Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 129.961/14

Suscitante: 1º Promotor de Justiça de Caraguatatuba

Suscitado: Procurador do Trabalho de São José dos Campos

 

 

Ementa:

1. Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 1º Promotor de Justiça de Caraguatatuba. Suscitado: Ministério Público do Trabalho.

2. Trabalhadores regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho. Atribuição do Ministério Público do Trabalho. Poder-se-ia aceitar a atribuição do Ministério Público do Estado de São Paulo se houvesse relação restrita a servidores estatutários.

3. Interesse do Ministério Público do Trabalho no desfecho da investigação. Representação conhecida e acolhida, determinando-se a remessa dos autos ao E. STF para a apreciação do conflito negativo entre Ministérios Públicos.

 

Vistos,

 

1) Relatório.

Tratam estes autos de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 1º Promotor de Justiça de Caraguatatuba e como suscitado o DD. Procurador do Trabalho de São José dos Campos.

Segundo consta dos autos, a Gerência Regional do Trabalho e Emprego em São José dos Campos, por intermédio do Ofício 209/2014- SEINT/GRTE/SJC, encaminhou à Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região (São José dos Campos), cópia do relatório fiscal referente à fiscalização realizada na Secretaria de Saúde de Caraguatatuba (fls. 15/32).

Recebida a documentação, a Procuradora do Trabalho oficiante determinou sua remessa ao Ministério Público Estadual, sob o argumento de que a Secretaria de Estado da Saúde constitui órgão da Administração Direta e a responsabilidade pela correção das irregularidades será do Município de Caraguatatuba, à luz do que foi decidido na ADI n. 3395/DF; com efeito, aduziu que a interpretação dada ao art. 114 pelo STF excluiu da competência da Justiça do Trabalho o julgamento das causas entre o Pode Público e seus servidores estatutários. Trouxe diversos precedentes jurisprudenciais a dar guarida a seu posicionamento (fls. 33/40).

O feito foi então distribuído ao Promotor de Justiça de Caraguatatuba com atribuição na seara da proteção ao meio ambiente, o qual suscitou conflito negativo de atribuições (fls. 03/13).

É a síntese do necessário.

2) Fundamentação.

Está configurado, no caso, o conflito de atribuições.

Isso decorre do posicionamento de diversos órgãos de execução do Ministério Público, quando “(a) dois ou mais deles manifestam, simultaneamente, atos que importem a afirmação das próprias atribuições, em exclusões às de outro membro (conflito positivo); (b) ao menos um membro negue a própria atribuição funcional e a atribua a outro membro, que já a tenha recusado (conflito negativo)” (cf. Hugo Nigro Mazzilli, Regime Jurídico do Ministério Público, 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 486/487). No mesmo sentido Emerson Garcia, Ministério Público, 2ª ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196/197.

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23ª ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11ª ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t.I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certa investigação também não parta de elementos do caso concreto, ou seja, seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

No caso em exame, é oportuno destacar com precisão qual é o objeto da investigação, para, a partir daí, definir-se o conflito.

O objeto da investigação consiste em saber se competirá ao Ministério Público do Estado de São Paulo ou ao Ministério Público do Trabalho seguir com a investigação.

Reza o art. 3º, inciso I, da Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, que meio ambiente é o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas, sendo que meio ambiente do trabalho consiste exatamente no local em que os trabalhadores exercem suas finalidades laborais.

Deve-se rememorar que a Súmula 736 do Supremo Tribunal Federal assentou competir à Justiça do Trabalho a competência para julgar demandas relacionadas a descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores. Com efeito, no Conflito de Competência n. 7.204, a Suprema Corte entendeu:

“1. Numa primeira interpretação do inciso I do art. 109 da Carta de Outubro, o Supremo Tribunal Federal entendeu que as ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente do trabalho, ainda que movidas pelo empregado contra seu (ex-empregador, eram da competência da Justiça comum dos Estados-Membros. 2. Revisando a matéria, porém, o Plenário concluiu que a Lei Republicana de 1988 conferiu tal competência à Justiça do Trabalho. Seja porque o art. 114, já em sua redação originária, assim deixava transparecer, seja porque aquela primeira interpretação do mencionado inciso I do art. 109 estava, em boa verdade, influenciada pela jurisprudência que se firmou na Corte sob a égide das Constituições anteriores. 3. Nada obstante, como imperativo de política judiciária -- haja vista o significativo número de ações que já tramitaram e ainda tramitam nas instâncias ordinárias, bem como o relevante interesse social em causa, o Plenário decidiu, por maioria, que o marco temporal da competência da Justiça trabalhista é o advento da EC 45/04. Emenda que explicitou a competência da Justiça Laboral na matéria em apreço. 4. A nova orientação alcança os processos em trâmite pela Justiça comum estadual, desde que pendentes de julgamento de mérito. É dizer: as ações que tramitam perante a Justiça comum dos Estados, com sentença de mérito anterior à promulgação da EC 45/04, lá continuam até o trânsito em julgado e correspondente execução. Quanto àquelas cujo mérito ainda não foi apreciado, hão de ser remetidas à Justiça do Trabalho, no estado em que se encontram, com total aproveitamento dos atos praticados até então. A medida se impõe, em razão das características que distinguem a Justiça comum estadual e a Justiça do Trabalho, cujos sistemas recursais, órgãos e instâncias não guardam exata correlação. 5. O Supremo Tribunal Federal, guardião-mor da Constituição Republicana, pode e deve, em prol da segurança jurídica, atribuir eficácia prospectiva às suas decisões, com a delimitação precisa dos respectivos efeitos, toda vez que proceder a revisões de jurisprudência definidora de competência ex ratione materiae. O escopo é preservar os jurisdicionados de alterações jurisprudenciais que ocorram sem mudança formal do Magno Texto. 6. Aplicação do precedente consubstanciado no julgamento do Inquérito 687, Sessão Plenária de 25.08.99, ocasião em que foi cancelada a Súmula 394 do STF, por incompatível com a Constituição de 1988, ressalvadas as decisões proferidas na vigência do verbete. 7. Conflito de competência que se resolve, no caso, com o retorno dos autos ao Tribunal Superior do Trabalho.
(CC 7204, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 29/06/2005, DJ 09-12-2005 PP-00005 EMENT VOL-02217-2 PP-00303 RDECTRAB v. 12, n. 139, 2006, p. 165-188 RB v. 17, n. 502, 2005, p. 19-21 RDDP n. 36, 2006, p. 143-153 RNDJ v. 6, n. 75, 2006, p. 47-58)

Não é outro o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a saber:

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MEIO AMBIENTE DO TRABALHO. JUSTIÇA DO TRABALHO. SÚMULA N.º 736/STF.

PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.

1. Consoante entendimento sedimentado desta Corte Superior, é da Justiça do Trabalho a competência para julgamento de demanda promovida pelo Parquet, na qual se encontre em discussão o cumprimento, pelo empregador, de normas atinentes ao meio ambiente do trabalho (AgRg no REsp n.º 509.574/SP, DJe de 01/03/2010; REsp n.º 240.343/SP, DJe de 20/04/2009; e REsp n.º 697.132/SP, DJ de 29/03/2006).

2. Inarredável a aplicação à hipótese da inteligência do enunciado sumular n.º 736/STF, litteris: "Compete à Justiça do Trabalho julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores", sendo irrelevante, para tanto, decorrerem as obrigações daí resultantes de previsão expressa na legislação vigente ou resultarem concomitantemente de termo de ajustamento de conduta firmado entre o empregador e o Ministério Público Estadual.

3. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no REsp 1116923/PR, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 21/10/2010, DJe 05/11/2010)”.

(...).

“PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MEIO AMBIENTE DO TRABALHO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA OBREIRA. RECURSO NÃO CONHECIDO.

I. Compete à Justiça Obreira o julgamento de ação civil pública onde se discute o cumprimento, pelo empregador, de normas atinentes ao meio ambiente de trabalho. Precedente do C. STF. (RE n. 206.220/MG, 2ª Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU de 17.09.1999).

II. Recurso não conhecido.

(REsp 697.132/SP, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, Rel. p/ Acórdão Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/12/2005, DJ 29/03/2006, p. 129)”.

Importante registrar que o Relatório de Fiscalização realizada na SECRETARIA DE ESTADO DE SAÚDE de Caraguatatuba assentou que “na unidade inspecionada estão registrados nove trabalhadores regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho”(g.n.), sendo que as demais orientações foram exaradas por conta do que preceituam as normas trabalhistas (fls. 16/30).

Resta claro que a atribuição para presidir o procedimento é do Ministério Público do Trabalho, uma vez que o contrato firmado rege-se pela CLT; com efeito, poder-se-ia aceitar a atribuição do Ministério Público do Estado de São Paulo se houvesse relação restrita a servidores estatutários (relações de natureza jurídico-administrativa). O que, pelo que se dessume da informação do Auditor Fiscal do Trabalho, não é o caso. Trata-se, aliás, de posicionamento pacífico do C. STF, a saber:

“Fixada pelas instâncias trabalhistas, a partir dos elementos fáticos, a premissa de que o contrato celebrado tem natureza trabalhista, regido pela CLT, não há como se ter por afrontada a norma inserta no art. 114 da Carta Magna, que determina ser da competência da Justiça do Trabalho a apreciação de ações decorrentes de relações de trabalho.” (RE 234.715, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgamento em 15-12-1998, Primeira Turma, DJ de 25-6-1999.)

(...)

 “Está presente a articulação, como causa de pedir, da regência do vínculo pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Embora possa haver o envolvimento da legislação municipal, colhe-se da inicial ter o reclamante instituído, por meio da LC 2/1991, ‘regime jurídico único de índole celetista’. Vejam o teor do artigo 1º do aludido diploma: ‘Art. 1º - A presente lei aplicar-se-á aos servidores públicos municipais estatutários e efetivos, cujos cargos ficarão em extinção com suas aposentadorias, tendo em vista que o regime jurídico do Município de Lagoa da Prata é o da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).’ Descabe concluir, portanto, pelo arguido desrespeito ao assentado na Medida Cautelar na ADI 3.395-MC. Define-se a competência segundo a ação proposta. Se a causa de pedir é a relação de natureza celetista, visando-se parcelas trabalhistas, o deslinde da controvérsia incumbe à Justiça do Trabalho, e não à Justiça comum. A caracterização, ou não, da citada relação jurídica tem definição a cargo da jurisdição cível especializada referida. No mencionado processo objetivo, em apreciação precária e efêmera, porque atinente à medida acauteladora, apenas se afastou interpretação do inciso I do art. 114 da Carta Federal, na redação imprimida pela EC 45/2004, que venha a implicar o reconhecimento da competência da Justiça do Trabalho para examinar conflitos concernentes a regime especial de natureza jurídico-administrativa.” (Rcl 16.025-AgR, voto do rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 10-12-2013, Primeira Turma, DJE de 3-2-2014.) Vide: Rcl 7.415-AgR, rel. min. Cezar Peluso, julgamento em 4-2-2010, Plenário, DJE de 9-4-2010; Rcl 5.248-MC-AgR, rel. min. Menezes Direito, julgamento em 22-11-2007, Plenário, DJ de 14-12-2007; ADI 3.395-MC, rel. min. Cezar Peluso, julgamento em 5-4-2006, Plenário, DJ de 10-11-2006.

(...)

"Conflito negativo de competência entre juiz federal e o TST. Reclamação trabalhista. IBGE. Alegado vínculo sob o molde de contrato de trabalho. Entendimento desta Corte no sentido de que, em tese, se o empregado público ingressa com ação trabalhista, alegando estar vinculado ao regime da CLT, compete à Justiça do Trabalho a decisão da causa (CC 7.053, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 7-6-2002; CC 7.118, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 29-8-2002, Plenário, DJ de 4-10-2002). Conflito de competência julgado procedente, ordenando-se a remessa dos autos ao TST." (CC 7.134, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 12-6-2003, Plenário, DJ de 15-8-2003.

3)  Decisão.

Diante do exposto, acolhe-se a representação formulada pelo DD. Promotor de Justiça de Caraguatatuba, determinando-se a remessa dos autos ao E. Supremo Tribunal Federal, a fim de que seja dirimido o conflito negativo de atribuições surgido na hipótese em exame.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

 

São Paulo, 7 de outubro de 2014.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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