Conflito de Atribuições – Cível
Protocolado nº
1417/19
Representação
nº SIS 43.0161.0000116/2019-6
Suscitante: 3º
Promotor de Justiça do Consumidor da Capital
Suscitado: Ministério
Público Federal
Ementa: CONFLITO EXTERNO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÃO. DIREITO DO CONSUMIDOR. RELAÇÃO DE ENSINO. COBRANÇA DE TAXA PARA REQUERIMENTOS EM INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR. RELAÇÃO DE MATIZ DE DIREITO PÚBLICO. COMPETÊNCIA DA UNIÃO. ATRIBUIÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.
1) Representação que noticia suposta abusividade na cobrança de taxas para requerimentos formulados na Secretaria da Universidade Cruzeiro do Sul, com possível ofensa ao Código de Defesa do Consumidor.
2) Em conformidade com os arts. 9º, IX e
16 da Lei de Diretrizes e Bases (Lei 9.394/96), as instituições de educação
superior, criadas e mantidas pela iniciativa privada, inserem-se no sistema
federal de ensino, estando, portanto, sujeitas à supervisão da União.
3) Atribuição de órgãos públicos federais para a fiscalização e controle dessas entidades. Projeção no sentido de que eventual ação civil pública, decorrente de irregularidades apuradas na investigação, venha a incluir a União no polo passivo. Extração da atribuição do Ministério Público Federal a partir do art. 109, I da CF, bem como da Lei Complementar nº 75/93. Entendimento do Plenário do STF, no sentido da competência da Corte, com fundamento no art. 102, I, “f” da CF, para dirimir o conflito.
4) Representação conhecida e acolhida, determinando-se a remessa dos autos ao STF para a apreciação do conflito negativo entre Ministérios Públicos.
Vistos.
1)
Relatório.
Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o 3º Promotor de Justiça do Consumidor da Capital e como suscitado o Procurador da República em exercício na Capital, em face de representação encaminhada pelo Ministério Público Federal, noticiando a cobrança indevida, por quatro vezes, da taxa de R$ 30,00, para análise de pedidos do aluno Oedi Araújo dos Santos, matriculado em curso de graduação da Universidade Cruzeiro do Sul.
Após realização de diligências, o Procurador da República declinou de sua atribuição ao Ministério Público do Estado de São Paulo por ausência de lesão ou ameaça de lesão a interesse direto da União, entidade autárquica ou empresa pública federal, amparando-se na Súmula 359 do STJ (fl. 52).
A 3ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal indicou não ser o caso de apresentar deliberação, em razão do declínio da atribuição (fl. 56).
Ao receber os autos o 3º Promotor de Justiça do Consumidor da Capital, suscitou o conflito negativo de atribuições com o Ministério Público Federal, em especial a Procuradoria da República de São Paulo e determinou a remessa do procedimento a esta Procuradoria-Geral de Justiça, argumentando a existência de interesse da União, em razão de má prestação de atividade de ensino superior delegada, por parte da Universidade Cruzeiro do Sul.
Aduz o suscitante que a atribuição para prosseguir com as investigações seria do Ministério Público Federal, diante de interesse da União, nos termos do art. 109, I da Constituição Federal, vez que a Universidade em questão para funcionar regularmente depende da autorização e avaliação do Ministério da Educação, devendo se sujeitar às regras impostas pelo aludido Ente Político. Menciona o precedente da decisão do Procurador-Geral da República que, ao analisar situação semelhante em sede de conflito negativo de atribuições, entendeu que a atribuição seria do Ministério Público Federal, porquanto a entidade investigada integrava o Sistema Federal de Ensino, submetendo-se à supervisão da União (fls. 61/65).
É o relato do essencial.
2. PRELIMINAR: COMPETÊNCIA DO
STF PARA DIRIMIR O CONFLITO
É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.
Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).
Como se sabe, no processo jurisdicional a
identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da
ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a
repartição do serviço.
Cabe ressaltar que o Ministério Público é instituição
nacional, mas deriva da Constituição da República a coexistência de duas ordens
de Ministério Público (incisos I e II do art. 128: o Ministério Público da
União e o Ministério Público dos Estados). E a ambos conferiu autonomia
funcional e administrativa (art. 127, § 2º), explicitando ademais seus
princípios de unidade, indivisibilidade e independência funcional (art. 127, §
1º). Segundo communis opinio doctorum,
a unidade significa que os membros do Ministério Público integram um só órgão sob
a direção de um só chefe, não havendo unidade entre os membros de Ministérios
Públicos diversos, pois, só existe unidade dentro de cada Ministério Público
(Hugo Nigro Mazzilli. Regime Jurídico do
Ministério Público, São Paulo: Saraiva, 1993, p. 66; Alexandre de Moraes. Direito Constitucional, São Paulo:
Atlas, 2000, 7ª ed., p. 475).
Em outras palavras, o Ministério Público é uma
instituição unitária ainda que haja repartição de competências entre o
Ministério Público da União e os dos Estados, mas, a unidade expressa a ideia
de que “a apenas uma instituição, e
não a várias, cabe o exercício das funções institucionais” (Pedro Roberto Decoiman. Comentários à Lei Orgânica Nacional do
Ministério Público: Lei nº 8.625, de 12.02.1993, Belo Horizonte: Editora Fórum,
2011, 2ª ed., p. 35). Não há falar, assim, em sujeição,
vinculação administrativa ou funcional de um ramo do Ministério Público a
outro, exceto para aquelas carreiras que a Constituição quis organizar de forma
anômala, como as que integram as carreiras do Ministério Público da União.
Neste sentido, em
declaração de voto o Ministro Carlos Ayres Britto sintetizou a diferença entre unidade e
indivisibilidade, denotando a natureza administrativa daquele princípio:
“enquanto o princípio da unidade do Ministério Público é de caráter
administrativo, a partir da ideia força de que o Ministério Público tem um só
chefe, a indivisibilidade diz com a atuação do Ministério Público em juízo”
(STF, ADI 932-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 12-12-2010,
m.v., DJe 09-05-2011).
A cada uma das esferas de Ministério Público foi
assegurada autonomia - poder que a instituição goza para dar direção própria
aos assuntos de sua própria competência ou, mais simplesmente, para administrar
a si mesma, impedindo que receba ordens ou injunções de outros órgãos estatais
– o que garante a efetiva independência funcional do Ministério Público e
compreende, entre outros, a capacidade para decidir mediante critérios ou
juízos de sua própria escolha sem observar ordens ou injunções de autoridades
estranhas ao quadro institucional.
Tal modo organizacional guarda direta relação com o
modelo federativo acolhido desde sempre pelo Estado Brasileiro. Com efeito, aos
Estados são consignadas competências próprias que, ademais, são plenas no
âmbito administrativo. Aos Estados é conferida autonomia, definida como o “governo próprio dentro do círculo de
competências traçadas pela Constituição Federal” (José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional, São
Paulo: Malheiros, 2010, 33ª ed., p. 100), e que se consubstancia nas
capacidades de auto-organização, autolegislação, autogoverno e
autoadministração, e que estão contidas nos arts. 18 e 25 a 28 da Constituição
Federal (José Afonso da Silva. Comentário
contextual à Constituição, São Paulo: Malheiros, 2006, 2ª ed., p. 283).
O princípio federativo é diretriz estruturante da
organização política e administrativa brasileira (arts. 1º e 18, Constituição
Federal), com valor de cláusula pétrea (art. 60, § 4º, I, Constituição),
estando assentado na autonomia estadual e na repartição de competências que,
respectivamente, se arquitetam na existência de órgãos governamentais próprios
(que não dependam dos órgãos federais quanto à forma de seleção e investidura)
e na posse de competências exclusivas, como explica José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional, São
Paulo: Malheiros, 2010, 33ª ed., p. 100).
A autoadministração é a capacidade de gestão dos
próprios órgãos e serviços públicos sem interferência da ordem central (Luiz
Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Junior. Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Saraiva, 1998, pp.
187-189), sendo exercitável “sem
subordinação hierárquica dos Poderes estaduais aos Poderes da União”
(Fernanda Dias Menezes de Almeida. Competências
na Constituição de 1988, São Paulo: Atlas, 2000, 2ª ed., p. 25).
Não há dúvida que a solução de conflitos de
atribuições se encarta entre as prerrogativas decorrentes da hierarquia, como
acentua a literatura (Mario Masagão. Curso
de Direito Administrativo, São Paulo: Max Limonad, 1959, tomo I, p. 75, n.
150; Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito
Administrativo, São Paulo: Atlas, 2003, pp. 74, 92-94; Celso Antonio
Bandeira de Mello. Curso de Direito
Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2000, p. 125, n. 25; Odete Medauar. Direito Administrativo Moderno, São
Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, pp. 58-59).
Hierarquia - anota Augustín Gordillo - é uma relação
jurídica administrativa interna vinculando entre si os órgãos da Administração
mediante subordinação para assegurar a unidade de ação, e sua primeira
característica “é que se trata de uma
relação entre órgãos internos de um mesmo ente administrativo e não entre
distintos sujeitos administrativos”, de tal sorte que seu espaço não é o da
descentralização administrativa institucional, mas, o da centralização, da
desconcentração e da delegação (Augustín Gordillo. Tratado de Derecho Administrativo, Buenos Aires: Fundación de
Derecho Administrativo, 2013, 11ª ed., tomo I, Capítulo XII, pp. 24-25).
A interioridade é traço elementar da hierarquia e,
além disso, antiga e precisa lição assinala que onde há hierarquia não há
conflito porque o “conflito de
atribuições supõe necessariamente que nenhum dos órgãos conflitantes seja
hierarquicamente subordinado ao outro, pois, nessa hipótese, a decisão do órgão
superior resolve o caso” (Mário Masagão, Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Max Limonad, 1960, tomo
II, p. 333, n. 513).
As Leis Orgânicas do Ministério Público são
indicativas das competências administrativas do Procurador-Geral.
A Lei n. 8.625/93 prescreve quanto ao Ministério
Públicos dos Estados:
“Art. 10. Compete ao Procurador-Geral
de Justiça:
I - exercer a chefia do Ministério
Público, representando-o judicial e extrajudicialmente;
(...)
X - dirimir conflitos de atribuições entre membros do Ministério Público,
designando quem deva oficiar no feito”.
A Lei Complementar n. 75/93 prevê a competência da
Câmara de Coordenação e Revisão em face de conflito entre órgãos do
Ministério Público Federal, reservada ao Procurador-Geral da República
decisão em grau de recurso (arts. 49, VIII, e 62, VII),
Se competir a cada Procurador-Geral a solução
conflitos de atribuição entre membros de seus respectivos Ministérios Públicos,
os conflitos entre membros de Ministérios Públicos diversos encontram sede
competente no Supremo Tribunal Federal.
Diante do conflito de atribuições (positivo ou
negativo) entre órgãos de Ministérios Públicos diversos (entre Ministérios
Públicos Estaduais ou entre Ministério Público Federal e Ministério Público
Estadual), sua solução não é da alçada da Procuradoria-Geral da República. O
Procurador-Geral da República exerce tão somente a Chefia do Ministério Público
da União, não podendo estendê-la aos Estados, sob pena de violação do princípio
federativo e do princípio da autonomia conferida aos Ministérios Públicos
Estaduais – possuidores de chefia própria - e de afirmar-se hierarquia onde não
existe.
O Superior Tribunal de Justiça dispensou orientação
negativa ao conhecimento desse conflito de atribuições (STJ, CAt 169-RJ, 3ª
Seção, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, 23-11-2005, m.v., DJ 13-03-2006, p.
177) e o Supremo Tribunal Federal, revendo seu entendimento anterior, concluiu
competir-lhe a solução do conflito:
“COMPETÊNCIA - CONFLITO DE
ATRIBUIÇÕES - MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL VERSUS
MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. Compete ao Supremo a solução de conflito de
atribuições a envolver o Ministério Público Federal e o Ministério Público
Estadual. (...)” (STF, Pet 3.528-BA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio,
28-09-2005, v.u., DJ 03-03-2006, p. 71).
Nesse julgamento foi assentado descaber à
Procuradoria-Geral da República dirimir conflito de atribuições entre órgãos
dos Ministérios Públicos Federal e Estadual por que:
“de acordo com a norma do § 1° do artigo 128 do Diploma Maior chefia ele
o Ministério Público da União, não tendo ingerência, considerados os princípios
federativos, nos Ministérios Públicos dos Estados. (...) A solução há de
decorrer não de pronunciamento deste ou daquele Ministério Público, sob pena de
se assentar hierarquização incompatível com a Lei Fundamental. Uma coisa é
atividade do Procurador-Geral da República no âmbito do Ministério Público da
União, como também o é atividade do Procurador-Geral de Justiça no Ministério
Público do Estado. Algo diverso, e que não se coaduna com a organicidade do
Direito Constitucional, é dar-se à chefia de um Ministério Público, por mais
relevante que seja, em se tratando da abrangência de atuação, o poder de
interferir no Ministério Público da unidade federada, agindo no campo
administrativo de forma incompatível com o princípio da autonomia estadual.
Esta apenas é excepcionada pela Constituição Federal e não se tem na Carta em
vigor qualquer dispositivo que revele a ascendência do Procurador-Geral da
República relativamente aos Ministérios Públicos dos Estados”.
Esse posicionamento, ademais, esclareceu que competia
ao próprio Supremo Tribunal Federal superar o impasse, de maneira a evitar um
“buraco negro”, trazendo à colação precedentes longevos (STF, CJ 5.133, Rel.
Min. Aliomar Baleeiro, DJ 22-05-1970; STF, CJ 5.257, Rel. Min. Aliomar
Baleeiro, DJ 04-05-1970) para concluir que “diante
da inexistência de disposição específica na Lei Fundamental relativa à
competência, o impasse não pode continuar. Esta Corte tem precedente segundo o
qual, diante da conclusão sobre o silêncio do ordenamento jurídico a respeito
do órgão competente para julgar certa matéria, a ela própria cabe a atuação
(...) Esse entendimento é fortalecido pelo fato de órgãos da União e de Estado
membro estarem envolvidos no conflito, e aí há de se emprestar à alínea ‘f’ do
inciso I do artigo 102 da Constituição Federal alcance suficiente ao
afastamento do descompasso, solucionando-o o Supremo, como órgão maior da pirâmide
jurisdicional”.
Neste sentido firmou-se a competência do Supremo
Tribunal Federal para conhecimento e julgamento de conflito de atribuições “entre o Ministério Público Federal e os
Ministérios Públicos Estaduais, ante a ausência de dispositivo constitucional
expresso, mas com a efetiva possibilidade de conflito federativo (art. 102, I,
f, da Constituição)” (STF, ACO-ED 1.239-DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski,
18-09-2008, DJe 20-10-2008), até porque concepção diversa é agressiva à
autonomia de cada esfera de Ministério Público e estabeleceria hierarquia
inexistente.
3)
MÉRITO
No caso em análise depreende-se da documentação encaminhada que o aluno Oedi Araújo dos Santos estava matriculado no curso de graduação em Direito da Universidade Cruzeiro do Sul, contudo, precisou suspender os estudos e retornou no semestre seguinte, oportunidade em que recebeu orientação para regressar para o nono período, cursando apenas uma matéria, sendo que a mesma apenas estava disponível na modalidade on line e durante o período noturno.
Assim, após conclusão e aprovação da citada matéria, tentou se matricular novamente no décimo semestre, sendo informado da necessidade de abertura de processo interno para alteração do turno noturno para o matutino, mediante pagamento de taxa no valor de R$ 30,00 (trinta reais), sendo que o processo interno foi indeferido outras quatro vezes, sendo que em todas as ocasiões a Secretaria da instituição de ensino cobrou a taxa de R$ 30,00.
Importante consignar, desde logo, que o próprio Ministério Público Federal já firmou o entendimento no sentido de que cabe a ele a apuração de eventuais irregularidades na cobrança de taxas abusivas para serviços de Secretaria por instituições de ensino superior privadas:
“PROCEDIMENTO APURATÓRIO. COMPETÊNCIA. CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÕES. MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. SISTEMA FEDERAL DE ENSINO. INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR PRIVADA. IRREGULARIDADE. COBRANÇA DE TAXAS ABUSIVAS PARA SERVIÇOS DE SECRETARIA. INTERESSE DA UNIÃO. CONFIGURAÇÃO.
(...)
2. Tem atribuição o Ministério Público Federal para a condução de procedimento apuratório com o objetivo de investigar irregularidade atribuída a centro universitário particular, consistente na cobrança de taxas de serviços de secretaria em valores excessivos, porquanto as instituições de ensino superior privadas integram o Sistema Federal de Ensino, estando sujeitas à supervisão da União, o que revela a existência de interesse do referido ente, fixando a competência da Justiça Federal o processo e julgamento de eventual demanda decorrente dos fatos.
3. Requerimento de baixa dos autos no âmbito da Suprema Corte e oportuna devolução do feito para as providências cabíveis, com base neste posicionamento” (Ação Cível Originária 2.612/SP – grifo nosso).
Observe-se que, de fato, o art. 16 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei Federal nº 9.394/96) prevê que o sistema federal de educação compreende as instituições de ensino mantidas pela União, as instituições de educação superior, criadas e mantidas pela iniciativa privada, e ainda os órgãos federais de educação.
Isso significa que as irregularidades apuradas nestes autos comportam fiscalização por parte de órgãos da União, bem como que eventuais omissões podem acarretar responsabilidades de agentes públicos federais encarregados das atividades de fiscalização e controle do funcionamento da entidade de ensino.
Nesse sentido, mutatis mutandis, já decidiu o STF:
“Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA. INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR. SISTEMA FEDERAL DE ENSINO. INTERESSE DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I - O Plenário desta Corte, ao julgar a ADI 2.501/MG, Rel. Min. Joaquim Barbosa, concluiu que as instituições privadas de ensino superior se sujeitam ao Sistema Federal de Ensino, sendo reguladas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/1996). Precedentes. II – No caso dos autos, a Faculdade Vizinhança Vale do Iguaçu – VIZIVALI integra o Sistema Federal de Educação, o que evidencia o interesse da União no feito – mormente pela sua competência para legislar sobre diretrizes e bases da educação – e a competência da justiça federal para o seu julgamento. Precedentes. III – Agravo regimental a que se nega provimento” (RE 692456 AgR / RS, 2ª T., rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, j. 02/09/2014)
Formulando projeção relativa à ação civil pública que virá, eventualmente, a ser proposta em decorrência das irregularidades apuradas neste feito, é possível pensar na presença não só da entidade de ensino, mas também da União no polo passivo, em razão de eventual falha de fiscalização e controle, ainda mais considerando que a cobrança de taxas de serviços de secretaria em valores excessivos se refere a atividade delegada de ensino, conforme já decidido na Ação Cível Originária 2.612/SP (STF), onde o douto Procurador-Geral da República reconheceu a competência do Ministério Público Federal para atuar em tal hipótese.
Recorde-se,
ademais, que nos termos do art. 39 da Lei Orgânica do Ministério Público da
União (Lei Complementar 75/93), cabe ao Ministério Público Federal exercer a
defesa dos direitos constitucionais do cidadão, sempre que se cuidar de
garantir-lhes o respeito pelos Poderes Públicos Federais, pelos órgãos da
administração pública federal direta ou indireta, pelos concessionários e
permissionários de serviço público federal, pelas entidades que exerçam outra
função delegada da União.
Nesse
quadro, é natural que a investigação seja conduzida pelo Ministério Público
Federal.
Acolhe-se,
portanto, a representação.
4) DECISÃO
Diante
do exposto, acolhe-se a representação formulada pelo DD. 3º Promotor de
Justiça do Consumidor da Capital determinando-se a remessa dos autos
ao E. Supremo Tribunal Federal, a fim de que seja dirimido o conflito negativo
de atribuições surgido na hipótese em exame.
Publique-se
a ementa. Comunique-se. Cumpra-se.
Providencie-se
a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de
Tutela Coletiva.
São Paulo, 28 de fevereiro de 2019.
Gianpaolo Poggio Smanio
Procurador-Geral de Justiça
kb