Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 129.423/15

(Ref. SIS nº 43.0712.0005279/2015-0)

Suscitante: 4º Promotor de Justiça de Sorocaba (Idoso)

Suscitado: 15º Promotor de Justiça de Sorocaba (Consumidor)

 

Ementa: Conflito negativo de atribuições. Associação Nacional dos Aposentados e Consumidores - ASNAC com sede em Sorocaba. Dimensão espacial da lesão, modo de captação dos clientes e limites da atuação da associação até o momento desconhecidos, o que afasta a distinção entre dano local e regional como critério para resolução do conflito. Associação que se dispõe a prestar serviços jurídicos judiciais e extrajudiciais e outros em prol de consumidores em geral, aposentados ou não, e de pensionistas. Conflito resolvido pelo critério do interesse mais abrangente. 1. Todo idoso é consumidor, mas nem todo consumidor é idoso. A aposentadoria pode decorrer de invalidez ou do tempo de serviço, e o pensionista pode ou não ser idoso. Associação que se dispõe a prestar serviços jurídicos de revisão de benefícios previdenciários e de defesa dos direitos de aposentados e consumidores, cooptando-os a se associarem viola direitos difusos dos idosos e dos consumidores. 2. Embora as duas Promotorias de Justiça em conflito tenham atribuição para oficiar nos autos, o conflito deve ser resolvido para direcionar a atribuição àquela cuja esfera de atuação seja mais abrangente. 3. Conflito resolvido para afetar ao Suscitado, DD. 15º Promotor de Justiça de Sorocaba - com atribuição para defesa dos direitos e interesses dos consumidores - a atribuição para atuar nos autos.

Vistos.

1)  Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 4º Promotor de Justiça de Sorocaba (Idoso), e como suscitado o DD. 15º Promotor de Justiça de Sorocaba (Consumidor).

O procedimento foi instaurado por força de representação encaminhada pelo Procon de Sorocaba ao Suscitado - DD. 15º Promotor de Justiça de Sorocaba (Consumidor), dando conta que a ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS APOSENTADOS E CONSUMIDORES - ASNAC, com antiga sede em Osasco, transferiu-se para Sorocaba, onde vinha encaminhando correspondência à residência de consumidores, em geral beneficiários do INSS, sugerindo-lhe que tinham diferenças de valores a receber em funções de correções em seus benefícios previdenciários, convidando-os a comparecerem à sede da empresa, onde lhes oferecia serviços jurídicos judiciais e extrajudiciais, mediante assinatura de contrato de adesão à associação e pagamento de quantia mensal.

A representação inaugural foi instruída com documentos (fls. 02/72).

O Suscitado (DD. 15º Promotor de Justiça de Sorocaba - Consumidor) declinou de sua atribuição para se manifestar nos autos, nos seguintes termos (fls. 75/76):

"Conforme informado, tendo como público alvo aposentados e pensionistas, em sua maioria, portanto, idosos, a associação, para incrementar o número de integrantes, encaminha correspondência à casa dos idosos, prometendo avaliar a situação pessoal de cada um, frente à necessidade de correção de alguns benefícios previdenciários e/ou assistenciais (fls. 06).

Quando o cidadão chega ao local indicado, porém, é informado que, para ter sua situação revisada, necessário ingressar na associação.

S.m.j., portanto, não estamos diante de relação de consumo, mas de estratégia da associação para cooptar e incrementar o seu número de associados.

Desta forma, ficam afastadas as atribuições deste cargo afeto à tutela de consumidores, parecendo avultar, na hipótese, eventual necessidade de apuração dos fatos na esfera da defesa do idoso, que pode estar sendo ludibriado a fim de ligar-se a associação."

A Suscitante (DD. 4ª Promotora de Justiça de Sorocaba - Idoso) expôs as razões do conflito negativo a fls. 82/84. Afirmou que: (a) a representação é clara no sentido de apontar o que considera prática abusiva consistente no assédio de consumidores no sentido de incrementar o seu quadro de associados; (b) embora não se trate de uma relação de consumo concretizada, o assédio tem por fim o estabelecimento de uma relação de consumo, uma vez que a associação oferece serviços em troca; (c) nos termos do art. 75 do Estatuto do Idoso, o que legitima a atuação do Ministério Público em defesa do idoso é uma situação de risco, hipótese que não se vislumbra no presente caso; (d) nem todo aposentado ou pensionista tem 60 anos de idade ou mais; (e) deve atuar o Membro da Instituição incumbido da proteção do interesse público mais abrangente que, no caso em tela, são os direitos e interesses dos consumidores.

É o relato do essencial.

2) Fundamentação.

         É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado e deve ser conhecido.

         Verifica-se pelo "termo de adesão de associado" (fls. 08/10), pelo "instrumento particular de prestação de serviços" (fls. 11/2), pelo estatuto da associação (fls. 26/34), pela ata da assembléia geral para mudança de endereço (fl. 35) e pela própria defesa da associação junto ao PROCON de Sorocaba (fls. 44/45) que se cuida de empresa estabelecida em 2014, como sede inicialmente no município de Osasco, ao depois transferida por razões ignoradas para o de Sorocaba (fl. 35), supostamente sem fins lucrativos, que se propõe a atuar em âmbito nacional, em defesa dos consumidores em geral, aposentados ou não, e pensionistas, prestando-lhes serviços em geral, inclusive jurídicos, judicial e extrajudicialmente, mediante assinatura de contrato de adesão, filiação em caráter de associado e pagamento de prestações mensais.

         Não resta dúvida de que se cuida de relação de consumo, na medida em que a ASNAC - ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS APOSENTADOS E CONSUMIDORES se propõe a prestar diversos serviços a seus "associados" em troca de pagamentos mensais.

         A propósito, veja-se o que dispõe o art. 2º de seu estatuto constitutivo (fl. 26):

"Art. 2º. A Associação Nacional dos Aposentados e Consumidor - ASNAC tem como objetivos:

I. Representar, perante os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, os interesses gerais de todos os cidadãos, consumidores, brasileiros ou estarngeiros e, de igual forma, os seus interesses individuais e coletivos;

II. Proteger, utilizando todos os meios ao seu alcance, os direitos e interesses dos cidadãos aposentados e consumidores perante as autoridades constituídas;

III. Promover a unidade e solidariedade entre os cidadãos aposentados e consumidores;

IV. Promover campanhas publicitárias de esclarecimentos e financiar qualquer atividade da associação, desde que tenha como pressuposto a defesa dos interesses dos cidadãos aposentados e consumidores;

V. Interceder junto às autoridades administrativas, judiciárias e legislativa no sentido do rápido atendimento de breve solução aos problemas que, direta ou indiretamente, digam respeito aos cidadãos aposentados e consumidores;

VI. Criar e executar serviços de consultoria para assuntos jurídicos, contábeis, administrativos, financeiros para seus assciados, os quais serão prestados por profissionais contratado diretamente, ou pessoas jurídicas e profissionais liberais destes segmentos;

VII. Impetrar mandado de segurança coletivo e ajuizar ações, coletivas ou individuais, esta última modalidade de serviço somente se for associados, na foma prevista na Constituição Federal, exercendo a representatividade dos cidadãos aposentados e consumidores;

VIII. Representar perante os órgãos da administração pública direta ou indireta, os interesses dos aposentados, servidores públicos e cidadãos aposentados e consumidores em geral, protocolizando petições, procurações e outros documentos que se fizerem necessários;

IX. Manter em caráter terceirizado ou próprio, uma rede de benefícios de interesse dos associados, composto de descontos e facilidades na aquisição de produtos e serviços;

X. Firmar convênio com instituições financeiras nos moldes da legislação vigente, visando fornecimento de crédito aos cidadãos aposentados e consumidores;

XI. Divulgar as atividades da asscoaição através de jornal informativo e outros setores de mídia;

XII. Promover atividades esportivas, recreativas e culturais para seus associados;

XIII. Colaborar com as autoridades constituídas na promoção de serviços assistenciais de saúde pública;

XIV. Promover aos cidadãos consumidores assistência filantrópica, observados os critérios da necessidade e da possibilidade;

XV. Efetuar pesquisas de opinião ou comportamento, de interesse de todos os cidadãos aposentados e consumidores, de caráter informativo;

XVI. Firmar parcerias com empresas de produtos e/ou serviços, para oferecimento aos cidadãos aposentados e consumidores em condições diferenciais no mercado.".

         Como se verifica, a associação oferecia grande variedade de serviços a aposentados e consumidores em geral.

         Note-se que o PROCON foi acionado por aposentado por invalidez, não sendo possível inferir da representação se se trata de pessoa idosa ou não (fl. 13 e 41).

         Há farta prova documental no sentido de que os serviços eram disponibilizados mediante assinatura de contrato de adesão e de instrumento particular de prestação de serviços, que obrigava os contraentes ao pagamento de contraprestação mensal, a evidenciar típica relação de consumo (fls. 08/10, 11/12 e fls. 66/72).

         Cuida-se, pois, de relação de consumo, que tinha por finalidade atender a todos os consumidores, aposentados ou não, conforme expresso pela própria associação em sua defesa ao PROCON (fl. 44).

         Todos os idosos são consumidores; nem todos os consumidores são idosos, de sorte que o interesse público mais abrangente é o da defesa dos consumidores.

         Além disso, mesmo no tocante aos beneficiários do INSS, sejam eles pensionistas ou aposentados, não se tratam necessariamente de idosos, podendo sê-lo ou não. Veja-se o caso dos pensionistas, por exemplo, e também o dos aposentados por invalidez, como o que deu ensejo à representação encaminhada ao PROCON.

         Não há dúvida de que os idosos compõem uma parcela vulnerável de beneficiários do INSS, sujeita à fraude anunciada, fato evidenciado pela existência de projeto de lei de 2011 em tramitação no Congresso Nacional que acrescentar as letras A e B ao art. 106 da Lei nº 10.741/2003, que define o crime de aliciamento, induzimento ou instigação do idoso a contrair empréstimos de forma fraudulenta e o de estelionato contra idoso.

         Porém, o Código de Defesa do Consumidor presume a vulnerabilidade do consumidor, pelo que a vulnerabilidade deste não é necessariamente menor que a do idoso. Há consumidores mais vulneráveis que idosos; não todo idoso se ludibriaria pela fraude urdida pela associação.

         Assim sendo, assiste razão ao Suscitante em invocar a feliz lição de Hugo Nigro Mazzilli no sentido de que "se houver mais de uma causa bastante para a intervenção do Ministério Público no feito, nele funcionará o membro da instituição incumbido do zelo do interesse público mais abrangente", esclarecendo que para tais fins, "considera-se a seguinte ordem crescente de abrangência: interesses individuais, interesses individuais homogêneos, interesses coletivos, interesses difusos e interesse público; considera-se ainda mais abrangente o interesse indisponível em relação ao disponível" (Op. cit., p. 421/422), à qual se acrescenta, seguindo a mesma lógica que, entre interesses difusos em conflito, deve prevalecer o de maior abrangência que, no caso, é o do consumidor.

         De outra parte, é certo que a associação se propõe a atuar em caráter nacional, o que deslocaria a atribuição para o foro da Capital.

         A priori, não se descarta a possibilidade de dano ou lesão de característica regional (e quiçá nacional), atingindo a eventual abusividade consumidores indeterminados e que decerto não se restringem àqueles residentes em Sorocaba.     

         Bem por isso foi decidido em outra oportunidade que “a atribuição do órgão do MP segue a competência jurisdicional do art. 93, II, CDC” (Protocolado n. 19.816/14). Destaca-se desse precedente o seguinte excerto de sua fundamentação:

“7.               Em tema de competência jurisdicional assim vem decidindo o Superior Tribunal de Justiça sobre dano regional:

‘PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO DE ÂMBITO REGIONAL. COMPETÊNCIA DA VARA DA CAPITAL PARA O JULGAMENTO DA DEMANDA. ART. 93 DO CDC.

1. O art. 93 do CDC estabeleceu que, para as hipóteses em que as lesões ocorram apenas em âmbito local, será competente o foro do lugar onde se produziu o dano ou se devesse produzir (inciso I), mesmo critério já fixado pelo art. 2º da LACP. Por outro lado, tomando a lesão dimensões geograficamente maiores, produzindo efeitos em âmbito regional ou nacional, serão competentes os foros da capital do Estado ou do Distrito Federal (inciso II).

2. Na espécie, o dano que atinge um vasto grupo de consumidores, espalhados na grande maioria dos municípios do estado do Mato Grosso, atrai ao foro da capital do Estado a competência para julgar a presente demanda.

3. Recurso especial não provido’ (RT 909/483).

8.                E em se tratando de dano nacional, a Corte Federal decidiu que:

‘AÇÃO CIVIL PÚBLICA. POUPANÇA. DANO NACIONAL. FORO COMPETENTE. ART. 93, INCISO II, DO CDC. COMPETÊNCIA CONCORRENTE. CAPITAL DOS ESTADOS OU DISTRITO FEDERAL. ESCOLHA DO AUTOR.

1. Tratando-se de dano de âmbito nacional, que atinja consumidores de mais de uma região, a ação civil pública será de competência de uma das varas do Distrito Federal ou da Capital de um dos Estados, a escolha do autor.

2. Conflito de competência conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 7ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba/PR’ (STJ, CC 112.235-DF, 2ª Seção, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, 09-02-2011, v.u., DJe 16-02-2011).

9.                Anoto que a competência do art. 93, I, do Código de Defesa do Consumidor tem natureza absoluta enquanto a do art. 93, II, do codex, é de caráter relativo, como assentado em outro aresto:

‘(...) muito embora o inciso II do art. 93 do CDC tenha criado uma vedação específica, de natureza absoluta – não podendo o autor da ação civil pública ajuizá-la em uma comarca do interior, por exemplo -, a verdade é que, entre os foros absolutamente competentes, como entre o foro da capital do Estado e do Distrito Federal, há concorrência de competência, cuidando-se, portanto, de competência relativa. (...)’ (RDDP 91/123).

10.              A regra balizadora é a extensão espacial do prejuízo”.

 

 

         Nesse contexto, havendo possibilidade de dano para outras comarcas do Estado, mostra-se compatível com o sistema normativo a interpretação segundo a qual o feito deve processar-se no foro da Capital do Estado.

         Entretanto, na hipótese dos autos, não existem elementos de informação indicativos de que a associação tenha operado fora dos limites territoriais de sua atual sede.

         Portanto, deve prevalecer a atribuição do Membro do Ministério Público responsável pela tutela do interesse difuso mais abrangente que, no caso, é o do consumidor de Sorocaba.

         Ante o exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115, da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao Suscitado, DD. 15º Promotor de Justiça de Sorocaba (Consumidor), a atribuição para oficiar nos autos.

         Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

         Remeta-se cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

 

 

São Paulo, 21 de setembro de 2015.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

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