Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado n. 121.952/15

Suscitante: 2º Promotor de Justiça do Consumidor da Capital

Suscitado: 2º Promotor de Justiça de Mogi das Cruzes

 

 

Ementa: Conflito negativo de atribuições. Consumidor. Empresa prestadora do serviço de telefonia móvel. Representação apontando falhas na prestação do serviço e na solução dos problemas. Dano regional. Dimensão espacial da lesão. Critério determinante da atribuição. Atribuição da Promotoria de Justiça do Consumidor da Capital. 1. Representação relatando falhas na prestação do serviço de telefonia móvel. 2. Constatação pela ANATEL de que decorriam da ausência de cobertura em vários municípios e áreas de abrangência definidas na regulamentação. 3. Obrigações de atendimento (cobertura) decorrentes de autorização vertente das Licitações nº 002/2007 (edital "3G") e 004/2012 (edital "4G"). 4. Controle e monitoramento de qualidade realizado por código nacional (antigo DDD), cada qual abrangendo vários municípios. 5. Se a faute du service  atribuída à empresa não se restringe ao município de Mogi das Cruzes, não há como se afirmar a atribuição da respectiva Promotoria de Justiça local, impondo-se o reconhecimento da atribuição da Promotoria de Justiça do Consumidor da Capital. 6. Regra balizadora da atribuição que se encontra na mensuração da extensão espacial do prejuízo. 7. Precedentes (Protocolados ns. 86.303/15, 99.883/14 e 19.816/14). 8. Conflito conhecido e dirimido, com determinação de prosseguimento da atuação ministerial por parte do Suscitante.

1.                Cuida-se de inquérito civil instaurado pela Promotoria de Justiça de Mogi das Cruzes a partir de representação oriunda da Prefeitura Municipal local, relatando a má qualidade dos serviços de telefonia móvel e de acesso à Internet prestados pela CLARO S.A. na cidade de Mogi das Cruzes.

2.                A ANATEL ofertou informações a fls. 270/289, com indicadores de qualidade por Código Nacional (antigo DDD) no Estado de São Paulo, sendo certo que cada código abrange vários municípios.

3.                A Representada, ao seu turno, ofertou defesa a fls. 295/311, instruída com documentos (fls. 312/434).

4.                À luz das informações prestadas pela ANATEL, o DD. 2º Promotor de Justiça de Mogi das Cruzes, ora suscitado, por entender tratar-se de dano regional, com fundamento no art. 93, II, da Lei nº 8.078/90, determinou a remessa dos autos à Capital, para o prosseguimento da investigação civil e providências ulteriores (fls. 439/444).

5.                Ao receber os autos, o DD. 2º Promotor de Justiça do Consumidor da Capital suscitou o presente conflito, declinando suas razões, vazadas nos seguintes termos (fls. 450/453):

"O aludido art. 93, inciso II, do Código de Defesa do Consumidor disciplina a competência da Capital do Estado ou do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional. Mas ele não pode ser aplicado no caso vertente, por se tratar de dano de âmbito local, incidindo, por isso, as disposições do art. 93, inc. I, do CDC e do art. 2º, da Lei nº 7.347/85.

Com efeito, a presença de informações prestadas pela ANATEL, cuja abrangência dos indicadores é definida por Código Nacional - CN (antigo DDD) ou por Estado (fls. 270/289), ao contrário do alegado pelo suscitado, não possui o condão de regionalizar o dano apurado no presente inquérito.

Ao eleger o foro local do dano para as ações coletivas, o legislador pretendia dar melhor atendimento ao direito ou interesse que estaria sendo afrontado, proporcionando maior facilidade ao julgador para a análise da causa.

Explica Ada Pellegrini Grinover que "o dispositivo tem que ser entendido no sentido de que, sendo de âmbito regional o dano, competente será o foro da Capital do Estado ou do Distrito Federal. No entanto, não sendo o dano de âmbito propriamente regional, mas estendendo-se por duas comarcas, tem-se entendido que a competência concorrente é de qualquer uma delas."

O entendimento de que, pelo simples fato de a empresa atuar em todo o Estado a competência já ser do Juízo da Capital, afronta a mens legis, porque dificulta a defesa dos direitos dos consumidores e a própria colheita da prova.

A situação trazida à baila pelo presente inquérito civil tem como objeto a má prestação de serviços de telefonia móvel oferecidos pela investigada no município de Mogi das Cruzes. O relatório apresentado pela ANATEL, cujos padrões indicadores utilizados dizem respeito a todos os Códigos Nacionais utilizados neste Estado não permite concluir pela alegada regionalidade dos danos. De outro lado, demonstrando tratar-se realmente de dano de âmbito local, referida Agência apresentou Relatório de Dados de Fiscalização Consolidados do Monitoramento de Redes - SIEC relativa ao município de Mogi das Cruzes, informando a constatação de que muitas das reclamações atinentes à falta de sinal, não funcionamento ou funcionamento precário, em realidade, consistia em ausência de cobertura e não propriamente de qualidade na rede de telecomunicações (fls. 270 e 282/283).

Assim, o dano praticado contra o consumidor constante dos autos se restringe aos lindes da comarca informada na Portaria de fls. 2/3. É dizer: conquanto haja vícios em comarcas espalhadas por todo o país, os danos são circunscritos àquela localidade, não ganhando contornos nacionais ou regionais.

A apuração dos fatos pelo foro da capital não trará maior comodidade para as partes, não facilitará a colheita de provas e impedirá que o Ministério Público - e inclusive eventual órgão jurisdicional, no caso de ajuizamento de ação civil pública - tenha contato mais direto e pessoal com o cerne da questão. Aliás, jamais o juízo da capital do Estado permitirá o processamento de ação civil pública em que o dano tratado ocorreu no município de Mogi das Cruzes.

Frise-se que, em diversas oportunidades (CAC- Protocolados ns. 137.863/2014, 182.689/2012 e 0126280/12), Vossa Excelência decidiu que o dano regional "deve ser compreendido como hipótese em que a situação se estende a praticamente todo o território do Estado. Dano local que pode compreender mais de uma comarca, ou algumas de determinada região, fazendo prevalecer a competência de um dos foros do local do dano, por prevenção.".

Logo, sendo o dano localizado, a atribuição para dar continuidade ao inquérito civil e ajuizar a ação civil pública é da Promotoria de Justiça de Mogi das Cruzes, sem prejuízo da instauração de inquérito civil nas comarcas onde o vício também se manifeste."

6.                Há informação nos autos 08 (oito) protocolados instaurados nos 02 (dois) últimos anos em face da CLARO S.A. em casos análogos ao presente (fls. 448/449).

7.                É o relatório.

8.                Conheço do conflito e declaro a atribuição do DD. 2º Promotor de Justiça do Consumidor da Capital, ora suscitante, para o prosseguimento do inquérito civil e ulteriores providências.

9.                Não há dúvida de que o objeto da representação inaugural cingiu-se às falhas no serviço de telefonia móvel da CLARO S.A. verificadas no município de Mogi das Cruzes, de onde partiu a reclamação.

10.              Contudo, no curso da investigação civil se apurou, através ofício do ANATEL, que a falha no serviço vem ocorrendo em diversas regiões do Estado de São Paulo, identificadas por seus respectivos Códigos Nacionais (antigos DDD), inclusive na região do CN 11, que abrange o município de Mogi das Cruzes e outros 63 (sessenta e três) municípios, conforme relação em anexo.

11.              Não se trata de definir atribuição pelo fato de a CLARO S.A. atuar em todo o Estado, tampouco de se fazê-lo porque o relatório da ANATEL denunciou a falha em outras regiões: a regra balizadora da atribuição se encontra na mensuração da extensão espacial do dano.

12.              Obviamente que ação civil pública ajuizada no foro da Capital por dano ocorrido em Mogi das Cruzes seria inevitavelmente indeferida, por falta de competência territorial.

13.              Entretanto, apurado que o dano se verificou em diversas comarcas, não nos parece seja caso de se instaurar diversos inquéritos civis, até porque, oferecidas ações civis públicas pelas falhas ocorridas em cada localidade, impor-se-ia reconhecer a conexão entre elas, para o fim de se determinar a reunião dos processos (CPC, arts. 103, 105 e 106), pelas razões que justificam a existência da regra de modificação de competência.

14.              Quando à facilidade na coleta da prova, impende reconhecer que, no presente caso, a prova é eminentemente documental, eis que a autorização é concedida pelo Estado e o controle e monitoramento cabe à ANATEL, cujos relatórios, a exemplo do apresentado a fls. 270/293, contém indicadores de qualidade em todas as regiões do Estado. De outra parte, quanto à facilidade de acesso à jurisdição, com vistas às execuções individuais, as regras do processo coletivo e as que flexibilizaram a competência para o cumprimento da sentença militam em prol da solução mais econômica  para o presente caso, e que é aquela que mais atende ao anseio de segurança jurídica, no sentido de se evitar sentenças conflitantes.

15.             A conclusão do Suscitante, no sentido da remessa dos autos à comarca de Mogi das Cruzes "sem prejuízo da instauração de inquérito civil nas comarcas onde o vício também se manifeste" evidenciou que o problema se refere a questões estruturais relacionadas ao serviço e às obrigações pecuniárias decorrentes do descumprimento do contrato de autorização lavrado no processo licitatório nº 002/2007, segundo o qual a representada se obrigou à cobertura das regiões e municípios constantes de respectivo anexo no prazo de 60 (sessenta) meses, que se exauriu em 30/04/12 (cf. informação acessada pelo site www.anatel.gov.br >> Anatel Dados >> Infraestrutura >> Telefonia Móvel >> Previsão de atendimento dos municípios com 3G - obrigações dos editais de licitações do SMP), não sendo possível a partir desse cenário circunscrever eventual lesão aos consumidores aos limites de Mogi das Cruzes, porque são comuns aos consumidores residentes no Estado de São Paulo.

16.              Acrescente-se que a prevenção deixou de ser critério norteador para a resolução de conflitos negativos de atribuições, eis que o art. 114, § 3º, in fine da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, que o acolhia, foi declarado inconstitucional (STF, ADI 932-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 17/10/2010, m.v., DJe de 09/05/2011).

17.              De resto, recorre-se aos fundamentos lançados em anterior solução de conflito negativo de atribuição:

“14.             Bem por isso decidi em outra oportunidade que ‘a atribuição do órgão do MP segue a competência jurisdicional do art. 93, II, CDC’ (Protocolado n. 19.816/14). Destaco desse precedente o seguinte excerto de sua fundamentação:

‘7.               Em tema de competência jurisdicional assim vem decidindo o Superior Tribunal de Justiça sobre dano regional:

‘PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO DE ÂMBITO REGIONAL. COMPETÊNCIA DA VARA DA CAPITAL PARA O JULGAMENTO DA DEMANDA. ART. 93 DO CDC.

1. O art. 93 do CDC estabeleceu que, para as hipóteses em que as lesões ocorram apenas em âmbito local, será competente o foro do lugar onde se produziu o dano ou se devesse produzir (inciso I), mesmo critério já fixado pelo art. 2º da LACP. Por outro lado, tomando a lesão dimensões geograficamente maiores, produzindo efeitos em âmbito regional ou nacional, serão competentes os foros da capital do Estado ou do Distrito Federal (inciso II).

2. Na espécie, o dano que atinge um vasto grupo de consumidores, espalhados na grande maioria dos municípios do estado do Mato Grosso, atrai ao foro da capital do Estado a competência para julgar a presente demanda.

3. Recurso especial não provido’ (RT 909/483).

8.                E em se tratando de dano nacional, a Corte Federal decidiu que:

‘AÇÃO CIVIL PÚBLICA. POUPANÇA. DANO NACIONAL. FORO COMPETENTE. ART. 93, INCISO II, DO CDC. COMPETÊNCIA CONCORRENTE. CAPITAL DOS ESTADOS OU DISTRITO FEDERAL. ESCOLHA DO AUTOR.

1. Tratando-se de dano de âmbito nacional, que atinja consumidores de mais de uma região, a ação civil pública será de competência de uma das varas do Distrito Federal ou da Capital de um dos Estados, a escolha do autor.

2. Conflito de competência conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 7ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba/PR’ (STJ, CC 112.235-DF, 2ª Seção, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, 09-02-2011, v.u., DJe 16-02-2011).

9.                Anoto que a competência do art. 93, I, do Código de Defesa do Consumidor tem natureza absoluta enquanto a do art. 93, II, do codex, é de caráter relativo, como assentado em outro aresto:

 

 

 

‘(...) muito embora o inciso II do art. 93 do CDC tenha criado uma vedação específica, de natureza absoluta – não podendo o autor da ação civil pública ajuizá-la em uma comarca do interior, por exemplo -, a verdade é que, entre os foros absolutamente competentes, como entre o foro da capital do Estado e do Distrito Federal, há concorrência de competência, cuidando-se, portanto, de competência relativa. (...)’ (RDDP 91/123).

10.              A regra balizadora é a extensão espacial do prejuízo” g.n. (Protocolado n. 99.883/14).

18.              Essas premissas são inteiramente aplicáveis ao caso em cena.

19.              Ante o exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115, da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao Suscitante, DD. 2º Promotor de Justiça do Consumidor da Capital, a atribuição para oficiar nos autos.

20.              Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

21.              Remeta-se cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

         São Paulo, 15 de setembro de 2015.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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