Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado n. 0123086/13

Suscitante: 10º Promotor de Justiça de Santos (Direitos Humanos - Idoso)

Suscitado: 18º Promotor de Justiça de Santos (Direitos Humanos – Saúde Pública)

 

 

Ementa:

1.   Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 10º Promotor de Justiça de Santos (Direitos Humanos - Idoso). Suscitado: 18º Promotor de Justiça de Santos (Direitos Humanos – Saúde Pública).

2.   Necessidade de investigação da questão relacionada à estrutura de atendimento de Saúde Pública no Município. Embora a situação narrada seja singular, relacionada a atendimento ocorrido de forma individual, é viável extrair dela ilações que poderiam ter, ainda que eventualmente, projeção coletiva. Questão central noticiada nos autos afeta às atribuições da Promotoria de Justiça na área de Saúde Pública.  Aspectos da deficiência estrutural que, possivelmente, não se limitam àquele atendimento, expandindo-se para outros casos análogos.

3.   Conflito conhecido e dirimido, determinando-se ao suscitado (Saúde Pública) o prosseguimento na investigação.

 

Vistos.

1) Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 10º Promotor de Justiça de Santos (Direitos Humanos - Idoso) e como suscitado o DD. 18º Promotor de Justiça de Santos (Direitos Humanos – Saúde Pública).

A Promotoria de Justiça Cível de Santos tomou as declarações da
Sra. Maria Helena Ribeiro Gonçalves, a qual noticiou que seu marido, Silvestre Gonçalves, com 64 (sessenta e quatro) anos, faz hemodiálise há 4 (quatro) anos na Santa Casa de Santos, e utiliza-se de transporte fornecido pela Secretaria Municipal de Saúde 3 (três) vezes por semana; asseverou a declarante que há cerca de 4 (quatro) meses o serviço “tem falhado, deixando de pegar o paciente”. Postulou, por final, providências a fim de permitir que seu marido continue sendo regularmente transportado pela municipalidade (fl. 08).

Ao que consta, o expediente foi distribuído à Promotoria de Justiça da Saúde Pública de Santos, que requereu sua redistribuição à Promotoria de Justiça de Direitos Humanos com atribuição na área do Idoso, uma vez que, segundo a suscitada, o objeto da investigação seria averiguar possível situação de risco ao idoso e não tema de Saúde Pública (fls. 05/06).

Ocorre que o membro do Ministério Público com atribuição na área do idoso suscitou conflito negativo de atribuições, arguindo, em síntese, o seguinte: (a) o cerne da investigação reside na deficiência do serviço de transporte para pacientes que fazem hemodiálise, atingindo não apenas idosos, mas todos os que se utilizam de referido serviço público; (b) não há falha no tocante ao tratamento médico do Sr. Silvestre Gonçalves; (c) há precedente da Procuradoria-Geral de Justiça em sede de conflito negativo de atribuições que reforça sua tese (Protocolado n. 52.036/2013-Ref. SIS n. 66.0426.0001641/2013) .

É o relato do essencial.

2) Fundamentação.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço.

Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Na hipótese em exame, a Sra. Maria Helena Ribeiro Gonçalves apontou nas suas declarações o inadequado serviço de transporte fornecido pela Secretaria Municipal de Saúde de Santos (fl. 08).

Em outros termos, nota-se que o tema da investigação reside em problemas estruturais no serviço de saúde prestado pela Municipalidade de Santos. De outro lado, o caso específico do paciente ao qual alude a representação, ao que tudo indica, foi instaurado procedimento administrativo perante a Promotoria de Justiça do Idoso, “para investigar a situação específica envolvendo o idoso Silvestre Gonçalves”(fl. 11). Veja-se, a propósito, cópia da Portaria (fls. 02/03).

Pois bem.

No caso concretamente considerado, embora haja parcas informações nestes autos (visto que se trata de termo de declarações, sem que nenhuma providência investigatória, até o momento – aparentemente -, tenha sido adotada), parece realmente sobressair a necessidade de investigação da questão relacionada à estrutura de atendimento de Saúde Pública no Município.

Portanto, não há como negar, no presente caso, que os fatos narrados, ao menos inicialmente, dizem respeito à questão do atendimento na esfera do serviço de Saúde do Município. Embora a situação narrada seja singular, relacionada a atendimento ocorrido de forma individual, é viável extrair dela ilações que poderiam ter, ainda que eventualmente, projeção coletiva.

Por todo o exposto se vê que a questão central noticiada nos autos está afeta às atribuições da Promotoria de Justiça na área de Saúde Pública.  Destarte, conclui-se que o suscitado, Promotor de Justiça com atribuição na área, deverá prosseguir na investigação.

São aspectos da deficiência estrutural que, possivelmente, não se limitam àquele atendimento, expandindo-se para outros casos análogos.

Daí a necessidade de investigação pelo órgão de execução ministerial com atribuições na área da saúde pública.

3) Decisão.   

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao órgão suscitado, DD. 18º Promotor de Justiça de Santos, oficiar nestes autos.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

 

   São Paulo, 29 de agosto de 2013.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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