Protocolado n. 117.736/14

Suscitante: Procurador da República no Município de São José do Rio Preto

Suscitado: 2º Promotor de Justiça de São José do Rio Preto

 

 

 

 

 

 

 

 

 

EMENTA. Constitucional. Ministério Público. Conflito de atribuições. Decisão do Procurador-Geral da República. Descabimento. Competência do Supremo Tribunal Federal. 1. Compete ao Supremo Tribunal Federal a solução de conflito de atribuições entre membros de diferentes unidades de Ministério Público (art. 102, I, f, CF/88). 2. Ato do Procurador-Geral da República que, imolando a autonomia do Ministério Público do Estado de São Paulo e o devido processo legal (arts. 127, §§ 1º e 2º, e 128, I e II, CF/88), invade a competência do Supremo Tribunal Federal e dirime conflito de atribuições entre órgãos de execução componentes do Ministério Público Estadual e do Ministério Público Federal. 3. Ao Procurador-Geral da República só é autorizada a solução de conflitos de atribuição entre membros de diferentes ramos do Ministério Público da União (art. 26, VII, LOMPU), e não entre estes e os membros do Ministério Públicos dos Estados. 4. Remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal para dirimir o conflito de atribuição (art. 102, I, f, CF/88; art. 247, RISTF).

 

 

    

 

 

1.            O 2º Promotor de Justiça de São José do Rio Preto instaurou inquérito civil para apuração de denúncia de poluição sonora atribuída à empresa concessionária do serviço público de transporte ferroviário ALL-América Latina Logística Malha Paulista S/A (Inquérito Civil n. 14.0717.0000522/2013-1).

2.             Após sua instrução, concluiu Sua Excelência a atribuição do Ministério Público Federal providenciando sua remessa à douta Procuradoria da República na Capital do Estado de São Paulo (fls. 132/139) que, por sua vez, encaminhou o inquérito civil à insigne Procuradoria da República no Município de São José do Rio Preto (fls. 146/150) – que o autuou como Peças de Informação n. 1.34.001.000784/2013-55.

3.             O Procurador da República no Município de São José do Rio Preto determinou o encaminhamento dos autos ao eminente Procurador-Geral da República solicitando providências para protocolizar no Supremo Tribunal Federal conflito negativo de atribuições (fls. 165/172).

4.             O eminente Procurador-Geral da República submeteu o declínio de atribuição à colenda 4ª Câmara de Coordenação e Revisão (fls. 176/177) que restituiu os autos ao douto Procurador-Geral da República para providências no tocante ao conflito a ser suscitado (fls. 178/181). Este, por sua vez, converteu as peças de informação em procedimento preparatório (fls. 182/183) e, afinal, em 05 de agosto de 2014, emitiu decisão reconhecendo “a atribuição do Ministério Público do Estado de São Paulo para atuar no feito” (fls. 185/197), ingressando os autos na Procuradoria-Geral de Justiça em 12 de agosto de 2014 (fl. 197v.).

5.             O eminente Procurador-Geral da República invadiu a competência do Supremo Tribunal Federal, vulnerando a autonomia do Ministério Público do Estado de São Paulo (arts. 102, I, f, e 127, § 2º, Constituição Federal. Sua decisão proferido nestes autos é completamente ilegítima. Dela destaco o seguinte:

“O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas proferidas pelo Ministro Teori Zavascki, confirmou, recentemente, caber ao Procurador-Geral da República, como chefe do Ministério Público da União, a definição de conflitos de atribuição instalados entre membros do Ministério Público. Eis o teor da decisão, proferida na ACO 2079 e replicada nas ACOs 1717, 1678, 1642 e 1585:

(...)

De se reconhecer, então, tal como bem apontado na decisão transcrita, que o conflito de atribuições entre membros do Ministério Público, estadual e federal, não é alcançado, como antes se entendeu, pela competência originária do Supremo Tribunal Federal para julgar ‘as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta’, estabelecida no art. 102, I, ‘f’, da Constituição. O Ministério Público não é entidade da administração pública nem tem papel pertinente à administração pública. Também não há risco, nem sequer potencial, de lesão ao pacto federativo a atrair a competência da Corte.

Na visão da Suprema Corte, mais que isso, a solução da divergência, que demanda seja feito juízo de valor a partir dos elementos colhidos no curso da investigação iniciada pelo Ministério Público, não pode caber ao Judiciário.

A situação, como ali registrado, é mais singela do que aquelas em que necessária a intervenção judicial. Há conflito de atribuições entre órgãos de uma mesma instituição. Embora com campo de atuação bem delineado nas esferas federal e estadual, a instituição é uma só, com papel único. O conflito é interno, portanto, sendo evidente que a sua resolução deve também ser interna.

A atribuição de tal tarefa ao Procurador-Geral da República, por sua vez, se dá não em razão de uma hierarquia que, de fato, não existe, mas, sim, por ser ele o Chefe do Ministério Público da União, sendo certo que, em respeito ao princípio federativo e em vista da natural supremacia da União sobre os estados-membros, a ele (MPU) cabe decidir sobre as suas próprias atribuições.

Faz-se paralelo com o entendimento – há muito pacificado e sumulado – aplicável no âmbito da competência jurisdicional, no sentido de que a existência de interesse a atrair a competência da Justiça Federal é definida pela própria Justiça Federal, sem nenhuma subordinação a deliberação em sentido contrário da Justiça dos estados. No mesmo sentido, tem-se as Súmulas STJ 150 e 254 e, no âmbito da jurisprudência do STF, as decisões vistas em RT, v. 541, p. 263; RTJ, vol. 78, p. 390; RTJ, vol. 93, p. 1291; RTJ, vol. 95, p. 447; RTJ, vol. 101, p. 419.

Dito isso, resolvo o presente conflito com o reconhecimento da atribuição do Ministério Público do Estado de São Paulo” (fls. 186/194 - sic).

6.             Entretanto, falta-lhe atribuição para tanto.

7.             O Ministério Público é instituição nacional, mas deriva da Constituição da República a coexistência de duas ordens de Ministério Público (incisos I e II do art. 128: o Ministério Público da União e o Ministério Público dos Estados). E a ambos conferiu autonomia funcional e administrativa (art. 127, § 2º), explicitando ademais seus princípios de unidade, indivisibilidade e independência funcional (art. 127, § 1º). Segundo communis opinio doctorum, a unidade significa que os membros do Ministério Público integram um só órgão sob a direção de um só chefe, não havendo unidade entre os membros de Ministérios Públicos diversos, pois, só existe unidade dentro de cada Ministério Público (Hugo Nigro Mazzilli. Regime Jurídico do Ministério Público, São Paulo: Saraiva, 1993, p. 66; Alexandre de Moraes. Direito Constitucional, São Paulo: Atlas, 2000, 7ª ed., p. 475).

8.             Em outras palavras, o Ministério Público é uma instituição unitária ainda que haja repartição de competências entre o Ministério Público da União e os dos Estados, mas, a unidade expressa a ideia de que “a apenas uma instituição, e não a várias, cabe o exercício das funções institucionais” (Pedro Roberto Decoiman. Comentários à Lei Orgânica Nacional do Ministério Público: Lei nº 8.625, de 12.02.1993, Belo Horizonte: Editora Fórum, 2011, 2ª ed., p. 35). Não há falar, assim, em sujeição, vinculação administrativa ou funcional de um ramo do Ministério Público a outro, exceto para aquelas carreiras que a Constituição quis organizar de forma anômala, como as que integram as carreiras do Ministério Público da União.

9.             Neste sentido, em declaração de voto o Ministro Carlos Ayres Britto sintetizou a diferença entre unidade e indivisibilidade, denotando a natureza administrativa daquele princípio:

“enquanto o princípio da unidade do Ministério Público é de caráter administrativo, a partir da ideia força de que o Ministério Público tem um só chefe, a indivisibilidade diz com a atuação do Ministério Público em juízo” (STF, ADI 932-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 12-12-2010, m.v., DJe 09-05-2011).

10.           A cada uma das esferas de Ministério Público foi assegurada autonomia - poder que a instituição goza para dar direção própria aos assuntos de sua própria competência ou, mais simplesmente, para administrar a si mesma, impedindo que receba ordens ou injunções de outros órgãos estatais – o que garante a efetiva independência funcional do Ministério Público e compreende, entre outros, a capacidade para decidir mediante critérios ou juízos de sua própria escolha sem observar ordens ou injunções de autoridades estranhas ao quadro institucional.

11.           Tal modo organizacional guarda direta relação com o modelo federativo acolhido desde sempre pelo Estado Brasileiro. Com efeito, aos Estados são consignadas competências próprias que, ademais, são plenas no âmbito administrativo. Aos Estados é conferida autonomia, definida como o “governo próprio dentro do círculo de competências traçadas pela Constituição Federal” (José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Malheiros, 2010, 33ª ed., p. 100), e que se consubstancia nas capacidades de auto-organização, autolegislação, autogoverno e autoadministração, e que estão contidas nos arts. 18 e 25 a 28 da Constituição Federal (José Afonso da Silva. Comentário contextual à Constituição, São Paulo: Malheiros, 2006, 2ª ed., p. 283).

12.         O princípio federativo é diretriz estruturante da organização política e administrativa brasileira (arts. 1º e 18, Constituição Federal), com valor de cláusula pétrea (art. 60, § 4º, I, Constituição), estando assentado na autonomia estadual e na repartição de competências que, respectivamente, se arquitetam na existência de órgãos governamentais próprios (que não dependam dos órgãos federais quanto à forma de seleção e investidura) e na posse de competências exclusivas, como explica José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Malheiros, 2010, 33ª ed., p. 100).

13.         A autoadministração é a capacidade de gestão dos próprios órgãos e serviços públicos sem interferência da ordem central (Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Junior. Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Saraiva, 1998, pp. 187-189), sendo exercitável “sem subordinação hierárquica dos Poderes estaduais aos Poderes da União” (Fernanda Dias Menezes de Almeida. Competências na Constituição de 1988, São Paulo: Atlas, 2000, 2ª ed., p. 25).

14.         Não há dúvida que a solução de conflitos de atribuições se encarta entre as prerrogativas decorrentes da hierarquia, como acentua a literatura (Mario Masagão. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Max Limonad, 1959, tomo I, p. 75, n. 150; Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito Administrativo, São Paulo: Atlas, 2003, pp. 74, 92-94; Celso Antonio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2000, p. 125, n. 25; Odete Medauar. Direito Administrativo Moderno, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, pp. 58-59).

15.         Hierarquia - anota Augustín Gordillo - é uma relação jurídica administrativa interna vinculando entre si os órgãos da Administração mediante subordinação para assegurar a unidade de ação, e sua primeira característica “é que se trata de uma relação entre órgãos internos de um mesmo ente administrativo e não entre distintos sujeitos administrativos”, de tal sorte que seu espaço não é o da descentralização administrativa institucional, mas, o da centralização, da desconcentração e da delegação (Augustín Gordillo. Tratado de Derecho Administrativo, Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2013, 11ª ed., tomo I, Capítulo XII, pp. 24-25).

16.          A interioridade é traço elementar da hierarquia e, além disso, antiga e precisa lição assinala que onde há hierarquia não há conflito porque o “conflito de atribuições supõe necessariamente que nenhum dos órgãos conflitantes seja hierarquicamente subordinado ao outro, pois, nessa hipótese, a decisão do órgão superior resolve o caso” (Mário Masagão, Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Max Limonad, 1960, tomo II, p. 333, n. 513).

17.           As Leis Orgânicas do Ministério Público são indicativas das competências administrativas do Procurador-Geral.

18.           A Lei n. 8.625/93 prescreve quanto ao Ministério Públicos dos Estados:

“Art. 10. Compete ao Procurador-Geral de Justiça:

I - exercer a chefia do Ministério Público, representando-o judicial e extrajudicialmente;

(...)

X - dirimir conflitos de atribuições entre membros do Ministério Público, designando quem deva oficiar no feito”.

19.           A Lei Complementar n. 75/93 sequer confere ao Procurador-Geral da República competência para solução de conflito de atribuição entre membros do Ministério Público da União e dos Estados ou entre estes. No tocante ao Ministério Público da União, esse diploma legal, além de prever a competência da Câmara de Coordenação e Revisão em face de conflito entre órgãos do Ministério Público Federal, reservada ao Procurador-Geral da República decisão em grau de recurso (arts. 49, VIII, e 62, VII), estabelece:

“Art. 26. São atribuições do Procurador-Geral da República, como Chefe do Ministério Público da União:

I - representar a instituição;

(...)

VII - dirimir conflitos de atribuição entre integrantes de ramos diferentes do Ministério Público da União”.

20.           Ou seja, o Procurador-Geral da República detém competência para solução de conflitos de atribuição entre membros de ramos diferentes do Ministério Público da União.

21.           A solução de conflitos de atribuição é resquício da hierarquia na organização do Ministério Público, modo de viabilizar a atuação cotidiana com unidade.

22.           Se compete a cada Procurador-Geral a solução conflitos de atribuição entre membros de seus respectivos Ministérios Públicos, os conflitos entre membros de Ministérios Públicos diversos encontram sede competente no Supremo Tribunal Federal.

23.           Diante do conflito de atribuições (positivo ou negativo) entre órgãos de Ministérios Públicos diversos (entre Ministérios Públicos Estaduais ou entre Ministério Público Federal e Ministério Público Estadual), sua solução não é da alçada da Procuradoria-Geral da República. O Procurador-Geral da República exerce tão somente a Chefia do Ministério Público da União, não podendo estendê-la aos Estados, sob pena de violação do princípio federativo e do princípio da autonomia conferida aos Ministérios Públicos Estaduais – possuidores de chefia própria - e de afirmar-se hierarquia onde não existe.

24.           O Superior Tribunal de Justiça dispensou orientação negativa ao conhecimento desse conflito de atribuições (STJ, CAt 169-RJ, 3ª Seção, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, 23-11-2005, m.v., DJ 13-03-2006, p. 177) e o Supremo Tribunal Federal, revendo seu entendimento anterior, concluiu competir-lhe a solução do conflito:

“COMPETÊNCIA - CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES - MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL VERSUS MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. Compete ao Supremo a solução de conflito de atribuições a envolver o Ministério Público Federal e o Ministério Público Estadual. (...)” (STF, Pet 3.528-BA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 28-09-2005, v.u., DJ 03-03-2006, p. 71). 

25.           Nesse julgamento foi assentado descaber à Procuradoria-Geral da República dirimir conflito de atribuições entre órgãos dos Ministérios Públicos Federal e Estadual por que:

“de acordo com a norma do § 1° do artigo 128 do Diploma Maior chefia ele o Ministério Público da União, não tendo ingerência, considerados os princípios federativos, nos Ministérios Públicos dos Estados. (...) A solução há de decorrer não de pronunciamento deste ou daquele Ministério Público, sob pena de se assentar hierarquização incompatível com a Lei Fundamental. Uma coisa é atividade do Procurador-Geral da República no âmbito do Ministério Público da União, como também o é atividade do Procurador-Geral de Justiça no Ministério Público do Estado. Algo diverso, e que não se coaduna com a organicidade do Direito Constitucional, é dar-se à chefia de um Ministério Público, por mais relevante que seja, em se tratando da abrangência de atuação, o poder de interferir no Ministério Público da unidade federada, agindo no campo administrativo de forma incompatível com o princípio da autonomia estadual. Esta apenas é excepcionada pela Constituição Federal e não se tem na Carta em vigor qualquer dispositivo que revele a ascendência do Procurador-Geral da República relativamente aos Ministérios Públicos dos Estados”.

26.           Esse posicionamento, ademais, esclareceu que competia ao próprio Supremo Tribunal Federal superar o impasse, de maneira a evitar um “buraco negro”, trazendo à colação precedentes longevos (STF, CJ 5.133, Rel. Min. Aliomar Baleeiro, DJ 22-05-1970; STF, CJ 5.257, Rel. Min. Aliomar Baleeiro, DJ 04-05-1970) para concluir que “diante da inexistência de disposição específica na Lei Fundamental relativa à competência, o impasse não pode continuar. Esta Corte tem precedente segundo o qual, diante da conclusão sobre o silêncio do ordenamento jurídico a respeito do órgão competente para julgar certa matéria, a ela própria cabe a atuação (...) Esse entendimento é fortalecido pelo fato de órgãos da União e de Estado membro estarem envolvidos no conflito, e aí há de se emprestar à alínea ‘f’ do inciso I do artigo 102 da Constituição Federal alcance suficiente ao afastamento do descompasso, solucionando-o o Supremo, como órgão maior da pirâmide jurisdicional”.

27.           Portanto, firmou-se a competência do Supremo Tribunal Federal para conhecimento e julgamento de conflito de atribuições “entre o Ministério Público Federal e os Ministérios Públicos Estaduais, ante a ausência de dispositivo constitucional expresso, mas com a efetiva possibilidade de conflito federativo (art. 102, I, f, da Constituição)” (STF, ACO-ED 1.239-DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 18-09-2008, DJe 20-10-2008).

28.           Como se vê, ao Procurador-Geral da República compete somente a solução de conflitos entre membros de ramos diferentes do Ministério Público da União nos termos do art. 26, VII, da Lei Complementar n. 75/93.

29.           Concepção diversa é agressiva à autonomia de cada esfera de Ministério Público e estabeleceria hierarquia inexistente. E o Supremo Tribunal Federal continua a entender que a competência para solução do conflito de atribuições entre diversos Ministérios Públicos é da sua competência, e não do Procurador-Geral da República, como se observa das decisões do Plenário adiante invocadas:

“DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÕES. CARACTERIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE DECISÕES DO PODER JUDICIÁRIO. COMPETÊNCIA DO STF. AUTARQUIA ESPECIAL. INTERESSE DA UNIÃO. ART. 102, I, f, e 109, I, CF. 1. Trata-se de conflito negativo de atribuições entre órgãos de atuação do Ministério Público Federal e do Ministério Público Estadual a respeito dos fatos constantes de procedimento administrativo. 2. Com fundamento no art. 102, I, f, da Constituição da República, deve ser conhecido o presente conflito de atribuição entre os membros do Ministério Público Federal e do Estado do Rio de Janeiro diante da competência do Supremo Tribunal Federal para julgar conflito entre órgãos de Ministérios Públicos diversos. 3. Os fatos indicados nos autos evidenciam o interesse jurídico da União, aqui consubstanciado no efetivo exercício do poder de polícia da Agência Nacional do Petróleo, evidenciando a atribuição do Ministério Público Federal para conduzir a investigação. 4. Conflito de atribuições conhecido, com declaração de atribuição ao órgão de atuação do Ministério Público Federal no Estado do Rio de Janeiro” (STF, ACO 1.136-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 04-08-2011, v.u., DJe 22-08-2011).

“CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES - MINISTÉRIOS PÚBLICOS ESTADUAL E FEDERAL. Conforme precedentes do Supremo, cabe a si dirimir conflito de atribuições entre o Ministério Público estadual e o Federal - Petição nº 3.631-0/SP, relator Ministro Cezar Peluso, acórdão publicado no Diário da Justiça Eletrônico de 6 de março de 2008, e Ação Cível Originária nº 889/RJ, relatora Ministra Ellen Gracie, acórdão veiculado no Diário da Justiça Eletrônico de27 de novembro de 2008. CRIME COMUM - AUSÊNCIA DE CONEXÃO COM O CRIME COMUM ELEITORAL. Verificada a inexistência de conexão entre as imputações, incumbe ao Ministério Público do Estado a atuação relativamente ao crime comum propriamente dito. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. O conflito de competência pressupõe postura de órgãos do Judiciário quer assentando ambos a respectiva competência, quer negando-a” (STF, Pet 4.574-AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 11-03-2010, v.u., DJe 09-04-2010).

30.           Essa é a tônica das decisões monocráticas, pesquisadas por amostragem (ACO 2.315-DF, Rel. Min. Celso de Mello, 06-08-2014, DJe 12-08-2014; ACO 2.049-SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, 10-07-2014, DJe 08-08-2014; ACO 2.546-MT, Rel. Min. Dias Toffoli, 13-06-2014, DJe 01-08-2014; ACO 2.438-ES, Rel. Min. Luiz Fux, 05-06-2014, DJe 11-06-2014; ACO 1.676-RJ, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 03-12-2013; DJe 09-12-2013).

31.           Nem se alegue que a decisão invocada alterou esse entendimento. Capta-se de sua fundamentação premissa eloquente a demonstrar a singularidade daquela hipótese de conflito negativo de atribuições entre membros dos Ministérios Públicos Federal e Estadual:

“9. No caso específico, o Ministério Público Federal, julgando-se sem atribuição, remeteu o processo ao Ministério Público Estadual. Aqui, a Procuradoria-Geral da República, em manifestação de sua autoridade maior, reconheceu ser atribuição do Ministério Público Federal atuar no caso. Ora, essa manifestação é por si só suficiente para, à luz do princípio federativo, definir como de sua atribuição as medidas investigatórias que o caso reclama. Portanto, se conflito havia, a essa altura ele já não mais subsiste, muito menos com o quilate de relevante conflito federativo a ser dirimido pelo Supremo Tribunal Federal”.

32.           Ou seja, em razão da posição de superioridade hierárquica do Procurador-Geral da República que reconheceu a atribuição do Ministério Público Federal declinada por membro da instituição – dele dissentindo em autêntico reexame da postura de membro do Ministério Público da União – o conflito pereceu. Neste sentido, assim foi decidido em outra decisão monocrática (STF, ACO 2.157-ES, Rel. Min. Teori Zavascki, 19-05-2014, DJe 22-05-2014). Ora, nestas situações em que a Chefia do Ministério Público Federal, agindo nessa qualidade, discorda da declinação de atribuição promovida por membro do Ministério Público Federal, exerce, em realidade, prerrogativa de natureza hierárquica que se lhe compete. Assim também o faz o Chefe do Ministério Público Estadual quando se recusa a provocar o Supremo Tribunal Federal para apreciar conflito de atribuições que lhe foi suscitado por membro do Ministério Público Estadual – já que não têm, em ambas as hipóteses, os membros conflitantes capacidade postulatória no Supremo Tribunal Federal, reservada aos Procuradores-Gerais.

33.           Em suma, o ordenamento jurídico vigente não autoriza o Procurador-Geral da República à solução de conflito de atribuições entre membros do Ministério Público da União e dos Estados, matéria que é da competência do Supremo Tribunal Federal.

34.           Por essa razão, outra solução não resta senão promover o encaminhamento dos autos ao colendo Supremo Tribunal Federal para dirimir o presente conflito de atribuições à luz do art. 102, I, f, da Constituição Federal, e do art. 247 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

35.           Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

                São Paulo, 02 de outubro de 2014.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

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