Conflito de Atribuições - Cível

 

Protocolado nº 135.847/2013

Suscitante: 1º Promotor de Justiça de Aparecida (Patrimônio Público)

Suscitado: 2º Promotor de Justiça de Aparecida (Habitação e Urbanismo)

 

Ementa:

1.   Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 1º Promotor de Justiça de Aparecida (Patrimônio Público). Suscitado: 2º Promotor de Justiça de Aparecida (Habitação e Urbanismo).

2.   Ocupação irregular de via pública. Fato principal a ser apurado. Possibilidade, eventual, de ocorrência de ato de improbidade administrativo conexo com o objeto da investigação principal. Possibilidade de apuração conjunta (art. 469, parágrafo único, do Ato Normativo 675/2010 – PGJ/CGMP).

3.   Conflito conhecido e dirimido, declarando caber ao suscitado dar seguimento à investigação.

 

1) Relatório

 

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 1º Promotor de Justiça de Aparecida (Patrimônio Público) e como suscitado o DD. 2º Promotor de Justiça de Aparecida (Habitação e Urbanismo).

Foi encaminhada à Promotoria de Justiça de Aparecida representação, contendo notícia de que a Administração Municipal da referida cidade, por meio do Decreto Municipal nº 1889/97, teria determinado a parcial desobstrução da Rua Januária de Lima, após reclamação feita por morador do local. Aduziu ainda a provocação endereçada ao Ministério Público que referida via pública fora desobstruída apenas parcialmente, tendo em vista a ocupação de espaço pertencente à via por moradores.

O suscitado, DD. 2º Promotor de Justiça de Aparecida (Habitação e Urbanismo) recebeu ofício da Municipalidade, noticiando que por meio do Decreto nº 4023/2013 foi reduzida parcialmente a largura da via pública, de forma a “legalizar” a ocupação do solo pelos moradores que já estão ali instalados.

Diante desse quadro, o suscitado determinou a extração de cópias do expediente e remeteu-as à suscitante, para providências na esfera da defesa do Patrimônio Público, prosseguindo a análise da questão relativa à Habitação e Urbanismo no expediente originariamente instaurado.

Diante disso, o DD. 1º Promotor de Justiça de Aparecida (Patrimônio Público) suscita o conflito negativo, assinalando que: (a) a questão principal a ser investigada é aquela de ordem urbanística (ocupação irregular da via pública por moradores), sendo certo que a publicação de Decretos municipais, colimando a regularização de tal situação, mostra-se secundária; (b) não há razão para o desmembramento da apuração dos mesmos fatos em dois expedientes distintos, pois o art. 469, parágrafo único, do Manual de Atuação Funcional (Ato Normativo 675/2010-PGJ-CGMP) sinaliza para a possibilidade de apuração conjunta do ato de improbidade administrativa.

É o breve relato.

2) Fundamentação

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se, reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional, a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e s.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

No caso ora em análise, a questão central, como se infere da cópia da representação que provocou a investigação do Ministério Público (fls. 11/14), é a questão da ocupação da via pública por particulares. Tanto que nela foi inserido o pedido de providências “no sentido de garantir que a via pública citada seja aberta ao tráfego de acordo com as medidas da planta e memorial descritivo anexa (sic)”.

Assim, o quadro sinaliza no sentido de que o principal fato a ser apurado, para eventual adoção de providências por parte do Ministério Público, está centrado na aparentemente irregular ocupação de via pública e necessidade de restabelecimento de situação de legalidade.

A preponderância do interesse relacionado ao uso do solo urbano aponta para a atuação da Promotoria de Justiça com atribuições na área de Habitação e Urbanismo.

Não bastasse isso, nada impedirá que, no mesmo expediente sejam adotadas eventuais providências no campo da improbidade administrativa, caso seja apurada a ocorrência de ato ilícito desta natureza, como prevê, inclusive, o art. 469, parágrafo púnico, do Manual de Atuação Funcional, citado pela suscitante.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, DD. 2º Promotor de Justiça de Aparecida (Habitação e Urbanismo), a atribuição para oficiar no procedimento investigatório.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 16 de setembro de 2013.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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