Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 136.072/2.015

Suscitante: 2º Promotor de Justiça de Jaú (Consumidor)

Suscitado: 3º Promotor de Justiça de Jaú (Patrimônio Público e Social)

 

 

Ementa: Conflito negativo de atribuições. Suscitante: 2º Promotor de Justiça de Jaú (Consumidor).  Suscitado: 3º Promotor de Justiça de Jaú (Patrimônio Público e Social).

1.                 Peças de informações. Representação noticiando o não cumprimento da Lei n. 2.272/2009, do Município de Jaú, que “Dispõe sobre o atendimento reservado para clientes das Agências Bancária e Instituições Financeiras estabelecidas no município de Bocaina, bem como, o vídeo monitoramento das mesmas e dá outras providências”.

2.                 A obrigatoriedade imposta às agências bancárias para instalação de câmeras para vídeo monitoramento no interior e exterior tem por finalidade a melhoria dos serviços prestados aos clientes e usuários dos serviços bancários. Preponderante a proteção ao consumidor que reclama atuação ministerial para o cumprimento da lei e eventual responsabilidade pela omissão do poder público municipal na fiscalização.

3.                 Conflito conhecido e dirimido, cabendo ao suscitado, 2º Promotor de Justiça de Jaú (Consumidor), prosseguir na investigação.

1)  Relatório

 

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o 2º Promotor de Justiça de Jaú, com atribuição na área do Consumidor e como suscitado o 3º Promotor de Justiça de Jaú, com atribuição na área do Patrimônio Público (como consta do Ato nº 101/2014 – PGJ, de 03 de julho de 2014, que homologou a divisão de atribuições).

Ao receber ofício do Conselho Comunitário de Segurança – CONSEG, dando conta da ausência de fiscalização pelo Poder Público Municipal do cumprimento da Lei nº 2.272/2009, do Município de Jaú, o DD. o 3º Promotor de Justiça de Jaú, com atribuição na área do Patrimônio Público, encaminhou-o ao 2º Promotor de Justiça de Jaú com atribuição na área do Consumidor, com a seguinte fundamentação:

“A segurança dos clientes de agências bancárias é matéria afeta à Promotoria do consumidor nos termos dos arts. 4º, caput  e 6º, I do CDC”

O 2º Promotor de Justiça de Jaú, por sua vez, entendendo que a atribuição seria do 3º Promotor de Justiça de Batatais, suscitou o presente conflito negativo, afirmando que as medidas elencadas na Lei Municipal referida são complementares da atividade e poder geral de polícia da União e do Estado, relativas à segurança pública, não guardando relação com a prestação do serviço bancário em si, e, que a omissão do Chefe do Executivo em não dotar a Prefeitura de fiscais habilitados e não determinar a fiscalização das leis de posturas no âmbito do município passa necessariamente pela improbidade administrativa, pura e simples.

É o breve relato.

2) Fundamentação

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se, reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional, a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço. Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e s.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

Embora os membros do Ministério Público tenham a garantia da independência funcional, o que lhes isenta de qualquer injunção de órgãos da administração superior quanto ao conteúdo de suas manifestações, são administrativamente vinculados aos órgãos superiores. E estes, no plano estritamente administrativo, possuem, com relação àqueles, poderes que caracterizam a administração pública: poder hierárquico, disciplinar, regulamentar etc.

Como anota Hely Lopes Meirelles, o poder hierárquico é aquele de que dispõe a autoridade administrativa superior para “distribuir e escalonar as funções de seus órgãos, ordenar e rever a atuação de seus agentes, estabelecendo a relação de subordinação entre os servidores do seu quadro de pessoal (...) tem por objetivo ordenar, coordenar, controlar e corrigir as atividades administrativas, no âmbito interno da Administração Pública” (Direito Administrativo Brasileiro, 33ª ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 121). Confira-se ainda, a respeito desse tema: Edmir Netto de Araújo, Curso de Direito Administrativo, São Paulo, Atlas, 2005, p. 421/423; Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, 19ª ed., São Paulo, Atlas, 2006, p. 106/109.

O reconhecimento do vínculo entre órgão subordinado e órgão superior, no plano estritamente administrativo, é assente inclusive no direito comparado, anotando, por exemplo, Giovanni Marongiu, em conhecida enciclopédia estrangeira, que esta é a nota característica da hierarquia administrativa, na medida em que “questo vincolo, fondandosi su un’autentica supremazia della volontà superiore, ordina l’agire amministrativo e contribuisce a costituire la prima e basilare unità operativa che l’ordinamento riveste della dignità e della forza di strumento espressivo dell’autorità pubblica” (Verbete “Gerarchia amministrativa”, Enciclopedia del diritto, vol. XVIII, Milano, Giuffre, 1969, p. 626).

Do mesmo modo, outra não é a razão pela qual Massimo Severo Giannini reconhece a existência implícita, em decorrência da subordinação hierárquica entre órgãos, de um “potere di risoluzione di conflitti tra uffici subordinati, e quindi anche potere di coordinamento dell’attività degli stessi” (Diritto Amministrativo, v. I, 3ª ed., Milano, Giuffrè, 1993, p. 312).

O reconhecimento da hierarquia na organização administrativa ministerial de modo algum conflita com o princípio da independência funcional: os Promotores de Justiça são independentes no que tange ao conteúdo de suas manifestações processuais; mas pelo princípio hierárquico, que inspira a administração de qualquer entidade pública, são passíveis de revisão alguns aspectos dessa atuação.

Em outras palavras, o Procurador-Geral de Justiça não pode dizer como deve o membro do Ministério Público atuar, mas pode e deve dizer se deve ou não atuar, e qual o membro ou órgão de execução que o fará, diante de discrepância concretamente configurada.

No caso em análise, verifica-se que a Lei nº 2.272/2009 do Município de Jaú que Dispõe sobre o atendimento reservado para clientes das Agências Bancária e Instituições Financeiras estabelecidas no município de Bocaina, bem como, o vídeo monitoramento das mesmas e dá outras providências, tem por objeto primordial a proteção de correntistas e usuários dos serviços bancários.

A lei disciplina aspecto da prestação de serviço por estabelecimentos bancários em prol de seus correntistas e usuários. Trata-se de medida de proteção ao consumidor, bem como de prevenção e auxílio à repressão na área da segurança dos munícipes.

Trata-se de normatização exercida dentro do escopo de aprimorar as condições de prestação de serviços aos munícipes. Esse aprimoramento das condições de atendimento por parte dos estabelecimentos bancários revela interesse local.

O simples fato da previsão de que o Executivo fiscalizará o cumprimento da lei não afasta a atribuição do órgão ministerial na área do Consumidor para o cumprimento da lei, na tutela do interesse difuso do consumidor, ainda que tenha de incluir o poder público municipal no polo passivo, para obriga-lo a exercer a fiscalização.

A lei buscou aprimorar os serviços bancários prestados aos clientes e usuários. Assim a tutela buscada pela lei é de proteção ao consumidor dos serviços bancários.

No caso dos autos, embora possa cogitar de eventual ato de improbidade administrativa por omissão, o fato é que na hipótese sob análise prepondera a questão de proteção ao Consumidor.

Com efeito, a fiscalização do cumprimento da lei é aspecto secundário, na medida em que o não cumprimento da lei viola interesse difuso do consumidor, cuja efetividade reclama atuação do órgão ministerial desta área.

Por óbvio, a inobservância dos princípios elencados no art. 37 da Constituição Federal também poderá refletir na esfera do Consumidor, no entanto, a inobservância pelas agências bancárias na instalação de câmeras para vídeo monitoramento de suas operações internas não evidencia de plano questão relevante relacionada a tutela dos interesse do consumidor, questão preponderante, em face de eventual ato de improbidade administrativa decorrente de omissão na fiscalização do cumprimento da lei.

Posto isso, a atribuição para prosseguir nas investigações é da Promotoria de Justiça com atribuição na área do Consumidor.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber ao suscitado, DD. 2º Promotor de Justiça de Jaú (Consumidor), a atribuição para oficiar no procedimento investigatório.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

   São Paulo, 16 de outubro de 2015.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

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