Conflito de Atribuições

 - Cível -

Protocolado nº 115.491/15

(MP nº 43.0278.0001836/2015-6)

Suscitante: 4º Promotor de Justiça do Guarujá (Saúde Pública)

Suscitado: 2º Promotor de Justiça do Guarujá (Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo)

 

 

Ementa:

1.      Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 4º Promotor de Justiça do Guarujá (Saúde Pública). Suscitado: 2º Promotor de Justiça do Guarujá (Meio Ambiente, Habitação e Urbanismo). 2. Representação encaminhada à Promotoria de Justiça de Meio Ambiente e Habitação e Urbanismo, com pedido de providências quanto à existência para a fiscalização de semoventes soltos em via pública e responsáveis pela transmissão de vetores como carrapatos e barbeiros em área urbana. 3. Necessidade de fiscalização por parte do Centro de Controle de Zoonoses, Vigilância Sanitária e Epidemiológica. 4. Conflito conhecido e dirimido, com determinação de prosseguimento do feito pelo 4º Promotor de Justiça do Guarujá (Saúde Pública).

 

Vistos.

1)  Relatório

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o 4º Promotor de Justiça de Guarujá e como suscitado o 2º Promotor de Justiça da mesma localidade, com atribuições nas áreas de Saúde Pública e Meio Ambiente/Habitação e Urbanismo, respectivamente.

Verifica-se dos autos que representação foi encaminhada à Promotoria de Justiça do Guarujá, solicitando providências quanto à criação de animais de grande porte em área urbana, com notícia de proliferação de carrapatos e contaminação de animais domésticos.

Impressa a representação enviada via correio eletrônico à Promotoria do Guarujá (Protocolo nº : 547/15 – fls. 02/11) expediu-se certidão informando acerca da inexistência de procedimento na Promotoria envolvendo os fatos narrados, abrindo-se, em seguida, conclusão ao Dr. Osmair Chamma Junior. Os autos foram enviados ao DD. 2º Promotor de Justiça do Guarujá, com atribuições nas áreas de Meio Ambiente e de Habitação e Urbanismo, o qual pediu sua redistribuição “à Promotoria de Justiça com atribuição afeta à Saúde Pública para as providências cabíveis” (fls. 12).

Ocorre que a DD. Promotora de Justiça que exerce as funções do 4º Promotor de Justiça do Guarujá, com atribuições para a defesa da Saúde Pública, também declinou da atribuição, afirmando :

“A representação prende-se à ausência de fiscalização e providências da Prefeitura de Guarujá em face da existência de animais de grande porte pastando em via pública.

E, como se sabe, a investigação e apuração de danos aos interesses metaindividuais dos cidadãos decorrentes da falta de manutenção e abando de área pública é matéria afeta à Promotoria de habitação e urbanismo, nos termos, inclusive, dos assuntos relacionados no portal de sistemas – SIS-MP” (fls. 26/28).

Acrescenta: “Ainda que assim não fosse, e vislumbrando-se existir, cumulativamente, interesse na área da saúde pública a ser protegido, existindo sobreposição de atribuições de dois órgãos em conflito, aplica-se a regra da prevenção”.

É o relato do essencial.

2) Fundamentação

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

Em que pesem os argumentos aduzidos, analisando-se o caso posto verifica-se que a atribuição para a apuração dos fatos é do 4º Promotor de Justiça do Guarujá, com atribuições na área de Saúde Pública.

Vejamos.

Compulsando a representação estopim dos presentes autos destaca-se que a peça inaugural teve como enfoque a preocupação dos moradores das imediações acerca da proliferação de “vetores, como carrapatos” e “barbeiros” pelos semoventes à deriva, por conseguinte prejudiciais a outras animais e também à saúde humana.

Ademais, tais fatos estariam ocorrendo graças à omissão do Poder Público na realização dos serviços que por ele deveriam estar sendo prestados, consistente na ausência de fiscalização, a fim de coibir e sanar eventos da mesma natureza.

Quando da fixação das atribuições das Promotorias da Saúde Pública pelo Ato Normativo Nº : 593, de 05 de Junho de 2009, restou definido que à ela incumbe zelar para que o Poder Público cumpra as disposições constantes na Constituição Federal e Estadual, bem como as trazidas por outras normas pertinentes ao mesmo tema, sem prejuízo de exigir dos entes públicos a efetividade dos serviços de relevância pública, a fim de promover, defender e recuperar a saúde individual ou coletiva dos cidadãos.

Não obstante, no caso concreto, destaca-se que o Poder Público, apesar de instado diversas vezes pelos munícipes, quedou-se inerte, quer por intermédio do Centro de Controle de Zoonoses, quer através da própria Secretária da Saúde, orgãos diretamente relacionados ao controle e combate às doenças transferidas por animais a humanos e, portanto, incumbidos de atuarem no caso concreto.

 Assim, forçoso convir que tais serviços essenciais não vem sendo prestados a contento aos munícipes, uma vez que à revelia do Poder Público local, a situação fática permanece, razão pela qual houve a necessidade de provocar a promotoria local.

 Logo, não há como se esquivar, escapulir que a matéria encontra-se afeta à Saúde Pública – atribuição que ostenta o cargo do Membro Suscitante (4ºPJ Guarujá) – à área de Habitação e Urbanismo - atribuições inerentes ao cargo do Membro Suscitado (2ºPJ Guarujá), ante à evidente omissão por parte do Poder Público na prestação de serviços de relevância pública, cujos reflexos incidem cirurgicamente na saúde dos governados’.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber à suscitante, 4º Promotor de Justiça do Guarujá (Saúde Pública) a atribuição para oficiar no procedimento investigatório.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

 

São Paulo, 31 de agosto de 2015.

 

       Márcio Fernando Elias Rosa

       Procurador-Geral de Justiça