Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 115.884/2014

Inquérito Civil nº 14.0701.0000009/2011-9

Suscitante: Promotor de Justiça de Ilhabela

Suscitado: GAEMA – Núcleo Litoral Norte

 

 

Ementa:

1)   Conflito negativo de atribuições. Promotor de Justiça de Ilhabela (suscitante) e GAEMA Litoral Norte (suscitado).

2)   Procedimento que noticia a necessidade de atuação na defesa e proteção de bens ambientais, tendo em vista o despejo de esgoto in natura em córrego, com repercussão em pelo menos dois corpos hídricos presentes na região, bem como a necessidade de implementar projeto de recuperação ambiental na região, com possível remoção de várias construções irregulares, com o fim de recuperar as funções ecológicas das respectivas APPs.

3)   Conflito conhecido e dirimido, declarando caber ao suscitado realizar a investigação.

 

 

 

 

 

Vistos,

1) RELATÓRIO

Tratam estes autos de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. Promotor de Justiça de Ilhabela (com atribuições na área do Meio Ambiente) e como suscitado o DD. Promotor de Justiça oficiante no GAEMA – Núcleo Litoral Norte.

O expediente foi iniciado pelo GAEMA – NÚCLEO LITORAL NORTE para apurar possível dano ambiental decorrente de irregular captação de recursos hídricos.

No curso da investigação sobreveio o Relatório de Vistoria de fls. 92/95, elaborado pelo Núcleo de Fiscalização e Monitoramento da Coordenadoria de Biodiversidade e Recursos Naturais da Secretaria do Meio Ambiente, do qual se extrai, em síntese:

“(...)

Em um trecho específico é possível observar uma construção na margem oposta da propriedade vistoriada (casa verde), também inserida em APP, que aparentemente despeja esgoto in natura no referido córrego (Figura 03 a, b, c d). Em quase toda extensão de suas margens do córrego dentro da propriedade ocorre a presença de bambu exótico e nativo (taquara), em alguns trechos as margens estão cercadas por alambrado (Figura 04 a, b, c d).

(...)

Em consulta à carta SF_23_Y_D_VI_3_n_A do Plano Cartográfico do Estado de São Paulo (Fig. 04), observa-se que pelo menos dois corpos hídricos estão presentes na região, caracterizando em seu entorno, Área de Preservação Permanente (APP) de corpo d’água, de 30 metros a partir de suas margens (Figura 05).

(...)

Destaca-se, entretanto, que para que a recuperação ambiental seja significativa é necessário que todas as casas da região inseridas em APP sejam removidas, bem como os entulhos gerados, e que seja elaborado e implantado, por profissional competente, um projeto de recuperação ambiental na região, haja vista que a remoção de apenas uma residência irregular dentre tantas outras existentes não garante a recuperação das funções ecológicas das APPs.

(...)”.

O referido relatório é de 18 de abril de 2012.

O CAEX elaborou Parecer Técnico (fls. 100/105 e 156/157), no qual concorda com as recomendações técnicas acima mencionadas (fl. 157).

Em nova conclusão, o suscitado, DD. Promotor de Justiça oficiante no GAEMA – Núcleo Litoral Norte (fls. 163/165), determinou o encaminhamento dos autos à Promotoria de Justiça de Ilhabela, argumentando que “o dano ambiental versado nestes autos não está incluído nas metas de trabalho do GAEMA – Litoral Norte, consoante o Ato Normativo nº 811/2014 – PGJ, de 17 de fevereiro de 2014”.

O DD. Promotor de Justiça de Ilhabela, ora suscitante, por sua vez, entende que “a amplitude do dano ambiental apresenta-se como violadora do saneamento ambiental, porque põe em risco a qualidade da água, por lançamento de esgoto in natura; assim como por interferir na drenagem urbana pela impermeabilização do solo por construções diversas”.

Por isso, suscitou o conflito de atribuições (fls. 172/176).

É o relato do essencial.

2) FUNDAMENTAÇÃO

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

No caso em exame, o objeto da apuração tramita há bastante tempo no GAEMA – LITORAL NORTE.

Não há dúvida de que, em conformidade com o Ato Normativo nº 552/2008, PGJ, de 04 de setembro de 2008, as atribuições executivas do GAEMA dizem respeito à sua atuação na defesa e proteção dos “bens ambientais eleitos como prioritários, mediante atuação integrada com o Promotor de Justiça Natural” (cf. art. 5º, a do Ato Normativo nº 552/2008).

Não há, nos dispositivos do referido ato regulamentar, disposições que fixem, de antemão, parâmetros para a definição inflexível das hipóteses que deverão ser indicadas como preferenciais quanto à sua atuação.

Essa permeabilidade tem em vista, como destaca a motivação contida no preâmbulo do referido ato normativo, “o caráter transcendental das questões ambientais, a identidade de hipóteses de atuação e a necessidade de atuação integrada, coordenada e concentrada”, bem como “a necessidade de eleição de prioridades e metas que respeitem as peculiaridades locais e regionais, bem como o referido caráter transcendental da tutela ambiental”.

Dessa forma, essa eleição de questões prioritárias que invoca a atuação do GAEMA, naturalmente envolve, ao menos de modo implícito, situações em que a questão ambiental se apresente de modo regionalizado, recomendando a atuação uniforme do Ministério Público, desconsiderando os limites tradicionais de divisão de atribuições em sentido territorial (comarcas e foros).

Essa nova modalidade de atuação ministerial, de outro lado, deve privilegiar, na fixação de atribuições, aspectos geográficos relacionados ao próprio meio ambiente a ser protegido, como ocorre, precisamente, nas questões que envolvem determinada bacia hidrográfica.

Tanto assim que o Ato Normativo 552/2008 também adota como justificativa, em seu preâmbulo, a afirmação de que “nos termos do artigo 1º, inciso V, da Lei 9.433, de 08/01/1997, a bacia hidrográfica é a unidade territorial para a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos, podendo ser empregada como caráter definidor das atuações regionalizadas”.

Considerando tais premissas é que foram estruturados os Núcleos Regionais do GAEMA a partir de grandes bacias hidrográficas, tendo em vista a necessidade de definição de política ministerial de atuação regionalizada e uniforme em matéria ambiental.

Por outro lado, o Ato Normativo nº 811/2011-PGJ, de 17 de fevereiro de 2014, que dispôs sobre “as metas gerais e regionais para a atuação do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (GAEMA) e da Rede de Atuação Protetiva do Meio Ambiente, para o ano de 2014”, estabeleceu, em seu art. 1º, as metas gerais e regionais para o GAEMA no ano de 2014, sendo certo que o inciso IV, n.1, desse artigo prevê, entre outros temas, a “1. Saneamento ambiental. Implementação de políticas públicas referentes à coleta, afastamento e tratamento de esgoto sanitário”.

Além disso, observa-se que, no caso em análise, está em evidência situação que recomenda a atuação coordenada, em perspectiva que repercuta de forma diferenciada e transcendente, que não se limita a uma situação pontual.

Com as informações constantes destes autos até o momento, pode-se vislumbrar a necessidade e a conveniência de uma atuação padronizada que envolve inúmeros imóveis e que repercute em pelo menos dois corpos hídricos que estão presentes na região.

Esse quadro sinaliza para o reconhecimento da atribuição do GAEMA – Núcleo Litoral Norte.

3) DECISÃO

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, DD. Promotor de Justiça oficiante no GAEMA – Núcleo Litoral Norte, a atribuição para dar seguimento à investigação.

Publique-se a ementa.

Comunique-se.

Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

 

São Paulo, 21 de agosto de 2014.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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