Protocolado n. 117.736/14
Suscitante: Procurador da República no Município de São José do Rio Preto
Suscitado: 2º Promotor de Justiça de São José do Rio Preto
EMENTA. Constitucional. Ministério Público. Conflito de atribuições. Decisão do Procurador-Geral da República. Descabimento. Competência do Supremo Tribunal Federal. 1. Compete ao Supremo Tribunal Federal a solução de conflito de atribuições entre membros de diferentes unidades de Ministério Público (art. 102, I, f, CF/88). 2. Ato do Procurador-Geral da República que, imolando a autonomia do Ministério Público do Estado de São Paulo e o devido processo legal (arts. 127, §§ 1º e 2º, e 128, I e II, CF/88), invade a competência do Supremo Tribunal Federal e dirime conflito de atribuições entre órgãos de execução componentes do Ministério Público Estadual e do Ministério Público Federal. 3. Ao Procurador-Geral da República só é autorizada a solução de conflitos de atribuição entre membros de diferentes ramos do Ministério Público da União (art. 26, VII, LOMPU), e não entre estes e os membros do Ministério Públicos dos Estados. 4. Remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal para dirimir o conflito de atribuição (art. 102, I, f, CF/88; art. 247, RISTF).
1. O 2º Promotor de Justiça de São José do
Rio Preto instaurou inquérito civil para apuração de denúncia de poluição
sonora atribuída à empresa concessionária do serviço público de transporte
ferroviário ALL-América Latina Logística Malha Paulista S/A (Inquérito Civil n.
14.0717.0000522/2013-1).
2. Após
sua instrução, concluiu Sua Excelência a atribuição do Ministério Público
Federal providenciando sua remessa à douta Procuradoria da República na Capital
do Estado de São Paulo (fls. 132/139) que, por sua vez, encaminhou o inquérito
civil à insigne Procuradoria da República no Município de São José do Rio Preto
(fls. 146/150) – que o autuou como Peças de Informação n.
1.34.001.000784/2013-55.
3. O
Procurador da República no Município de São José do Rio Preto determinou o
encaminhamento dos autos ao eminente Procurador-Geral da República solicitando
providências para protocolizar no Supremo Tribunal Federal conflito negativo de
atribuições (fls. 165/172).
4. O
eminente Procurador-Geral da República submeteu o declínio de atribuição à colenda
4ª Câmara de Coordenação e Revisão (fls. 176/177) que restituiu os autos ao
douto Procurador-Geral da República para providências no tocante ao conflito a
ser suscitado (fls. 178/181). Este, por sua vez, converteu as peças de
informação em procedimento preparatório (fls. 182/183) e, afinal, em 05 de
agosto de 2014, emitiu decisão reconhecendo “a atribuição do Ministério Público
do Estado de São Paulo para atuar no feito” (fls. 185/197), ingressando os
autos na Procuradoria-Geral de Justiça em 12 de agosto de 2014 (fl. 197v.).
5. O
eminente Procurador-Geral da República invadiu a competência do Supremo Tribunal Federal, vulnerando a
autonomia do Ministério Público do Estado de São Paulo (arts. 102, I, f, e 127, § 2º, Constituição Federal.
Sua decisão proferido nestes autos é completamente ilegítima. Dela destaco
o seguinte:
“O
Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas proferidas pelo Ministro
Teori Zavascki, confirmou, recentemente, caber ao Procurador-Geral da
República, como chefe do Ministério Público da União, a definição de conflitos
de atribuição instalados entre membros do Ministério Público. Eis o teor da
decisão, proferida na ACO 2079 e replicada nas ACOs 1717, 1678, 1642 e 1585:
(...)
De
se reconhecer, então, tal como bem apontado na decisão transcrita, que o
conflito de atribuições entre membros do Ministério Público, estadual e
federal, não é alcançado, como antes se entendeu, pela competência originária
do Supremo Tribunal Federal para julgar ‘as
causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal,
ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração
indireta’, estabelecida no art. 102, I, ‘f’, da Constituição. O Ministério
Público não é entidade da administração pública nem tem papel pertinente à
administração pública. Também não há risco, nem sequer potencial, de lesão ao
pacto federativo a atrair a competência da Corte.
Na
visão da Suprema Corte, mais que isso, a solução da divergência, que demanda
seja feito juízo de valor a partir dos
elementos colhidos no curso da investigação iniciada pelo Ministério Público,
não pode caber ao Judiciário.
A
situação, como ali registrado, é mais singela do que aquelas em que necessária
a intervenção judicial. Há conflito de atribuições entre órgãos de uma mesma
instituição. Embora com campo de atuação bem delineado nas esferas federal e
estadual, a instituição é uma só, com papel único. O conflito é interno,
portanto, sendo evidente que a sua resolução deve também ser interna.
A
atribuição de tal tarefa ao Procurador-Geral da República, por sua vez, se dá
não em razão de uma hierarquia que, de fato, não existe, mas, sim, por ser ele
o Chefe do Ministério Público da União,
sendo certo que, em respeito ao princípio federativo e em vista da natural
supremacia da União sobre os estados-membros, a ele (MPU) cabe decidir sobre as
suas próprias atribuições.
Faz-se
paralelo com o entendimento – há muito pacificado e sumulado – aplicável no
âmbito da competência jurisdicional, no sentido de que a existência de interesse
a atrair a competência da Justiça Federal é definida pela própria Justiça
Federal, sem nenhuma subordinação a deliberação em sentido contrário da Justiça
dos estados. No mesmo sentido, tem-se as Súmulas STJ 150 e 254 e, no âmbito da
jurisprudência do STF, as decisões vistas em RT, v. 541, p. 263; RTJ,
vol. 78, p. 390; RTJ, vol. 93, p.
1291; RTJ, vol. 95, p. 447; RTJ, vol. 101, p. 419.
Dito
isso, resolvo o presente conflito com o reconhecimento da atribuição do
Ministério Público do Estado de São Paulo” (fls. 186/194 - sic).
6.
Entretanto,
falta-lhe atribuição para tanto.
7.
O Ministério Público é
instituição nacional, mas deriva da Constituição da República a coexistência de
duas ordens de Ministério Público (incisos I e II do art. 128: o Ministério
Público da União e o Ministério Público dos Estados). E a ambos conferiu
autonomia funcional e administrativa (art. 127, § 2º), explicitando ademais
seus princípios de unidade, indivisibilidade e independência funcional (art.
127, § 1º). Segundo communis opinio
doctorum, a unidade significa que os membros do Ministério Público integram
um só órgão sob a direção de um só chefe, não havendo unidade entre os membros
de Ministérios Públicos diversos, pois, só existe unidade dentro de cada
Ministério Público (Hugo
Nigro Mazzilli. Regime Jurídico do
Ministério Público, São Paulo: Saraiva, 1993, p. 66; Alexandre de Moraes. Direito Constitucional, São Paulo:
Atlas, 2000, 7ª ed., p. 475).
8.
Em outras palavras, o
Ministério Público é uma instituição
unitária ainda que haja repartição de competências entre o Ministério
Público da União e os dos Estados, mas, a unidade expressa a ideia de que “a apenas uma instituição, e não a
várias, cabe o exercício das funções institucionais” (Pedro Roberto
Decoiman. Comentários à Lei Orgânica
Nacional do Ministério Público: Lei nº 8.625, de 12.02.1993, Belo
Horizonte: Editora Fórum, 2011, 2ª ed., p. 35). Não há falar, assim, em sujeição, vinculação
administrativa ou funcional de um ramo do Ministério Público a outro, exceto para
aquelas carreiras que a Constituição quis organizar de forma anômala, como as
que integram as carreiras do Ministério Público da União.
9. Neste sentido, em declaração de voto o
Ministro Carlos Ayres Britto sintetizou a diferença entre unidade e indivisibilidade,
denotando a natureza administrativa daquele princípio:
“enquanto
o princípio da unidade do Ministério Público é de caráter administrativo, a
partir da ideia força de que o Ministério Público tem um só chefe, a
indivisibilidade diz com a atuação do Ministério Público em juízo” (STF, ADI
932-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 12-12-2010, m.v., DJe
09-05-2011).
10. A cada uma das esferas de Ministério
Público foi assegurada autonomia - poder que a instituição goza para dar
direção própria aos assuntos de sua própria competência ou, mais simplesmente,
para administrar a si mesma, impedindo que receba ordens ou injunções de outros
órgãos estatais – o que garante a efetiva independência funcional do Ministério
Público e compreende, entre outros, a capacidade para decidir mediante
critérios ou juízos de sua própria escolha sem observar ordens ou injunções de
autoridades estranhas ao quadro institucional.
11. Tal modo organizacional guarda
direta relação com o modelo federativo acolhido desde sempre pelo Estado
Brasileiro. Com efeito, aos Estados são consignadas competências próprias que,
ademais, são plenas no âmbito administrativo. Aos Estados é conferida
autonomia, definida como o “governo próprio dentro do círculo de competências
traçadas pela Constituição Federal” (José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Malheiros, 2010, 33ª
ed., p. 100), e que se consubstancia nas capacidades de auto-organização,
autolegislação, autogoverno e autoadministração, e que estão contidas nos arts.
18 e 25 a 28 da Constituição Federal (José Afonso da Silva. Comentário contextual à Constituição,
São Paulo: Malheiros, 2006, 2ª ed., p. 283).
12. O princípio federativo é diretriz
estruturante da organização política e administrativa brasileira (arts. 1º e
18, Constituição Federal), com valor de cláusula pétrea (art. 60, § 4º, I,
Constituição), estando assentado na autonomia estadual e na repartição de
competências que, respectivamente, se arquitetam na existência de órgãos
governamentais próprios (que não dependam dos órgãos federais quanto à forma de
seleção e investidura) e na posse de competências exclusivas, como explica José
Afonso da Silva (Curso de Direito
Constitucional, São Paulo: Malheiros, 2010, 33ª ed., p. 100).
13. A autoadministração é a capacidade de
gestão dos próprios órgãos e serviços públicos sem interferência da ordem
central (Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Junior. Curso de Direito Constitucional, São Paulo:
Saraiva, 1998, pp. 187-189), sendo exercitável “sem subordinação hierárquica
dos Poderes estaduais aos Poderes da União” (Fernanda Dias Menezes de Almeida. Competências na Constituição de 1988,
São Paulo: Atlas, 2000, 2ª ed., p. 25).
14. Não há dúvida que a solução de
conflitos de atribuições se encarta entre as prerrogativas decorrentes da
hierarquia, como acentua a literatura (Mario Masagão. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Max Limonad, 1959, tomo
I, p. 75, n. 150; Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito Administrativo, São Paulo: Atlas, 2003, pp. 74, 92-94;
Celso Antonio Bandeira de Mello. Curso de
Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2000, p. 125, n. 25; Odete
Medauar. Direito Administrativo Moderno,
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, pp. 58-59).
15. Hierarquia - anota Augustín Gordillo -
é uma relação jurídica administrativa interna vinculando entre si os órgãos da
Administração mediante subordinação para assegurar a unidade de ação, e sua
primeira característica “é que se trata de uma relação entre órgãos internos de
um mesmo ente administrativo e não entre distintos sujeitos administrativos”,
de tal sorte que seu espaço não é o da descentralização administrativa
institucional, mas, o da centralização, da desconcentração e da delegação
(Augustín Gordillo. Tratado de Derecho
Administrativo, Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2013,
11ª ed., tomo I, Capítulo XII, pp. 24-25).
16. A interioridade é traço elementar da
hierarquia e, além disso, antiga e precisa lição assinala que onde há
hierarquia não há conflito porque o “conflito de atribuições supõe
necessariamente que nenhum dos órgãos conflitantes seja hierarquicamente
subordinado ao outro, pois, nessa hipótese, a decisão do órgão superior resolve
o caso” (Mário Masagão, Curso de Direito
Administrativo, São Paulo: Max Limonad, 1960, tomo II, p. 333, n. 513).
17.
As Leis Orgânicas do Ministério
Público são indicativas das
competências administrativas do Procurador-Geral.
18.
A Lei n. 8.625/93 prescreve
quanto ao Ministério Públicos dos Estados:
“Art.
10. Compete ao Procurador-Geral de Justiça:
I
- exercer a chefia do Ministério Público, representando-o judicial e
extrajudicialmente;
(...)
X
- dirimir conflitos de atribuições entre membros do Ministério Público, designando
quem deva oficiar no feito”.
19.
A Lei Complementar n. 75/93 sequer confere ao Procurador-Geral da
República competência para solução de conflito de atribuição entre membros do
Ministério Público da União e dos Estados ou entre estes. No tocante ao
Ministério Público da União, esse diploma legal, além de prever a competência
da Câmara de Coordenação e Revisão em face de conflito entre órgãos do Ministério Público Federal, reservada ao
Procurador-Geral da República decisão em grau de recurso (arts. 49, VIII, e 62,
VII), estabelece:
“Art.
26. São atribuições do Procurador-Geral da República, como Chefe do Ministério
Público da União:
I
- representar a instituição;
(...)
VII
- dirimir conflitos de atribuição entre integrantes de ramos diferentes do
Ministério Público da União”.
20.
Ou seja, o Procurador-Geral da
República só detém competência para
solução de conflitos de atribuição entre
membros de ramos diferentes do Ministério Público da União.
21.
A solução de conflitos de
atribuição é resquício da hierarquia na
organização do Ministério Público, modo de viabilizar a atuação cotidiana com
unidade.
22.
Se compete a cada
Procurador-Geral a solução conflitos de atribuição entre membros de seus
respectivos Ministérios Públicos, os conflitos entre membros de Ministérios
Públicos diversos encontram sede competente no Supremo Tribunal Federal.
23.
Diante do conflito de
atribuições (positivo ou negativo) entre órgãos de Ministérios Públicos
diversos (entre Ministérios Públicos Estaduais ou entre Ministério Público
Federal e Ministério Público Estadual), sua solução não é da alçada da
Procuradoria-Geral da República. O Procurador-Geral da República exerce tão
somente a Chefia do Ministério Público da União, não podendo estendê-la aos
Estados, sob pena de violação do princípio federativo e do princípio da
autonomia conferida aos Ministérios Públicos Estaduais – possuidores de chefia
própria - e de afirmar-se hierarquia onde não existe.
24.
O Superior Tribunal de Justiça
dispensou orientação negativa ao conhecimento desse conflito de atribuições
(STJ, CAt 169-RJ, 3ª Seção, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, 23-11-2005, m.v.,
DJ 13-03-2006, p. 177) e o Supremo Tribunal Federal, revendo seu entendimento
anterior, concluiu competir-lhe a solução do conflito:
“COMPETÊNCIA - CONFLITO DE ATRIBUIÇÕES -
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL VERSUS
MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. Compete ao Supremo a solução de conflito de
atribuições a envolver o Ministério Público Federal e o Ministério Público
Estadual. (...)” (STF, Pet 3.528-BA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio,
28-09-2005, v.u., DJ 03-03-2006, p. 71).
25.
Nesse julgamento foi assentado
descaber à Procuradoria-Geral da República dirimir conflito de atribuições
entre órgãos dos Ministérios Públicos Federal e Estadual por que:
“de
acordo com a norma do § 1° do artigo 128 do Diploma Maior chefia ele o
Ministério Público da União, não tendo ingerência, considerados os princípios
federativos, nos Ministérios Públicos dos Estados. (...) A solução há de
decorrer não de pronunciamento deste ou daquele Ministério Público, sob pena de
se assentar hierarquização incompatível com a Lei Fundamental. Uma coisa é
atividade do Procurador-Geral da República no âmbito do Ministério Público da
União, como também o é atividade do Procurador-Geral de Justiça no Ministério
Público do Estado. Algo diverso, e que não se coaduna com a organicidade do
Direito Constitucional, é dar-se à chefia de um Ministério Público, por mais
relevante que seja, em se tratando da abrangência de atuação, o poder de
interferir no Ministério Público da unidade federada, agindo no campo
administrativo de forma incompatível com o princípio da autonomia estadual.
Esta apenas é excepcionada pela Constituição Federal e não se tem na Carta em
vigor qualquer dispositivo que revele a ascendência do Procurador-Geral da
República relativamente aos Ministérios Públicos dos Estados”.
26.
Esse posicionamento, ademais, esclareceu
que competia ao próprio Supremo Tribunal Federal superar o impasse, de maneira
a evitar um “buraco negro”, trazendo à colação precedentes longevos (STF, CJ 5.133, Rel.
Min. Aliomar Baleeiro, DJ 22-05-1970; STF, CJ 5.257, Rel. Min. Aliomar
Baleeiro, DJ 04-05-1970) para concluir que
“diante da inexistência de disposição específica na Lei Fundamental relativa à
competência, o impasse não pode continuar. Esta Corte tem precedente segundo o
qual, diante da conclusão sobre o silêncio do ordenamento jurídico a respeito
do órgão competente para julgar certa matéria, a ela própria cabe a atuação
(...) Esse entendimento é fortalecido pelo fato de órgãos da União e de Estado
membro estarem envolvidos no conflito, e aí há de se emprestar à alínea ‘f’ do
inciso I do artigo 102 da Constituição Federal alcance suficiente ao
afastamento do descompasso, solucionando-o o Supremo, como órgão maior da
pirâmide jurisdicional”.
27. Portanto,
firmou-se a competência do Supremo Tribunal Federal para conhecimento e
julgamento de conflito de atribuições “entre o Ministério Público Federal e os
Ministérios Públicos Estaduais, ante a ausência de dispositivo constitucional
expresso, mas com a efetiva possibilidade de conflito federativo (art. 102, I,
f, da Constituição)” (STF,
ACO-ED 1.239-DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 18-09-2008, DJe 20-10-2008).
28.
Como se vê, ao Procurador-Geral
da República compete somente a solução de conflitos entre membros de ramos
diferentes do Ministério Público da União nos termos do art. 26, VII, da Lei
Complementar n. 75/93.
29.
Concepção diversa é agressiva à
autonomia de cada esfera de Ministério Público e estabeleceria hierarquia
inexistente. E o Supremo Tribunal Federal continua a entender que a competência
para solução do conflito de atribuições entre diversos Ministérios Públicos é
da sua competência, e não do Procurador-Geral da República, como se observa das
decisões do Plenário adiante invocadas:
“DIREITO PROCESSUAL
CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÕES. CARACTERIZAÇÃO.
AUSÊNCIA DE DECISÕES DO PODER JUDICIÁRIO. COMPETÊNCIA DO STF.
AUTARQUIA ESPECIAL. INTERESSE DA UNIÃO. ART. 102, I, f, e 109, I, CF. 1.
Trata-se de conflito negativo de atribuições
entre órgãos de atuação do Ministério Público Federal e do
Ministério Público Estadual a respeito dos fatos
constantes de procedimento administrativo. 2. Com fundamento no art.
102, I, f, da Constituição da República, deve ser conhecido o presente conflito
de atribuição entre os membros do Ministério Público Federal e
do Estado do Rio de Janeiro diante da competência do Supremo Tribunal
Federal para julgar conflito entre órgãos de Ministérios
Públicos diversos. 3. Os fatos indicados nos autos evidenciam o interesse
jurídico da União, aqui consubstanciado no efetivo exercício do
poder de polícia da Agência Nacional do Petróleo, evidenciando a
atribuição do Ministério Público Federal para conduzir a investigação.
4. Conflito de atribuições conhecido, com declaração de atribuição
ao órgão de atuação do Ministério Público Federal no Estado do
Rio de Janeiro” (STF, ACO 1.136-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen
Gracie, 04-08-2011, v.u., DJe 22-08-2011).
“CONFLITO DE
ATRIBUIÇÕES - MINISTÉRIOS PÚBLICOS ESTADUAL E FEDERAL. Conforme
precedentes do Supremo, cabe a si dirimir conflito de atribuições
entre o Ministério Público estadual e o Federal - Petição nº 3.631-0/SP,
relator Ministro Cezar Peluso, acórdão publicado no Diário da Justiça
Eletrônico de 6 de março de 2008, e Ação Cível
Originária nº 889/RJ, relatora Ministra Ellen Gracie, acórdão veiculado no
Diário da Justiça Eletrônico de27 de novembro de 2008.
CRIME COMUM - AUSÊNCIA DE CONEXÃO COM O CRIME COMUM ELEITORAL.
Verificada a inexistência de conexão entre as imputações,
incumbe ao Ministério Público do Estado a atuação relativamente ao crime comum
propriamente dito. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. O conflito
de competência pressupõe postura de órgãos do Judiciário quer
assentando ambos a respectiva competência, quer negando-a” (STF, Pet 4.574-AL,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 11-03-2010, v.u., DJe 09-04-2010).
30. Essa
é a tônica das decisões monocráticas, pesquisadas por amostragem (ACO 2.315-DF,
Rel. Min. Celso de Mello, 06-08-2014, DJe 12-08-2014; ACO 2.049-SP, Rel. Min.
Cármen Lúcia, 10-07-2014, DJe 08-08-2014; ACO 2.546-MT, Rel. Min. Dias Toffoli,
13-06-2014, DJe 01-08-2014; ACO 2.438-ES, Rel. Min. Luiz Fux, 05-06-2014, DJe
11-06-2014; ACO 1.676-RJ, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 03-12-2013; DJe
09-12-2013).
31.
Nem se alegue que a decisão
invocada alterou esse entendimento. Capta-se de sua fundamentação premissa
eloquente a demonstrar a singularidade daquela hipótese de conflito negativo de
atribuições entre membros dos Ministérios Públicos Federal e Estadual:
“9.
No caso específico, o Ministério Público Federal, julgando-se sem atribuição,
remeteu o processo ao Ministério Público Estadual. Aqui, a Procuradoria-Geral
da República, em manifestação de sua autoridade maior, reconheceu ser
atribuição do Ministério Público Federal atuar no caso. Ora, essa manifestação
é por si só suficiente para, à luz do princípio federativo, definir como de sua
atribuição as medidas investigatórias que o caso reclama. Portanto, se conflito
havia, a essa altura ele já não mais subsiste, muito menos com o quilate de
relevante conflito federativo a ser dirimido pelo Supremo Tribunal Federal”.
32.
Ou seja, em razão da posição de
superioridade hierárquica do Procurador-Geral da República que reconheceu a
atribuição do Ministério Público Federal declinada por membro da instituição –
dele dissentindo em autêntico reexame da postura de membro do Ministério
Público da União – o conflito pereceu. Neste sentido, assim foi decidido em
outra decisão monocrática (STF, ACO 2.157-ES, Rel. Min. Teori Zavascki,
19-05-2014, DJe 22-05-2014). Ora, nestas situações em que a Chefia do
Ministério Público Federal, agindo nessa qualidade, discorda da declinação de
atribuição promovida por membro do Ministério Público Federal, exerce, em
realidade, prerrogativa de natureza hierárquica que se lhe compete. Assim
também o faz o Chefe do Ministério Público Estadual quando se recusa a provocar
o Supremo Tribunal Federal para apreciar conflito de atribuições que lhe foi
suscitado por membro do Ministério Público Estadual – já que não têm, em ambas
as hipóteses, os membros conflitantes capacidade postulatória no Supremo
Tribunal Federal, reservada aos Procuradores-Gerais.
33.
Em suma, o ordenamento jurídico
vigente não autoriza o Procurador-Geral da República à solução de conflito de
atribuições entre membros do Ministério Público da União e dos Estados, matéria
que é da competência do Supremo Tribunal Federal.
34.
Por essa razão, outra solução
não resta senão promover o
encaminhamento dos autos ao colendo Supremo Tribunal Federal para dirimir o
presente conflito de atribuições à luz do art. 102, I, f, da Constituição Federal, e do art. 247 do Regimento Interno do Supremo
Tribunal Federal.
35. Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.
São Paulo, 02 de outubro de 2014.
Márcio
Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral
de Justiça
wpmj