Conflito de Atribuições – Cível
Protocolado
nº 125.666/17
Suscitante:
7º Promotor de Justiça de São José dos Campos
Suscitado:
Procurador do Trabalho de São José dos Campos
Ementa:
1. Representação
para fins de instauração de conflito negativo de atribuições entre o Ministério
Público Estadual e o Ministério Público do Trabalho.
2. Conflito negativo de atribuições. 7º Promotor de Justiça de São José dos Campos (suscitante) e Procurador do Trabalho (suscitado) de São José dos Campos. Notícia de possíveis irregularidades praticadas por dirigentes do Sindicato dos Empregados de Agentes Autônomos do Comércio e em Empresas de Assessoramento, perícias, informações e pesquisas e de empresas de serviços contábeis de São José dos Campos - SEAAC.
3. Não obstante os Sindicatos possam ser sujeitos passivos do ato de improbidade por equiparação (art. 1º e parágrafo único da Lei n. 8.429/92), após a edição da EC 45/2004, as questões relacionadas ao processo eleitoral sindical, ainda que esbarrem na esfera do direito civil, estão afetas à competência da Justiça do Trabalho, porquanto envolvem matéria que tem reflexo na representação sindical, sendo de rigor reconhecer a atribuição do Ministério Público do Trabalho para atuar no feito.
4. Representação conhecida e acolhida. Determinação de remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal.
Vistos,
1) Relatório.
Tratam estes autos de
conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 7º Promotor de Justiça de São José dos
Campos (suscitante) e como suscitado o Procurador
do Trabalho de São José dos Campos (suscitado), o qual encaminhou ao
primeiro representação apócrifa noticiando a prática de irregularidades e
possíveis atos de improbidade administrativa pelos dirigentes do Sindicato dos Empregados de Agentes
Autônomos do Comércio e em Empresas de Assessoramento, perícias, informações e
pesquisas e de empresas de serviços contábeis de São José dos Campos – SEAAC,
tais como nepotismo e utilização de veículo da entidade para fins particulares.
O DD. Promotor de
Justiça de São José dos Campos, com atribuição para a defesa do patrimônio
público e social, declinou da
atribuição, representando a esta Procuradoria-Geral
de Justiça para encaminhamento dos autos com o fim de solucionar conflito
negativo de atribuições entre o Ministério
Público do Estado de São Paulo e o Ministério
Público do Trabalho.
Argumenta o suscitante,
em síntese, que não se tratando de sindicato de funcionários públicos, mas sim
de trabalhadores do setor privado, as atribuições não pertencem ao Ministério
Público Estadual, mas ao Ministério Público do Trabalho, a teor do disposto na
Carta Federal e no art. 83, III da Lei Complementar nº 75/93, competindo-lhe
intervir nas ações coletivas que envolvam questões sindicais.
É o relato do essencial.
2) Fundamentação.
Está configurado, no
caso, o conflito de atribuições.
Isso decorre do
posicionamento de diversos órgãos de execução do Ministério Público, quando “(a) dois ou mais deles manifestam,
simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusões
às de outro membro (conflito positivo); (b) ao menos um membro negue a própria
atribuição funcional e a atribua a outro membro, que já a tenha recusado
(conflito negativo)” (cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime Jurídico do Ministério Público, 6ª ed., São Paulo, Saraiva,
2007, p. 486/487). No mesmo sentido Emerson Garcia, Ministério Público, 2ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p.
196/197.
Como se sabe, no
processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída
dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador
estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio
Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23ª ed., São
Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11ª ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56;
Patrícia Miranda Pizzol, A competência no
processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves,
Competência no processo civil, São
Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.
Ora, se para a
identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada
demanda a lei processual estabelece, a
priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há
razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão
ministerial com atribuições para certa investigação também não parta de
elementos do caso concreto, ou seja, seu objeto.
Pode-se, deste modo,
afirmar que a definição do membro do parquet
a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera
cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil
pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.
No caso em exame, é
oportuno destacar com precisão qual é o objeto da investigação, para, a partir
daí definir-se o conflito.
O objeto da pretendida investigação
consiste na apreciação de notícia de irregularidades envolvendo dirigentes de sindicato,
passíveis de responsabilização nos termos da Lei de Improbidade.
De fato, os sindicados
podem ser sujeitos passivos de conduta ímproba por equiparação, conforme a
norma do parágrafo único do art. 1º da Lei n. 8.429/92, porque recebem verbas
públicas decorrentes da Contribuição Sindical Compulsória gerida pelo Estado
(antigo imposto sindical) - prevista no artigo 578 da CLT e recepcionada pela
Constituição Federal - que tem natureza pública, sendo uma arrecadação
parafiscal, inclusive sujeita a fiscalização do TCU.
Constatada a notícia de possíveis atos de improbidade
administrativa por dirigentes sindicais, exsurge a atribuição do Ministério
Público do Trabalho para funcionar no feito, por ser da competência da Justiça
do Trabalho referida análise.
De fato, conforme entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, após a edição da EC 45/2004, as questões relacionadas ao processo eleitoral sindical, ainda que esbarrem na esfera do direito civil, estão afetas à competência da Justiça do Trabalho, porquanto envolvem matéria que tem reflexo na representação sindical.
Nesse sentido foi decidido o seguinte conflito de competência:
“CONFLITO DE COMPETÊNCIA – AÇÃO DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA – AFASTAMENTO DA DIRETORIA – REFLEXO NA REPRESENTAÇÃO
SINDICAL – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. 1. Após a edição da EC 45/2004,
as questões relacionadas ao processo eleitoral sindical, ainda que esbarrem na
esfera do direito civil, estão afetas à competência da Justiça do Trabalho,
pois se trata de matéria que tem reflexo na representação sindical. Precedentes.
2. Entendimento que se estende à
hipótese de ação de improbidade administrativa, em que se pretende afastar a
diretoria de sindicato, implicando em reflexo na representação sindical.
3. Conflito de competência provido para declarar competente o Juízo da 6ª Vara
do Trabalho de São Luís – MA” (CC 59.549-MA, Rel. Min. Eliana Calmon).
De rigor a transcrição do seguinte excerto do v.
acórdão:
“(...)
Informam os suscitantes, associados do Sindicato dos Trabalhadores em
Transporte Rodoviário do Estado do Maranhão, que ajuizaram ação ordinária de
improbidade administrativa, com pedido liminar, contra (...) integrantes da
Diretoria do Sindicato, por supostas irregularidades por eles praticadas.
A ação foi distribuída ao JUÍZO DE DIREITO DA 3ª VARA CÍVEL DE SÃO LUIS -
MA, sob o n. 3.789/2006, o qual concluiu, em um primeiro momento, pela
irregularidade na condução do sindicato. Reconheceu, ainda, que os sindicatos
estão inseridos no contexto do art. 1º da Lei de Improbidade, e, assim, são os
seus dirigentes pessoas ativas para responder pelos seus atos de improbidade.
Assim, proferiu liminar, em 10 de março do corrente mês, determinando, entre
outras providências, o afastamento temporário do presidente e da Diretoria,
designando os autores para gerirem o sindicato e convocar novas eleições (fls.
804/810).
Os referidos dirigentes, no dia seguinte, aviaram ação cautelar
inominada, com pedido liminar, no plantão da Justiça Trabalhista, afirmando que
os suscitantes haviam obtido liminar de juiz incompetente, na qual foi
investida uma Junta por eles composta, que convocou assembléia extraordinária
para o dia 13/03 e se recusavam a desocupar o prédio do sindicato.
O juiz trabalhista, com base na EC 45/2004, que deu nova redação ao art.
114, III, da CF, concedeu liminar inaudita
altera parte, determinando a imediata desocupação pelos réus, ora
suscitantes, do prédio do sindicato e a suspensão da assembléia extraordinária
designada.
Defendem a existência do periculum
in mora, diante da gravidade na permanência dos dirigentes dito ímprobos na
condução do sindicato.
Ressaltam a competência da Justiça Comum para julgar a ação ordinária de
improbidade administrativa, por não se inserirem na competência da Justiça
Obreira, visto a inexistência de litígio laboral ou de controvérsia decorrente
da relação trabalhista, pelo que inaplicável o disposto no inciso III do art.
114 da CF.
Requerem, assim, liminarmente, o sobrestamento do Processo 418/2006, que
tramita na justiça trabalhista, para tornar nulos todos os atos nele praticados
e designando o Juiz de Direito para resolver as medidas urgentes até o final
deste.
(...)
A Primeira Seção, em precedente da lavra do Ministro João Otávio Noronha,
entendeu que, após a edição da Emenda Constitucional 45/2004, as questões
relacionadas ao processo eleitoral sindical, ainda que esbarrem na esfera do
direito civil, estão afetas à competência da Justiça do Trabalho, pois se trata
de matéria que tem reflexo na representação sindical.
(...)
Ressalto que, na hipótese dos autos, embora
cuide-se de ação ordinária por ato de improbidade, a conseqüência do provimento
judicial será o afastamento da Diretoria do Sindicato, havendo, pois, reflexo
na representação sindical, daí porque aplica-se o mesmo entendimento
preconizado pela Seção nas ações em que se discute diretamente questões
relacionadas a eleição sindical.”
Desse modo, diante da r. decisão em epígrafe, forçoso
rever entendimento já exarado em representação para instauração de conflito de atribuições
anterior, resolvido por essa Procuradoria-Geral de Justiça (PT nº 1613/16), que
apontou para o reconhecimento de atribuição do Ministério Público Estadual, em
virtude da matéria de fato e de direito (improbidade administrativa), estar afeita
ao direito administrativo.
Tratando-se de matéria controvertida, oportuno registrar que na resolução do referido conflito entendeu-se que eventual improbidade praticada pelos dirigentes em prejuízo do sindicato não se incluiria na competência da Justiça do Trabalho, eis que não se amoldaria ao inciso III, nem à qualquer outra regra contida no artigo 114 doa Constituição Federal. O referido inciso III do art. 114 da CF somente teria aplicação às hipóteses que envolvam entes sindicais, e não, àquelas que envolvam pessoas físicas que pratiquem atos em nome das citadas pessoas jurídicas.
Porém,
diante do precedente citado, é forçoso entender, pelos motivos expostos,
existir interesse do Ministério Público do Trabalho na apreciação da
representação e eventual investigação dos fatos.
3) Decisão.
Diante
do exposto, acolhe-se a representação formulada pelo DD. 7º Promotor de Justiça
de São José dos Campos, determinando-se a remessa dos autos ao E. Supremo
Tribunal Federal, a fim de que seja dirimido o conflito
negativo de atribuições surgido na hipótese em exame.
Publique-se a ementa.
Comunique-se. Cumpra-se, providenciando a restituição dos autos.
Providencie-se a remessa
de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela
Coletiva.
São Paulo, 21 de novembro
de 2017.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
blo