Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado MP nº 0125546/16 (Ação civil pública n. 602.01.2000.020596-9/000000-000- Sorocaba)

Suscitante: 14º Promotor de Justiça de Sorocaba

Suscitado: 15º Promotor de Justiça de Sorocaba

 

 

 

Ementa:

Suscitante: 14º Promotor de Justiça de Sorocaba. Suscitado: 15º Promotor de Justiça de Sorocaba. Discussão sobre os efeitos de Ato Normativo que homologa divisão de serviços. Situação que atinge feitos em andamento, salvo ressalva expressa em contrário na redivisão de atribuições. Em outros termos, sem que tenha sido formulada no ato de divisão de serviços a especificação relativa a feitos em andamento, não há como se dar a interpretação no sentido de que não haveria sua retroatividade. Essa é uma manifestação, contrariu sensu, da regra de hermenêutica pela qual “Lex specialis derrogat generalis”, pois se não há previsão específica, a regra geral deve prevalecer. E a regra geral é a de que compete ao 15º Promotor de Justiça funcionar nestes autos. Inexistência de prevenção.  

 

 

 

Vistos,

Trata-se de ação de improbidade administrativa proposta em novembro de 2000 pelo 14º Promotor de Justiça de Sorocaba em face de João Franklin Pinto e outros, por violação aos artigos 10 e 11 da Lei n. 8.429/92 (fls. 02/05).

A ação foi julgada procedente; réus condenados ao pagamento de R$1.600,00 à Municipalidade de Araçoiaba da Serra, além de multa civil e suspensão dos direitos políticos (fls. 204/208). Interpostos recursos de apelação, o Tribunal de Justiça negou provimento a todos (fls. 409/418). Encerrada a fase inicial, deu-se início ao cumprimento de sentença.

Ocorre que, no curso do cumprimento de sentença, o 14º Promotor de Justiça de Sorocaba aduziu que o feito não deveria tramitar sob sua análise, eis que o subscritor da inicial encontra-se aposentado e que diante disso, à luz do quanto disposto no Ato n. 139/2013, caberia ao 15º Promotor de Justiça de Sorocaba a intervenção nos autos (fl.895).

Acerca da controvérsia, o 15º Promotor de Justiça de Sorocaba afirmou que a aposentadoria do titular da ação em nada altera a atribuição (fls. 892/902).

Em nova manifestação, o 14º Promotor de Justiça de Sorocaba suscitou conflito negativo de atribuições (fls. 907/910).

É o relatório.

Decisão.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, desse modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação ou ação na esfera cível deve levar em consideração os dados do caso concreto.

Registre-se, inicialmente, que o ATO Nº 139/2013 – PGJ, DE 07 DE NOVEMBRO DE 2013, que homologou a modificação das atribuições dos cargos de Promotor de Justiça da PROMOTORIA DE JUSTIÇA CÍVEL DE SOROCABA, estabeleceu o seguinte, no que toca às atribuições de suscitante e suscitado:

“ 14º PROMOTOR DE JUSTIÇA

a) feitos de finais 8 a 0 de Patrimônio Público, incluindo a repressão aos atos de improbidade, inclusive as ações civis públicas distribuídas;

b) feitos cíveis judiciais de todas as Varas Cíveis, da Fazenda Pública e Juizado Especial, inclusive suas audiências;

c) Corregedoria de Registro de Imóveis e Registro Civil;

d) Fundações, relativas à sua área de atuação;

e) Atendimento ao público.

VII. 15º PROMOTOR DE JUSTIÇA

a) feitos de finais 1 a 7 de Patrimônio Público, incluindo a repressão aos atos de improbidade, inclusive as ações civis públicas distribuídas;

b) Consumidor, inclusive as ações civis públicas;

c) Mandados de Segurança, ações populares, ações civis públicas e habeas data de todas as Varas Cíveis e da Vara da Fazenda Pública, relativos à sua área de atuação;

d) Mandados de Segurança, ações populares, ações civis públicas e habeas data de todas as varas cíveis e da Vara da Fazenda Pública, não atrelados a nenhuma área de atuação específica, finais pares;

e) Fundações, relativas à sua área de atuação;

f) Atendimento ao público.

Suscitante e suscitado concordam que, sob o aspecto do final do feito, caberia ao 15º Promotor de Justiça de Sorocaba funcionar nos autos; todavia, observa este que o ATO Nº 139/2013 – PGJ, DE 07 DE NOVEMBRO DE 2013, que homologou a modificação das atribuições dos cargos de Promotor de Justiça da PROMOTORIA DE JUSTIÇA CÍVEL DE SOROCABA, deveria regrar situações futuras e não passadas. Em síntese, assevera que “redivisão de atribuições tem efeito futuro, e não retroativo” e que “as atribuições consignadas até sua vigência permanecem as mesmas” (fl. 900).

Com o devido respeito, assim não nos parece.

Esta Procuradoria-Geral de Justiça tem decidindo que as atribuições especializadas dos órgãos de execução na esfera dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, são tratadas sempre de forma explícita. E assim o fez o ATO Nº 139/2013 – PGJ, DE 07 DE NOVEMBRO DE 2013.

Em outros termos, sem que tenha sido formulada no ato de divisão de serviços a especificação relativa a feitos em andamento, não há como se dar a interpretação no sentido de que não haveria sua retroatividade. Essa é uma manifestação, contrariu sensu, da regra de hermenêutica pela qual “Lex specialis derrogat generalis”, pois se não há previsão específica, a regra geral deve prevalecer. E a regra geral é a de que compete ao 15º Promotor de Justiça funcionar nestes autos.

Inaplicável, por final, a regra da prevenção, na medida em que esta incide nas situações limítrofes, em que as atribuições se sobrepõem. No caso presente, como afirmado, o ATO Nº 139/2013 expressamente elucidou a questão.

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, declarando caber ao 15º Promotor de Justiça de Sorocaba atuar nos autos, em seus ulteriores termos.

Publique-se. Comunique-se. Registre-se. Restituam-se os autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 30 de setembro de 2016.

 

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

ef