Conflito de Atribuições – Cível

 

 

Protocolado nº 127.285/14

Inquérito Civil nº 14/2006

Suscitante: 1º Promotor de Justiça de Ferraz de Vasconcelos

Suscitado: Procurador da República em Guarulhos

 

 

 

 

Ementa:

1)   Conflito negativo de atribuições. 1º Promotor de Justiça de Ferraz de Vasconcelos (suscitante). Procurador da República em Guarulhos (suscitado).

2)   Investigação cujo escopo é a apuração de irregularidades em execução de convênios entre o Município de Ferraz de Vasconcelos e o Ministério da Saúde.

3)   Entendimento do Plenário do STF, no sentido da competência da Corte, com fundamento no art. 102, I, “f” da CF, para dirimir o conflito.

4)   Representação conhecida e acolhida, determinando-se a remessa dos autos ao Col. STF para a apreciação do conflito negativo entre Ministérios Públicos.

 

 

 

 

 

Vistos,

1) Relatório.

Tratam estes autos de representação a fim de que seja suscitado junto ao STF conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 1º Promotor de Justiça de Ferraz de Vasconcelos, e como suscitado o DD. Procurador da República em Guarulhos.

A investigação foi instaurada pela Promotoria de Justiça de Ferraz de Vasconcelos, com a finalidade de apurar ocorrências de irregularidades na execução de convênios celebrados entre o Ministério da Saúde e o Município, para implantação, aparelhamento e adequação das Unidades Básicas de Saúde naquele Município.

O suscitante, DD. 1º Promotor de Justiça de Ferraz de Vasconcelos, declinou de sua atribuição em favor do Ministério Público Federal, anotando a existência de interesse da União, pela possibilidade de dano ao patrimônio público federal (fls. 1246/1251).

O suscitado, DD. Procurador da República em Guarulhos, por sua vez, declinou de oficiar no feito, aduzindo, em suma, que não há, no caso, dano à União, remanescendo, entretanto, dano ao Município, que deve ser apurado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (fls. 1253/1260).

O senhor Procurador-Geral da República, adotando a tese da ausência da atribuição do Ministério Público Federal, entendeu pela desnecessidade de remessa dos autos ao Col. STF para dirimir o conflito, salientando, conforme excerto extraído de sua manifestação, apoiada em decisão monocrática do Ministro Teori Albino Zavaski (fls. 1322/1332), que:

“(...)

De se reconhecer, então, tal como bem apontado na decisão transcrita, que o conflito de atribuições entre membros do Ministério Público, estadual e federal, não é alcançado, como antes se entendeu, pela competência originária do Supremo Tribunal Federal para julgar as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta, estabelecida no art. 102, I, f da Constituição. O Ministério Público não é entidade da administração pública nem tem papel pertinente à administração pública. Também não há risco, nem sequer potencial, de lesão ao pacto federativo a atrair a competência da Corte.

(...)

A atribuição de tal tarefa ao Procurador-Geral da República, por sua vez, se dá não em razão de uma hierarquia que, de fato, não existe, mas, sim, por ser ele o Chefe do Ministério Público da União, sendo certo que, em respeito ao princípio federativo e em vista da natural supremacia da União sobre os Estados-membros, a ele (MPU) cabe decidir sobre suas próprias atribuições.

(...)

Dito isso, resolvo o presente conflito com a determinação da atribuição do Ministério Público do Estado de São Paulo.

É o relato do essencial.

2) Fundamentação.

Está configurado, no caso, o conflito de atribuições.

Isso decorre do posicionamento de diversos órgãos de execução do Ministério Público, quando “(a) dois ou mais deles manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusões às de outro membro (conflito positivo); (b) ao menos um membro negue a própria atribuição funcional e a atribua a outro membro, que já a tenha recusado (conflito negativo)” (cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime Jurídico do Ministério Público, 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 486/487). No mesmo sentido Emerson Garcia, Ministério Público, 2ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196/197.

Cumpre anotar que o entendimento que tem prevalecido no Plenário do STF é no sentido da afirmação da competência da Corte, com fundamento no art. 102, I, “f” da Constituição, para dirimir conflitos entre diferentes ramos do Ministério Público.

Confira-se:

"Compete ao Supremo a solução de conflito de atribuições a envolver o MPF e o MP estadual. Conflito negativo de atribuições – MPF versus MP estadual – Roubo e descaminho. Define-se o conflito considerado o crime de que cuida o processo. A circunstância de, no roubo, tratar-se de mercadoria alvo de contrabando não desloca a atribuição, para denunciar, do MP estadual para o Federal." (Pet 3.528, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 28-9-2005, Plenário, DJ de 3-3-2006.) No mesmo sentido: ACO 1.109, ACO 1.206, ACO 1.241, ACO 1.250, Rel. p/ o ac. Min. Luiz Fux, julgamento em 5-10-2011, Plenário, DJE de 7-3-2012; ACO 1.281, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 13-10-2010, Plenário, DJE de 14-12-2010; Pet 4.574, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 11-3-2010, Plenário, DJE de 9-4-2010; ACO 853, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 8-3-2007, Plenário, DJ de 27-4-2007; Em sentido contrário: ACO 756, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 4-8-2005, Plenário, DJ de 31-3-2006; Pet 1.503, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 3-10-2002, Plenário, DJ de 14-11-2002.

Anote-se, a propósito, que quando do julgamento da Pet. 3528 em 28 de maio de 2005, ocasião em que o Plenário do STF firmou definitivamente, por entendimento unânime, sua competência para dirimir conflitos ocorridos entre diferentes ramos do Ministério Público, no voto do relator, Min. Marco Aurélio, foram consignadas suficientes razões para demonstrar o acerto de tal orientação, como se infere dos trechos a seguir transcritos:

“(...)

Também não é possível assentar-se competir ao Procurador-Geral da República a última palavra sobre a matéria. A razão é muito simples: de acordo com a norma do § 1º do artigo 128 do Diploma Maior chefia ele o Ministério Público da União, não tendo ingerência, considerados os princípios federativos, nos Ministérios Públicos dos Estados. Todavia, diante da inexistência de disposição específica na Lei Fundamental relativa à competência, o impasse não pode continuar. Esta Corte tem precedente segundo o qual, diante da conclusão sobre o silêncio do ordenamento jurídico a respeito do órgão competente para julgar certa matéria, a ela própria cabe a atuação.

(...)

Esse entendimento é fortalecido pelo fato de órgãos da União e de Estado membro estarem envolvidos no conflito, e aí há de se emprestar à alínea ‘f’ do inciso I do artigo 102 da Constituição Federal alcance suficiente ao afastamento do descompasso, solucionando-o o Supremo, como órgão maior da pirâmide jurisdicional.

(...)

Transporte-se o enfoque para o conflito de atribuições entre o Ministério Público Estadual e o Ministério Público Federal. A solução há de decorrer não de pronunciamento deste ou daquele Ministério Público, sob pena de se assentar hierarquização incompatível com a Lei Fundamental. Uma coisa é atividade do Procurador-Geral da República no âmbito do Ministério Público da União, como também o é atividade do Procurador-Geral de Justiça no Ministério Público do Estado. Algo diverso, e que não se coaduna com a organicidade do Direito Constitucional, é dar-se à chefia de um Ministério Público, por mais relevante que seja, em se tratando da abrangência de atuação, o poder de interferir no Ministério Público da unidade federada, agindo no campo administrativo de forma incompatível com o princípio da autonomia estadual. Esta apenas é excepcionada pela Constituição Federal e não se tem na Carta em vigor qualquer dispositivo que revele a ascendência do Procurador-Geral da República relativamente aos Ministérios Públicos dos Estados. Tomo a manifestação do Procurador-Geral da República, Dr. Antônio Fernando Barros Silva de Souza, contida à folha 130 a 137, não como uma decisão sobre o conflito, mas como parecer referente à matéria.

(...)” (g.n.)

Dessa forma, com a devida vênia, solução correta por parte do Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral da República seria, entendendo não competir a investigação ao Ministério Público Federal, determinar a remessa dos autos ao STF, para a solução do conflito.

Como isso não foi feito, será promovida a remessa para tal fim.

3) Decisão.

Diante do exposto, acolhe-se a representação formulada pelo DD. Promotor de Justiça de Ferraz de Vasconcelos, determinando-se a remessa dos autos ao E. Supremo Tribunal Federal, a fim de que seja dirimido o conflito negativo de atribuições surgido na hipótese em exame.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 17 de setembro de 2014.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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