Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado n.  137.019/2015 - 66.0695.0000607/2015-6

Suscitante: 8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social

Suscitado: 4º Promotor de Justiça de Direitos Humanos (Saúde Pública)

 

 

 

Conflito negativo de atribuições. Promotorias de Justiça do Patrimônio Público e Social e de Direitos Humanos. Saúde. Patrimônio Público. Termo de cessão (onerosa) - dissimuladamente gratuito - de "aplicativo" a autarquia pública. EBSERHR - Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares e Autarquia Hospitalar Municipal. Notícia de irregularidades e de malversação de dinheiro público. Questão subjacente à política pública de saúde. Superfetação normativa de atribuições. Diversidade de bens jurídicos tutelados. Solução pela separação das atribuições alvitrada em decisões anteriores. Atribuição do Suscitante. 1. A atribuição da PJ de Direitos Humanos no que toca à saúde pública está primordialmente relacionada à regularidade, à efetividade e à eficiência da prestação desse serviço público, cabendo à PJ do Patrimônio Público e Social a tutela dos recursos destinados ao sistema público de saúde, assunto subjacente à execução do serviço público de saúde propriamente (art. 295, IX e XIV, LOEMP). 2. A superfetação de atribuições entre Promotorias de Justiça se resolve pelo critério da especialização que, no presente caso, se mostra insuficiente para a resolução da controvérsia. 3. Solução pela separação de atribuições alvitrada em decisões anteriores. 4. Conflito conhecido e dirimindo, para declarar a atribuição ao Suscitante (Precedente: Pt. n. 111.686/15).

                  Põem-se em conflito os doutos 8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social e 4º Promotor de Justiça de Direitos Humanos a respeito da atribuição em protocolado oriundo do Ministério Público Federal,  cujo objeto é a apuração de malversação de recursos públicos destinados à saúde, em decorrência da celebração de termo de cessão de licença de uso (onerosa), dissimuladamente gratuito, do aplicativo de gestão para hospitais universitários (AGHU) por parte da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares à Autarquia Hospitalar Municipal de São Paulo.

                   O procedimento foi instaurado pela Divisão de Tutela Coletiva da Procuradoria da República do Estado de São Paulo a partir da denúncia anônima de fls. 09, instruída com cópia do "Termo de cessão oficial de licença de sistema nº 01/2014 que entre si celebram a EBSERH, representado pela Diretoria de Gestão de Processos e Tecnologia da Informação e a Autarquia Hospitalar de São Paulo" (fls. 07/10).

                   Segundo consta, foi firmado o aludido termo de gestão entre as entidades acima mencionadas, pelo qual a EBSERH se obrigava a ceder a licença de uso do "Aplicativo de Gestão Para Hospitais Universitários - AGHU" para a AHM, sem qualquer ônus. No entanto, no entender do noticiante, a cessão, na verdade, era onerosa, uma vez que, pela cláusula sexta, item II, a execução dos serviços de adequação, instalação, treinamento, implantação do aplicativo correriam por conta da cessionária, autarquia pública.

                   Além disso, de acordo com o determinado na referida cláusula, item III, a EBSERH estaria se utilizando de instituição municipal para incrementar a sua própria propriedade intelectual, na medida em que a PRODAM - Empresa de Tecnologia da Informação e Comunicação do Município de São Paulo, já havia sido contratada por R$ 10.000.000,00 pela AHM para o aperfeiçoamento do aplicativo cedido, sem qualquer licitação.

                   Por fim, o noticiante sugeriu ainda que o Superintendente da AHM, Dr. Roberto Yukihiro Morimoto, teria um padrão de vida incompatível com as condições mais simples que ele buscava demonstrar no ambiente de trabalho.

                   Ao receber as peças de informação, o DD. 8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social, ora suscitante, ordenou sua remessa à Promotoria de Justiça dos Direitos Humanos - Saúde Pública, nos termos do art. 440, I, do Ato Normativo nº 675/2010-PGJ-CGMP (fl. 27).

                   Adveio a manifestação do DD. 4º Promotor de Justiça de Direitos Humanos - Saúde Pública, ora suscitado, lastreada em recente precedente desta Procuradoria-Geral de Justiça (Pt. n. 111.686/15) (fls. 29/31).

                   Invocando o mesmo fundamento do art. 440, I, do Ato Normativo nº 675/2010-PGJ-CGMP, o DD. 8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social suscitou o presente conflito negativo.

                   É o relatório.

                   O conflito negativo de atribuições se evidencia configurado, pelo que comporta admissibilidade.

                   Quanto ao mérito, à vista da superfetação de atribuições, com esteio em decisão anterior, o expediente deverá prosseguir sob a presidência do DD. 8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público, ora suscitante.

                   É inegável a pertinência do preceito normativo invocado pelo Suscitante que, ao discorrer sobre as atribuições da Promotoria de Justiça de Direitos Humanos na defesa da saúde pública, assim dispõe:

"Art. 440. Zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nas Constituição Federal e Estadual e nas demais normas pertinentes, que disciplinam a promoção, defesa e recuperação da saúde, individual ou coletiva, promovendo as medidas necessárias à sua garantia, cuidando em especial de:

I - fiscalizar o cumprimento das disposições constitucionais sobre os recursos de saúde, verificando o seu devido repasse para os gestores de saúde e a regularidade dos Fundos de Saúde;

(...)"

                   De outra parte, não há dúvida de que ao Suscitado compete zelar pela regular, efetiva e eficiente prestação do serviço de saúde, e que, para tanto, impõe-se-lhe a fiscalização do bom uso dos recursos destinados ao sistema público de saúde.

                   Resulta evidentemente a superfetação normativa de atribuições.

                   Como é sabido, a "prevenção" deixou de ser critério válido para a resolução de conflitos negativos de atribuição.

                   Tem-se dado primazia ao critério da "especialização" que, no presente caso, porém, mostra-se insuficiente para a resolução da controvérsia, na medida em que pode conduzir a duas soluções antagônicas, servindo de fundamento para afetar a atribuição tanto a uma quanto a outra Promotoria de Justiça em conflito negativo.

                   De fato, duas soluções são possíveis;

1ª) a Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social é mais especializada, porque lhe compete, especificamente, zelar pela tutela do patrimônio público;

 

2º) a Promotoria de Justiça dos Direitos Humanos - Saúde Pública é mais especializada, porque lhe cabe zelar pela tutela da saúde pública e, pois, especificamente dos recursos públicos destinados ao sistema público de saúde, a fim de assegurar a regularidade, efetividade e eficiência da prestação do serviço público de saúde.

                   Além disso, como se viu, as duas soluções têm amparo normativo.

                   Ocorre que a questão já foi posta e decidida em pelo menos dois casos anteriores: o do Pt. 111.686/15 e o do Inquérito Civil n. 14.0695.0000744/2013-5, em que, em situações análogas à presente, prestigiou-se a atuação da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público em detrimento da Promotoria de Justiça de Direitos Humanos - Saúde Pública.

                   A decisão precedente que resolveu conflito de atribuição no Inquérito Civil n. 14.0695.0000744/2013-5 se encontra assim ementada:

Conflito negativo de atribuição. Patrimônio Público, legalidade e moralidade administrativa. Terceirização de médicos em UTI pediátricas da rede pública municipal de saúde para suprimento da carência de profissionais. Questão subjacente à política pública. Diversidade de bens jurídicos tutelados. Atribuição do suscitante. 1. Não é CSMP competente para solução de conflito de atribuição, mas o PGJ exclusivamente (LONMP, art. 10, X; LOEMP, art. 115), desmerecendo a Súmula 49 do colegiado interpretação como meio de solução antecipada de conflitos desse jaez ou de ordenamento de reunião de investigações, pois, ao estimular atuação conjunta não admite isolada. 2. Investigando a falta de médicos nas UTI pediátricas da rede pública municipal de saúde a PJ de Direitos Humanos captou que a deficiência na prestação do serviço foi suprida com recurso à terceirização sem licitação, provocando a atuação da PJ do Patrimônio Público e Social que instaurou inquérito civil para apuração de eventual ilegalidade e lesividade ao patrimônio público ou à moralidade administrativa. 3. Homologação da promoção de arquivamento do inquérito civil da PJ de Direitos Humanos com recomendação do CSMP de acompanhamento do inquérito civil em trâmite na PJ do Patrimônio Público, para tomada de providências em face de eventual retorno ao status quo ante. 4. A atribuição da PJ de Justiça de Direitos Humanos no que toca à saúde pública é relacionada à prestação desse serviço público relevante em si mesma considerada, sem prejuízo da atribuição da PJ do Patrimônio Público e Social para apreciação de questões referentes à legalidade e moralidade nos assuntos subjacentes à execução daquele serviço público (art. 295, IX e XIV, LOEMP), porque decisões administrativas podem ser lícitas sob o prisma do atendimento ao direito subjetivo público de saúde pública, e ilícitas sob o enfoque da legalidade e da moralidade administrativas, e vice-versa. 5. Justificativa do trato especializado e separado entre duas Promotorias de Justiça cujas missões são distintamente específicas, à vista da diversidade de bens jurídicos tutelados. 6. Conflito conhecido e dirimindo, declarando a atribuição do suscitante” (Protocolado n. 184.188/14).

                   Reporto-me à sua fundamentação:

“A atribuição da Promotoria de Justiça de Direitos Humanos no que toca à saúde pública é relacionada à prestação desse serviço público relevante em si mesma considerada, sem prejuízo da atribuição da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social para apreciação de questões referentes à legalidade e moralidade nos assuntos subjacentes à execução daquele serviço público.

É o que preceitua a Lei Complementar Estadual n. 734/93:

‘Artigo 295 — Aos cargos especializados de Promotor de Justiça, respeitadas as disposições especiais desta lei complementar, são atribuídas as funções judiciais e extrajudiciais de Ministério Público, nas seguintes áreas de atuação:

(...)

IX — Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social: defesa da probidade e legalidade administrativas e da proteção do patrimônio público e social;

(...)

XIV — Promotor de Justiça de Direitos Humanos: garantia de efetivo respeito dos Poderes Públicos e serviços de relevância pública aos direitos assegurados nas Constituições Federal e Estadual, e, notadamente, a defesa dos interesses individuais homogêneos, coletivos e difusos dos idosos, das pessoas com deficiência, e da saúde pública’.

Conquanto determinada decisão administrativa possa ser conveniente e lícita sob o prisma do atendimento ao direito subjetivo público de saúde pública, pode ser ilícita sob o enfoque da legalidade e da moralidade administrativas, e vice-versa. Essa é uma das razões que justificam o trato especializado e separado entre duas Promotorias de Justiça cujas missões são distintamente específicas, à vista da diversidade de bens jurídicos tutelados.

Assim sendo, respeitada a independência funcional de cada um dos membros do Ministério Público portadores de singulares e reservadas atribuições sobre um mesmo fato, compete, no caso, ao suscitante concluir sua investigação a respeito da legalidade e da moralidade administrativas na mencionada terceirização. É o que se capta, aliás, da portaria que instaurou o presente inquérito civil centralizando seu objeto na contratação sem licitação e sua finalidade para instrução de eventual demanda destinada à anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público ou à moralidade administrativa”.

                   E, no Protocolado n. 111.686/15, a mesma solução se infere da respectiva ementa:

Ementa: Conflito negativo de atribuição. Promotorias de Justiça do Patrimônio Público e Social e de Direitos Humanos. Serviço público de saúde. Terceirização. Radiologia. Irregularidades no trespasse. Questão subjacente à política pública. Diversidade de bens jurídicos tutelados. Atribuição do suscitante. 1. A atribuição da PJ de Justiça de Direitos Humanos no que toca à saúde pública é relacionada à prestação desse serviço público relevante em si mesma considerada, sem prejuízo da atribuição da PJ do Patrimônio Público e Social para apreciação de questões referentes à legalidade e moralidade nos assuntos subjacentes à execução daquele serviço público (art. 295, IX e XIV, LOEMP), porque decisões administrativas podem ser lícitas sob o prisma do atendimento ao direito subjetivo público de saúde pública, e ilícitas sob o enfoque da legalidade e da moralidade administrativas, e vice-versa. 2. Justificativa do trato especializado e separado entre duas Promotorias de Justiça cujas missões são distintamente específicas, à vista da diversidade de bens jurídicos tutelados. 3. Conflito conhecido e dirimindo, declarando a atribuição do suscitante.

 

                   Como se vê, em decisões precedentes, a Procuradoria-Geral de Justiça alvitrou uma solução, pela separação de atribuições, de modo a afetar à Promotoria de Justiça do Patrimônio Público a atribuição para tutela do patrimônio público, inclusive a dos recursos públicos destinados à saúde.

                   Por conseguinte, não há razão plausível para se adotar solução diversa no presente caso.

                   Sem embargo, ressalta-se que se for da convicção do Suscitante a necessidade de provocar a atuação do Suscitada para, nos limites de sua atribuição, averiguar eventual agravo à qualidade, adequação, eficiência do serviço público por conta da celebração do termo de cessão, nada obsta que assim o faça, remetendo-lhe as peças necessárias extraídas de sua investigação.

                   Ante o exposto, conheço do conflito negativo de atribuição e o resolvo declarando a atribuição do ilustre Promotor de Justiça suscitante (8º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social).

                   Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos. Remeta-se cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional.

                           

São Paulo, 13 de novembro de 2015.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

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