforçam o entendimento de que seria do suscitado a presidência da investigação.

É o relato do essencial.

2. Fundamentação.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, e deve ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (Emerson Garcia, Ministério Público, 2ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p.196).

Portanto, conhecido do conflito, é o caso de se passar à definição do órgão de execução com atribuições para atuar no presente feito.

Como se sabe, no processo jurisdicional, a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23ª ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11ª ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Essa ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t.I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p.621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certa investigação também não parta de elementos do caso concreto, ou seja, seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

Na hipótese em análise, insta considerar que a própria carta que deu ensejo à investigação denota a preocupação com o desempenho das funções de Conselheiro Tutelar, ao aduzir que por ter dois cargos, a suposta representada não estaria apta a exercer sua função no Conselho Tutelar, pois necessariamente daria aulas todos os dias (fl. 04).

O suscitante assevera que a notícia de acumulação remunerada de cargos de Professora e de Conselheira Tutelar não violaria interesses supraindividuais relativos à Infância e Juventude, nem mesmo colocaria em risco qualquer criança e adolescente. Ao contrário, sendo a Conselheira Tutelar também Educadora, provavelmente seria ela mais preparada para o desempenho de seu mister.

Constata-se facilmente a presença de situação limítrofe entre as atribuições do suscitante e do suscitado. Assim, não obstante as bem lançadas ponderações formuladas por ambos os interessados, no caso em exame se mostra mais adequado reconhecer que a atribuição para realizar a investigação é do órgão ministerial que inicialmente tomou contato com o caso.

Veja-se que a carta encaminhada à Promotoria de Justiça de Votuporanga foi inicialmente encaminhada ao suscitante, uma vez haver recebido a numeração par (n. 86/13).

É fato extremamente comum – e isso é notório para quem está afeto aos problemas concretos envolvendo interesses metaindividuais - que, em determinada investigação, verifique-se a existência de mais de um interesse, afeto a mais de uma área de atuação do Ministério Público.

Tal situação decorre da complexidade dos interesses coletivos, cujo dinamismo faz com que nem sempre se acomodem, de forma singela, aos critérios normativos previamente estabelecidos para fins de repartição das atribuições dos órgãos ministeriais.

É bem verdade que, tratando do tema, Hugo Nigro Mazzilli anota que “se houver mais de uma causa bastante para a intervenção do Ministério Público no feito, nele funcionará o membro da instituição incumbido do zelo do interesse público mais abrangente”, esclarecendo que para tais fins, a análise da abrangência deve ser feita no sentido do individual para o supra-individual (Regime Jurídico do Ministério Público, 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 421/422).

Assim, quando se está diante de interesses coletivos afetos a áreas distintas não se pode afirmar que uma delas seja mais abrangente do que outra, pois a progressiva gradação dessa abrangência se dá, a rigor, do plano individual para o plano coletivo.

Dessa forma, nos conflitos entre Promotorias especializadas na tutela de interesses metaindividuais em que desde logo fique demonstrada a presença de fundamentos para a atuação de ambas, razoável solução se apresenta com o critério da prevenção.

Reforça tal raciocínio a aplicação analógica, para a solução de conflitos de atribuição entre órgãos ministeriais, da regra prevista no parágrafo único do art. 2º da Lei da Ação Civil Pública, destinada à solução de conflitos de competência em sede de ações coletivas.

Em outras palavras, quando não há maior destaque, diante de peculiaridades do caso concreto, de um interesse metaindividual sobre outro, a prevenção funciona como parâmetro que melhor atende ao interesse geral, bem como à continuidade, à eficiência e à eficácia da atividade ministerial.

Caberá ao suscitante, portanto, prosseguir na investigação.

3. Decisão.

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber à suscitante, 4ª Promotoria de Justiça de Votuporanga (Infância e Juventude), a atribuição para oficiar no procedimento investigatório.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 19 de agosto de 2013.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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