Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 0130234/17

(MP nº 66.0695.0000946/2017-7)

Suscitante: 5º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social

Suscitado: 6º Promotor de Justiça de Itu (Patrimônio Público)

 

 

Ementa:

1.      Conflito negativo de atribuições. 5º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social (suscitante) e 6º Promotor de Justiça de Itu, com atribuições na área de Patrimônio Público, incluindo a repressão aos atos de improbidade e a defesa do patrimônio público (suscitado).

2.      Peças de informação que noticiam, em tese, a prática de ato de improbidade administrativa relativos a irregularidades na restituição de veículos apreendidos em processos judiciais que tramitaram perante a 1ª Vara Criminal da Comarca de Itu.

3.      A Lei de Improbidade Administrativa não tem disposição específica sobre competência, ao contrário do que ocorre com a Lei da Ação Civil Pública e com o Código de Defesa do Consumidor, que, em seus arts. 2º e 93, respectivamente, disciplinam a matéria. De toda forma, ao se considerar que a ação de improbidade administrativa pertence ao minissistema processual coletivo, de rigor aplica-se a regra do art. 2º da Lei nº 7.347/85 também às ações ajuizadas com suporte na Lei nº 8.429/92, porque a ação de improbidade pode ser considerada uma ação coletiva.

4.      No caso dos direitos transindividuais (e a probidade constitui direito difuso), pela sua dimensão social, política e jurídica, resta claro o interesse público no sentido que a competência territorial se exprima como absoluta. Justifica-se essa opção pelas seguintes razões: a) facilitar a instrução probatória; b) permitir que a demanda seja julgada pelo juiz que, de alguma forma, teve contato com o dano ou ameaça de dano a direito transindividual.

5.      Colhe-se com segurança que, em sede de improbidade administrativa da espécie enriquecimento ilícito, a competência a ser considerada é aquela onde foram perpetradas as condutas que ofenderam a higidez pública.

6.      Conflito conhecido e dirimido, determinando-se o prosseguimento do suscitado na investigação.

Vistos.

1)  RELATÓRIO

 

Tratam estes autos de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 5º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social e como suscitado o DD. 6º Promotor de Justiça de Itu, com atribuições na área do Patrimônio Público, incluindo a repressão aos atos de improbidade e a defesa do patrimônio público.

O DD. 5º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social suscitou conflito de atribuições, no expediente referente a peças de informação, que haviam sido encaminhadas pelo 5º Promotor de Justiça de Itu ao 6º Promotor de Justiça de Itu, para apuração de atos de improbidade ocorridos na Comarca de Itu (fls. 5).

Nas peças de informação, havia notícias de irregularidades na restituição de veículos apreendidos em dois processos judiciais que tramitaram junto à 1ª Vara Criminal da Comarca de Itu. A primeira consistiu na alienação de veículo apreendido em pleno funcionamento no processo judicial na condição de sucata e por preço vil. Já a segunda irregularidade dizia respeito à alienação de motocicleta apreendida, em leilão, contrariando decisão judicial que determinara a restituição do bem ao proprietário sem o pagamento de quaisquer ônus decorrentes da apreensão.

Na mesma oportunidade em que as peças de informação foram encaminhadas ao 6º Promotor de Justiça de Itu, foram extraídas cópias para encaminhamento ao Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado, na Capital, com a anotação de que a “dinâmica dos fatos e as possíveis operações realizadas impõem que a persecução penal seja realizada por órgão dotado de estrutura de maior envergadura operacional, isto é, com maior operacionalidade para a execução de atos investigatórios, principalmente em razão da abrangência dos fatos, que apontam para a atuação de pessoas residentes em outras Comarcas, (v.g., leiloeiros), o que dificultaria uma apuração restrita à Comarca de Itu” (fls. 08).

As peças de informação consistiam em cópias dos processos criminais (fls. 09/319).

Ao receber as peças de informação, o suscitado, de plano, houve por bem enviá-las à Comarca da Capital, observando que as condutas teriam sido praticadas por diversos agentes públicos “a serem melhor identificados” e que “não se restringem ao desempenho do serviço público nesta Comarca de Itu, mas em diversas outras” (fls.02/04). 

Redistribuído o expediente para a Comarca da Capital, sobreveio o presente conflito de atribuição.

O suscitante assinalou que a atribuição para a apreciação do presente caso é da Comarca em que ocorreu o dano, isto é, da Comarca de Itu, conforme disposições do Código de Defesa do Consumidor e da Lei da Ação Civil Pública. Além disso, ressaltou que a mera suposição da existência de fatos com repercussão na esfera estadual não desloca a competência automaticamente para a Promotoria de Justiça da Capital (fls.321/324).

É o breve relato do essencial.

2)  FUNDAMENTAÇÃO

 

Está configurado, no caso, o conflito de atribuições.

Passo a decidir.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda, a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, a identificação do órgão ministerial com atribuições para certa investigação também deve partir de elementos do caso concreto, ou seja, seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

Pois bem, o objeto da investigação é a prática de atos de improbidade administrativa relacionados à restituição de veículos apreendidos em processos criminais da Comarca de Itu.

Embora os representantes do Ministério Público da Promotoria de Justiça de Itu tenham sinalizado suspeita de que os atos ilícitos possam extrapolar os limites da Comarca, os elementos até agora amealhados restringem os fatos ao Município de Itu.

 Ambos os veículos foram apreendidos na Comarca de Itu e lá teriam remanescido até a posterior alienação cujas condições de realização são questionadas. É importante dizer, ainda, que o local de leilão, conforme documentos constantes dos autos, foi a Ciretran de Itu (fls. 264, 299-verso e 316-verso), ainda que eventuais leiloeiros tenham vindo de outras cidades.

Por outras palavras, até o presente momento, os atos ilícitos, em tese, verificaram-se na Comarca de Itu.

Feitas essas considerações, cumpre lembrar que é fato que a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92) não tem disposição específica sobre competência, ao contrário do que ocorre com a Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85) e com o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), que, em seus arts. 2º e 93, respectivamente, disciplinam a matéria.

De toda forma, ao se considerar que a ação de improbidade administrativa pertence ao minissistema processual coletivo, de rigor aplicar-se a regra do art. 2º da Lei nº 7.347/85 também às ações ajuizadas com suporte na Lei nº 8.429/92, visto que a ação de improbidade pode ser considerada uma ação coletiva.

 Nesse sentido, assentou o STJ que “não há na Lei 8.429/92 regramento específico acerca da competência territorial para processar e julgar as ações de improbidade. Diante de tal omissão, tem-se aplicado, por analogia, o art. 2º da Lei 7.347/85, ante a relação de mútua complementariedade entre os feitos exercitáveis em âmbito coletivo, autorizando-se que a norma de integração seja obtida no âmbito do microssistema processual da tutela coletiva” (CC 97351/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 27/05/2009, DJe 10/06/2009).

No caso dos direitos transindividuais (e a probidade constitui direito difuso), pela sua dimensão social, política e jurídica, resta claro o interesse público no sentido de que a competência territorial se exprima como absoluta.

Colhe-se, com segurança, que, em sede de improbidade administrativa da espécie enriquecimento ilícito, a competência a ser considerada é aquela onde foi perpetrada a conduta que ofendeu a higidez pública.

Confira-se, a propósito, precedente do Superior Tribunal de Justiça:

“(...) No mérito, melhor sorte não assiste aos agravantes.

É verdade que atos de improbidade administrativa cometidos por promotor de justiça atingem a imagem da Instituição a ele vinculada (Ministério Público do Estado de São Paulo) e ao estado de São Paulo como um todo, mas isso não é razão suficiente para desconfigurar o local do dano como o do município efetivamente atingido pelo resultado danoso das ações e, assim atrair a competência para a capital do Estado.

Não existe foro por prerrogativa de função em ações de improbidade administrativa. Para determinar o foro de julgamento em casos deste tipo, tem-se utilizado, por falta de disposição legal específica, o art. 2º da LACP, o qual dispõe que o ajuizamento da ação deve ser no ‘foro do local onde ocorrer o dano’. Se os danos ocorreram em Mirassol – SP, a ação será julgada em Mirassol – SP. Nem na capital, como quer o agravante, nem em Barretos – SP, como quer o autor do recurso especial.

Pelo exposto, nego provimento ao agravo regimental.” (STJ, AgRg no Recurso Especial nº 1.526.471-SP, Ministro Relator Humberto Martins, grifos nossos).

Em suma, considerando que os elementos de convicção até aqui carreados aos autos revelam que os fatos ocorreram em Itu, bem como que a atribuição é definida pelo local do dano, tem razão o suscitante.

3)  DECISÃO

 

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, DD. 6º Promotor de Justiça de Itu, a atribuição para dar seguimento ao presente expediente, nos termos da fundamentação supra.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 22 de novembro de 2017.

 

Gianpaolo Poggio Smanio

Procurador-Geral de Justiça

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