Conflito de Atribuições – Cível

 

Protocolado nº 140.900/2014

 (Ref. SIS MP 14.0739.0001989/2013-9)

Suscitante: 4º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital

Suscitado: 2º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital

 

 

Ementa:

1)   Conflito negativo de atribuições. 4º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital (suscitante). 2º Promotor de Justiça do Meio Ambiente (suscitado).

2)   Notícia de ocorrência de invasão em área de proteção de mananciais. Remessa ao suscitante.

3)   Desmembramento irregular. Aplicação do disposto no art. 3º, II do Ato nº 55/95-PGJ.

4)   Conflito conhecido e dirimido, cabendo ao suscitante prosseguir na investigação.

 

 

1) Relatório.

Trata-se de conflito negativo de atribuições, figurando como suscitante o DD. 4º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, e como suscitado DD. 2º Promotor de Justiça do Meio Ambiente da Capital, relativamente ao feito em epígrafe (SIS MP 14.0739.0001989/2013-9), tendo como objeto a apuração da notícia de invasão e construções irregulares nas proximidades de área de mananciais, localizada na rua Edith Blin números 70, 80 e 82, na cidade de São Paulo/SP.

O órgão suscitado, DD. 2º Promotor de Justiça da Capital averbou que se trata de nova invasão em loteamento irregular preexistente, motivo pelo qual a investigação deve correr sob a responsabilidade da Promotoria de Habitação e Urbanismo.

O suscitante, DD. 4º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital, por sua vez, noticiou que a informação trazida à Promotoria do Meio Ambiente assinala a ocorrência de “invasões e construções irregulares em área de proteção aos mananciais, com remoção florestal e lançamento de lixo e esgoto e a implantação de aterros sanitários”. Aduziu, igualmente, que, em vistoria, a Prefeitura Municipal certificou que no local existem “nove barracos de madeira com aproximadamente 50 m2 cada um, bem como havia vestígios de supressão de exemplares arbóreos, construção de fossas negras, acúmulo e queima de lixo, materiais de construção armazenados”.

Assentou ainda o suscitante que “não está sendo formado no local um loteamento”, e que “também não é o caso de desmembramento”, evidenciando-se a atribuição da Promotoria do Meio Ambiente.

É o relato do essencial.

2) Fundamentação.

É possível afirmar que o conflito negativo de atribuições está configurado, devendo ser conhecido.

Como anota a doutrina especializada, configura-se o conflito negativo de atribuições quando “dois ou mais órgãos de execução do Ministério Público entendem não possuir atribuição para a prática de determinado ato”, indicando-se reciprocamente, um e outro, como sendo aquele que deverá atuar (cf. Emerson Garcia, Ministério Público, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2005, p. 196).

Como se sabe, no processo jurisdicional a identificação do órgão judicial competente é extraída dos próprios elementos da ação, pois é a partir deles que o legislador estabelece critérios para a repartição do serviço.

Nesse sentido: Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, Teoria geral do processo, 23. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 250/252; Athos Gusmão Carneiro, Jurisdição e competência, 11. ed., São Paulo, Saraiva, 2001, p. 56; Patrícia Miranda Pizzol, A competência no processo civil, São Paulo, RT, 2003, p. 140; Daniel Amorim Assumpção Neves, Competência no processo civil, São Paulo, Método, 2005, p. 55 e ss.

Esta ideia, aliás, estava implícita no critério tríplice de determinação de competência (objetivo, funcional e territorial) intuído no direito alemão por Adolf Wach, e sustentado, na doutrina italiana, por Giuseppe Chiovenda (Princípios de derecho procesal civil, t. I, trad. esp. de Jose Casais Y Santaló, Madrid, Instituto Editorial Réus, 1922, p. 621 e ss; e em suas Instituições de direito processual civil, 2º vol., trad. port. de J. Guimarães Menegale, São Paulo, Saraiva, 1965, p. 153 e ss), bem como por Piero Calamandrei (Instituciones de derecho procesal civil, v. II, trad. esp. Santiago Sentís Melendo, Buenos Aires, EJEA, 1973, p. 95 e ss), entre outros clássicos doutrinadores.

Ora, se para a identificação do órgão judicial competente para a apreciação de determinada demanda a lei processual estabelece, a priori, critérios que partem de dados inerentes à própria causa, não há razão para que o raciocínio a desenvolver para a identificação do órgão ministerial com atribuições para certo caso também não parta da hipótese concretamente considerada, ou seja, de seu objeto.

Pode-se, deste modo, afirmar que a definição do membro do parquet a quem incumbe a atribuição para conduzir determinada investigação na esfera cível, que poderá, ulteriormente, culminar com a propositura de ação civil pública, deve levar em consideração os dados do caso concreto investigado.

O expediente em exame foi instaurado em função da notícia de invasão de área de proteção ambiental para a construção de moradias no local discriminado nos autos, nesta cidade de São Paulo.

Os artigos 2º e 3º, II, do Ato nº 55/95-PGJ têm a seguinte redação:

“(...)

Art. 2º - O dano ao meio ambiente relacionado com o parcelamento irregular do solo em área de proteção ambiental será da atribuição do Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo, o qual providenciará, prontamente, nos autos da peça informativa ou do procedimento instaurado, exame pericial ou estudo técnico, sem prejuízo de outras medidas, observado o disposto no artigo 5º deste Ato.

Art. 3º - Deslocar-se-á a atribuição para o Promotor de Justiça do Meio Ambiente sempre que, diante do laudo pericial ou documento equivalente e dos demais elementos de prova coligidos, restar evidenciado que o dano ambiental está relacionado com:

I - parcelamento rural, ou seja, executado com finalidade de exploração agrícola, extrativa ou pastoril, e que respeita o módulo mínimo de fracionamento fixado pelo INCRA ou pela legislação municipal;

II - parcelamento para fins urbanos, desde que não haja moradias com ocupação, embora tenha ocorrido desmatamento, movimentação de terra, abertura de ruas, demarcação de lotes e quadras, e edificações.

(...)” (g.n.)

Extrai-se dos dispositivos acima, com a devida vênia com relação a entendimento diverso, que a premissa para a fixação da atribuição na Promotoria de Habitação e Urbanismo é de que haja, efetivamente, parcelamento e moradias com ocupação (art. 3º, II do Ato nº 55/95 PGJ).

Os conceitos de parcelamento e desmembramento do solo estão fixados objetivamente no art. 2º da Lei nº 6.766/79, com a seguinte redação:

“(...)

Art. 2º. O parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as disposições desta Lei e as das legislações estaduais e municipais pertinentes.

§ 1º - Considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes.

§ 2º- Considera-se desmembramento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique na abertura de novas vias e logradouros públicos, nem no prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes.

(...)” (g.n.)

As informações coligidas aos autos indicam haver desmembramento do solo para fins de edificação de moradias, com notícia de ocupação, ainda que em fase embrionária, nos termos do art. 2º, § 2º da Lei de Loteamentos e do art. 3º, II do Ato nº 55/95 PGJ.

O Relatório Técnico relativo ao evento, realizado por servidores da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente, sinaliza para a existência de algumas ocupações de moradia no local (“barracos”), com demarcação de lotes e anúncios de vendas por parte de imobiliárias da região (fls. 64/91).

Confiram-se os seguintes excertos do aludido Relatório:

“(...)

Uma vez no local registramos a existência de pelo menos 9 (nove) barracos de madeira ocupando uma área formada pela confluência entre as ruas Edith Blin e Matias Sandor. Registramos ainda nesta área pelo menos dois lotes demarcados com tela de arame, ainda sem ocupações, mas com indícios de supressão de vegetação, com aproximadamente 50 m2 (cinquenta metros quadrados) cada. (fls. 64)

(...)

As ocupações não contam com serviços oficiais de água, energia elétrica e esgoto. Constatamos a existência de ‘gatos’ para alimentação de energia e fossas negras para coleta do esgoto. (fls. 65)

(...)

Obtivemos também registros indicando a oferta de imóveis para venda na área vistoriada (fls. 66)

(...)

Cabe ainda ressaltar que toda esta ocupação, que parece conferir com a denúncia que deu origem ao presente Processo, localiza-se do lado direito de quem entra na Rua Edith Blin, vindo da Estrada Engenheiro Marsilac. Contudo, durante nossa ação fiscalizatória contatamos do lado contrário da via pelo menos quatro lotes de aproximadamente 50 m2 (cinquenta metros quadrados) também delimitados por cercas de arame, três deles vazios e o quarto já ocupado com uma construção em alvenaria em andamento. Em um dos lotes vazios e naquele com a construção em andamento havia placas de imobiliárias ofertando tais imóveis para venda. (fls. 66)

(...)” (g.n.)

Dessa forma, as informações existentes nos autos sinalizam no sentido da atribuição da Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo para atuar no caso, especialmente diante da notícia de existência de ocupação de imóvel, nos termos do art. 3º, II, do Ato Normativo nº 55/95-PGJ.

3) Decisão

Diante do exposto, conheço do presente conflito negativo de atribuições e dirimo-o, com fundamento no art. 115 da Lei Orgânica Estadual do Ministério Público, declarando caber a órgão ministerial suscitante, o DD. 4º Promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo da Capital a atribuição para oficiar no procedimento investigatório.

Publique-se a ementa. Comunique-se. Cumpra-se, providenciando-se a restituição dos autos.

Providencie-se a remessa de cópia, em via digital, ao Centro de Apoio Operacional Cível e de Tutela Coletiva.

São Paulo, 10 de outubro de 2014.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

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