Conflito
de Atribuições – Cível
Protocolado n. 121.562/15
Suscitante: 2º Promotor de Justiça do Consumidor
Suscitado: 2º Promotor de Justiça de Mogi das
Cruzes
1) Conflito negativo de atribuições. 2º Promotor de Justiça do Consumidor da Capital (suscitante) e 2º Promotor de Justiça de Mogi das Cruzes (suscitado). Procedimento instaurado para apuração de irregularidades nas ações e serviços de telefonia móvel nas cidades de Mogi das Cruzes e Biritiba-Mirim prestados pela Telefônica Brasil S/A.
2) Danos relacionados a questões locais. Identificadas situações específicas nos Municípios de Mogi das Cruzes e Biritiba-Mirim (lei restritiva, necessidade de expansão de antenas, rede local de capacidade 3G). Prevalência da regra de competência do foro do local do dano (art. 2º da LACP).
3) Conflito conhecido e dirimido, com determinação de prosseguimento do 2º Promotor de Justiça de Mogi das Cruzes (suscitado).
Em razão de representações
recebidas de Wesley Vinil Toretto e da Câmara Municipal de Biritiba-Mirim, referentes
a ligações interrompidas ou não completadas e cobertura falha de internet, pela
empresa Telefônica do Brasil S. A. (Vivo), instaurou-se Inquérito Civil na 2ª
Promotoria de Justiça de Mogi das Cruzes.
Diversas
diligências foram encetadas, incluindo informações prestadas pelo PROCON de
Mogi das Cruzes (fls. 16/22 e 330/336), pela TELEFÔNICA BRASIL S/A (fls. 150/154,
177/180, 191 e 624/642) e pela ANATEL (fls. 188/189, 197/210, 234/251 e
338/351).
Por
fim, promoveu-se a remessa dos autos à Promotoria de Justiça do Consumidor da
Capital com base na seguinte fundamentação:
“...
Assim, pode-se concluir que a Vivo está prestando um serviço abaixo dos padrões de qualidade exigidos pela ANATEL, em todos os DDD’s do Estado de São Paulo.
Não se pode afirmar que esse problema é episódico ou eventual, pois, ocorreu em todos os meses do ano de 2014. Também não é possível alegar que essas marcas são específicas de uma ou outra localidade, já que se verificou em todos os Códigos Nacionais (DDD’s) de São Paulo.
Sendo assim, conclui-se que é regional a extensão dos danos investigados, sejam concretos ou potenciais, e não se limitam apenas ao Município de Mogi das Cruzes.” (fls. 667).
O
ilustre 2º Promotor de Justiça do Consumidor da Capital suscita conflito
negativo de atribuição fundado nas seguintes premissas:
“...
A situação trazida à baila pelo presente inquérito civil tem como objeto a má prestação de serviços de telefonia móvel oferecidos pela investigada nos municípios de Mogi das Cruzes e Biritiba-Mirim. O relatório apresentado pela ANATEL, cujos padrões indicadores utilizados dizem respeito a todos os Códigos Nacionais utilizados neste Estado não permite concluir pela alegada regionalidade dos danos. De outro lado, demonstrando tratar-se realmente de dano de âmbito local, referida Agência apresentou extrato de reclamações contra a investigada contendo 139 (cento e trinta e nove) ocorrências para o município de Biritiba-Mirim e outros 205 (duzentos e cinco) registro para a cidade de Mogi das Cruzes (fls. 350/51).
Assim, o dano praticado contra o consumidor constante dos autos se restringe aos lindes das comarcas informadas na Portaria de fls. 2/3. É dizer: conquanto haja vícios em comarcas espalhadas por todo o país, os danos são circunscritos àquelas localidades, não ganhando contornos nacionais ou regionais.” (fls. 677).
Há
informação lançada nos autos que, consoante registros do SMA e do
SIS-Integrado, há procedimentos envolvendo Telefônica (Vivo) (fl. 673).
É o relatório.
Inicialmente, é possível afirmar que o conflito negativo de atribuições, neste caso, está configurado e deve ser conhecido.
Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).
Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço.
Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.
Esta
ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de
competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por
Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t.
I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922,
p. 621 e ss; e
Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.
Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.
Na hipótese em análise, o elemento central para a decisão do conflito reside em saber qual é a provável dimensão do risco ou dano e, consequentemente, se deve ser aplicada a regra de competência prevista no art. 2º da Lei da Ação Civil Pública, ou então a norma prevista no art. 93, II, do Código de Defesa do Consumidor.
É necessário verificar, portanto, qual é a dimensão do dano suficiente para configurar a fattispecie prevista no art. 93, II do Código de Defesa do Consumidor, pelo qual a competência jurisdicional (e por analogia a atribuição ministerial) será do foro da Capital do Estado se o risco ou dano for “regional” ou “nacional”, ou do local do dano, aplicando-se, neste último caso, o disposto no art. 2º da Lei da Ação Civil Pública.
A interpretação das regras de competência, nessa matéria, não pode ser, com a devida vênia com relação a entendimento diverso, meramente gramatical, mas sim teleológica.
Os critérios utilizados pelo legislador, definindo a competência do foro do local do dano ou da Capital do Estado, conforme a situação tenha dimensão local, regional ou nacional, consideram a probabilidade de maior eficiência do processo coletivo na coleta de provas e, consequentemente, o contato direto do órgão jurisdicional com os fatos.
No
presente caso, a
portaria inicial do inquérito civil estabelece o objeto da investigação como
sendo “apurar irregularidades nas ações e
serviços de telefonia móvel na cidade de Mogi das Cruzes e Biritiba-Mirim,
prestados pela VIVO S.A.”.
Diligências foram encetadas
visando quantificar e qualificar os danos nos Municípios envolvidos, através
de, entre outras, informações prestadas pelo PROCON local (fls. 16/22), ANATEL
(fls. 248/251) e Tribunal de Justiça (fls. 305/319).
A Telefônica Brasil S/A
manifestou sobre os fatos, informando sobre o interesse em expandir a cobertura
dada pela empresa nos Municípios de Mogi das Cruzes e Biritiba-Mirim, mas que
entraves existiam em razão de Lei Municipal restritiva. Alegou, ainda, falha no
abastecimento de energia da região. Por fim, informou sobre a ampliação da
capacidade na tecnologia 3G nos municípios de Mogi das Cruzes e Biritiba-Mirim.
Nova lei foi
promulgada, dispondo sobre o licenciamento de instalação e de operação de
Estações Transmissora de Radiocomunicação no Município de Mogi das Cruzes (fls.
260/264), regulamentada por Decreto Municipal (fls. 265/269).
Posteriormente, a fls.
342/343, com bem salientado pelo suscitado, foram juntadas informações pela
ANATEL, referentes a todas as regiões do Estado, ficando, muitas das vezes,
abaixo dos previstos, os índices referentes à qualidade dos serviços.
No entanto, essas informações
gerais fogem do objeto do inquérito civil, circunscrito aos serviços prestados
no local (municípios de Mogi das Cruzes e Biritiba-Mirim), onde identificadas
situações específicas dali (lei restritiva, necessidade de expansão de antenas,
rede local de capacidade 3G).
Isso nos leva a propender no sentido de que, embora reconhecida a existência de qualidade de serviço abaixo do proposto e alto número de reclamações, em todas as regiões do Estado, os fatos descritos neste Inquérito Civil e delimitados em sua portaria inaugural dizem respeito a danos identificados e passíveis de solução no âmbito local.
Não fosse assim, chegar-se-ia a um resultado que certamente não foi o desejado pelo legislador, qual seja estabelecer como juízo competente aquele que está dissociado, até mesmo fisicamente, do contexto da situação de dano ou risco e da coleta da prova em eventual ação judicial.
Afigura-se
melhor, pois, atribuir ao suscitado a presidência da investigação, competindo ao
Promotor de Justiça do Consumidor de Mogi das Cruzes prosseguir
na investigação, em seus ulteriores termos.
Face ao exposto, conheço do
presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art.
115, da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, 2º Promotor de Justiça de
Mogi das Cruzes, a atribuição para oficiar nos autos.
Publique-se a ementa.
Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.
Remeta-se cópia, em via
digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.
São
Paulo, 17 de setembro de 2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
iccb