Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 127.683/2013

(ref. Incidente de Impugnação de Crédito nº 0012912-41.2013.8.26.0562, controle nº 1621/2006, 2ª Vara Cível de Santos)

Suscitante: 23º Promotor de Justiça de Santos

Suscitado: 16º Promotor de Justiça de Santos

 

 

Ementa:

1)   Conflito negativo de atribuições. 23º Promotor de Justiça de Santos (suscitante) e 16º Promotor de Justiça de Santos (suscitado).

2)   Incidente de Impugnação de Crédito em processo de Falência. Existência de crédito decorrente de ação civil pública. Concomitância de fundamentos para a intervenção: zelo pela satisfação do crédito decorrente da ação coletiva e zelo pelos interesses da coletividade de credores em razão da falência da empresa.

3)   Conflito de atribuições. Critérios para solução. Maior abrangência do interesse pelo qual deve zelar o Promotor que intervém na falência. Maior especialização do Promotor que intervém na falência, relativamente à atuação, como fiscal da lei, no Incidente de Impugnação de Crédito.

4)   Conflito conhecido e dirimido, devendo prosseguir no feito o suscitante, que atua na condição de fiscal da lei no processo falimentar.

 

Vistos.

1) Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como órgão suscitante o DD. 23º Promotor de Justiça de Santos, e como órgão suscitado o DD. 16º Promotor de Justiça Cível de Santos.

O feito no qual foi suscitado o conflito consiste em Incidente de Impugnação de Crédito relacionado à falência de SWF IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA (Autos principais nº 0047078-46.2006.8.26.0562).

Ao receber os autos com vista, o DD. 16º Promotor de Justiça de Santos (suscitado) lançou a seguinte manifestação, cf. fls. 33:

“(...)

Requeiro a remessa dos autos à 23ª P.J. de Santos, que se manifesta nesta falência, uma vez que a 13ª e a 16ª Promotorias de Justiça de Santos são credores da massa.

(...)”

Ao receber os autos o DD. 23º Promotor de Justiça de Santos (suscitante) provocou a instauração do conflito, assinalando, cf. fls. 34/35, que:

“(...)

Mesmo havendo um interesse creditício pelo qual o Ministério Público deva zelar direta ou indiretamente, não se verifica qualquer embaraço à sua atuação como fiscal da lei, consoante a divisão de atribuições definida pela Promotoria de Justiça de Santos e, ainda que se entendesse o contrário, o impedimento ficaria restrito às decisões que repercutam diretamente no crédito alcançado em ação civil pública, ou seja, sua admissão ou eventual questionamento quanto ao seu posicionamento no quadro de credores e não em relação a todas as outras questões afeiçoadas a massa falida como a perfilhada no presente feito.

Por fim, também não se verifica a ocorrência de nenhuma das situações aptas a ensejar o impedimento ou suspeição do membro do Ministério público, consoante artigo 138 do Código de Processo Civil.

(...)”

É o relato do essencial.

2) Fundamentação.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado e deve ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço.

Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Anote-se, ainda uma vez, que o conflito, no caso presente, surge no Incidente de Impugnação de Crédito relativo a processo de Falência, ficando consignado que o declínio do suscitado em intervir decorre da alegação de que “a 13ª e a 16ª Promotorias de Justiça de Santos são credores da massa” (fls. 33).

Pois bem.

Não há, de fato, qualquer impedimento ou suspeição relativamente à atuação do 13º ou do 16º Promotor de Justiça de Santos, em função de ter ocorrido, como sustentou o suscitado, eventual habilitação de crédito; ou ainda que esta não tenha formalmente sido realizada, em razão da própria existência do crédito extraído, por exemplo, em função de condenação da empresa falida em ação civil pública.

O membro do Ministério Público, quando ajuíza ações coletivas, não atua em nome próprio nem defende interesse pessoal, senão interesse da coletividade tutelada, na forma difusa, coletiva em sentido estrito, ou mesmo interesses individuais homogêneos.

A anterior atuação, portanto, em ação coletiva, seja na condição de autor, seja na condição de fiscal da lei, não torna o membro do parquet impedido ou suspeito para atuar em feito conexo.

Em outras palavras, nenhuma das situações previstas nos artigos 134 (impedimento) e 135 (suspeição) do CPC, aplicáveis ao MP por força do art. 138 do mesmo Código, cuja interpretação é sempre restritiva por envolver enumeração taxativa, estão presentes na hipótese em exame.

Ademais, ao contrário do que afirmou o suscitado, com a devida vênia, não se pode afirmar que a “Promotoria de Justiça”, ou o próprio Ministério Público, seja credor por força, por exemplo, de título extrajudicial (Termo de Ajustamento de Conduta) ou mesmo de sentença condenatória proferida em ação coletiva.

O MP, no processo coletivo, age em nome próprio, mas em defesa de interesse alheio, de natureza difusa, coletiva propriamente dita ou individual homogênea. Quanto executa sentença condenatória ou Termo de Ajustamento de Conduta não incorpora valores ao seu patrimônio, velando, ao contrário, para que sejam eles revertidos ao Fundo de Interesses Difusos previsto na Lei nº 7.347/85.

Não impediria a intervenção, portanto, o fato de haver crédito tutelado pelo MP, resultante de ação coletiva, a ser revertido para o Fundo de Interesses Difusos.

Nesse ponto bastaria recordar que mesmo quando o Ministério Público atua como autor, não fica desincumbido de velar pelo correto cumprimento da lei.

Aliás, é acertado mesmo dizer que embora a lei confira ao parquet o encargo de por vezes atuar como fiscal da lei, e em outras oportunidades de atuar como autor na condição de substituto processual, isso não modifica a finalidade de sua atuação, que não é a de conseguir a procedência da ação a qualquer custo, mas sim velar para que o interesse que justifica a sua intervenção seja corretamente tutelado.

Nesse exato sentido, confira-se a autorizada opinião de Hugo Nigro Mazzilli (“Atuação do Ministério Público no processo civil”, em “http://www.mazzilli.com.br”, acesso em 26.08.2013), ao salientar que:

“(...)

Não é diferente, sob esse aspecto, o que ocorre no processo civil: também aqui o membro do Ministério Público opina livremente, mesmo quando tenha pro-posto a ação; opina com liberdade, até quando haja interesses de incapazes no feito.

(...)”

A solução para o presente conflito, portanto, está em verificar qual dos órgãos intervenientes tem a atribuição de zelar, na hipótese concreta, pelo interesse mais abrangente e ao mesmo tempo mais especializado.

O suscitado, DD. 16º Promotor de Justiça de Santos, indica que sustenta interesse metaindividual em face da massa falida, considerando suas atribuições na área do Meio Ambiente e da Habitação e Urbanismo (previstas no Ato 100/2011 – PGJ, de 15 de dezembro de 2011), visto que, cf. manifestação lançada às fls. 33 (embora com o reparo acima realizado com relação ao equívoco da afirmação), “a 13ª e a 16ª Promotorias de Justiça de Santos são credores da massa”.

De outro lado, o suscitante, DD. 23º Promotor de Justiça de Santos, intervém no feito, como se extrai dos autos na condição de fiscal da lei, em razão da falência decretada nos autos nº 0047078-46.2006.8.26.0562 (fls. 2 e 33).

Não há negar que tanto o suscitado, como o suscitante, oficiam, neste caso, zelando por interesses que ostentam amplo espectro.

O primeiro (suscitado) vela por interesses metaindividuais (embora não o tenha especificado expressamente em sua manifestação, ostenta atribuições na área do Meio Ambiente e da Habitação e Urbanismo).

O segundo (suscitante) intervém em decorrência da condição de fiscal da lei. O motivo da intervenção é a falência decretada no processo principal.

Efetuando o cotejo entre os dois interesses em jogo, chega-se à conclusão de que a intervenção como fiscal da lei acaba, na prática, tendo abrangência maior, pois envolve o zelo pelo interesse da coletividade de credores da massa, incluindo, note-se, a própria coletividade beneficiada com a condenação da empresa falida em sede de ação civil pública.

Não bastasse isso, é possível afirmar, ademais, que há duas causas de intervenção (zelo pela satisfação do crédito obtido em ação coletiva, bem como zelo pela satisfação de todos os interesses dos credores da massa falida). Nesse caso, é visível que, em se tratando de Incidente de Impugnação de Crédito, o órgão ministerial cuja atribuição é mais especializada deve intervir, ou seja, aquele que fiscaliza o feito falimentar.

Por todos esses motivos caberá ao suscitante oficiar no feito.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitante, DD. 23º Promotor de Justiça de Santos, a atribuição para oficiar no feito de origem.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 29 de agosto de 2013.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

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